“Princípios e interesses
Por Murillo Aragão
Todas as nações mais ou menos
organizadas funcionam com base na inter-relação entre princípios e interesses.
Princípios são o conjunto de normas, regras e leis que orientam um país. Também
incluem valores, concepções e conceitos que servem de marco para a sociedade
funcionar. Os princípios escritos geralmente estão registrados na Constituição,
documento fundamental. Em política, interesse seria a animus de interferir no
processo decisório em favor de causa que lhe seja necessária, importante ou lhe
traga vantagem. Não necessariamente ilícita ou imoral.
Cabe ao Estado administrar os
conflitos de interesses da sociedade com base nos princípios constitucionais. A
administração desses conflitos é essencial quando o interesse privado se
contrapõe ao interesse coletivo de maneira a desviar a função pública em favor
de algum privilégio.
Não há nada de mais em defender
os próprios interesses de forma lícita. É um direito assegurado pela
Constituição, e isso não deve ser interpretado como algo intrinsicamente
negativo nem malévolo. Desde que ocorra à luz do dia e com igualdade de
condições frente aos demais interessados. A defesa de interesses é componente
fundamental para se contrapor tanto à hegemonia do Estado quanto à hegemonia de
determinados setores.
No Brasil, temos vários
princípios inscritos em nossa Constituição. Eles são, basicamente, os
seguintes: os direitos civis e políticos; os direitos sociais, econômicos e
culturais; fraternidade e solidariedade; o direito à propriedade; o direito à
comunicação; e, ainda, o direito à democracia; ao pluralismo; e ao livre fluxo
de informação.
Basta examinar nossos princípios
para ter a certeza de que eles não estão prevalecendo em nossa sociedade. Não
temos um livre fluxo de informação. Nossas eleições foram corrompidas pelo
abuso do poder econômico. Temos sistemas previdenciários distintos para
servidor público e trabalhador comum. Não temos assegurado o direito de ir e
vir por conta da violência e/ou da precariedade dos transportes públicos, entre
outras mazelas. Por quê? Pelo fato de os interesses específicos suplantarem os
coletivos e, sobretudo, os princípios que deveriam fundamentar o funcionamento
da nação. Nesse sentido, dois aspectos saltam aos olhos.
O primeiro é o tamanho do Estado,
que é regulador, legislador, financiador, arrecadador, consumidor e, de longe,
o maior ente econômico da nação. O Estado, no Brasil, é muito maior que a
sociedade, quando deveria ser o contrário. O estado no Brasil cresceu para
atender os seus interesses. São empresas estatais e empregos públicos demais. E
contrapartidas de menos para a sociedade.
O segundo aspecto reside no
funcionamento desse Estado, que se baseia na opacidade e no privilégio de
interesses que o corrompem. São os interesses de segmentos empresariais e do
funcionalismo público, ambos igualmente poderosos. Estados estão quebrando
tanto por conta da corrupção quanto pelo gasto excessivo com folha de pagamento
e aposentadorias. Com processos decisórios opacos, as oportunidades não são
adequadamente oferecidas. Daí a criação de campeões nacionais escolhidos a dedo
na roda da fortuna da promiscua relação entre corrupção e política.
E por que acontece isso? Por
imensas distorções que remontam à invenção do Brasil como nação. Pela
precariedade de nossa participação no processo político. E, especialmente, pela
grave deficiência de nosso sistema educacional, que forma consumidores e não
cidadãos. Não temos noção do que são os
princípios que nos devem orientar. Em consequência, não sabemos quando e como
devemos cobrar do estado a adequada postura na defesa do interesse coletivo.
Delegamos a defesa do interesse coletivo para entes que, muitas vezes, atuam de
acordo com suas agendas corporativistas. Tampouco é adequado. Enfim, é um longo
e penoso aprendizado.”
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AGD Comenta:
O autor do texto que vocês leram
é um conhecido cientista político. O texto é tão didático que até um leigo,
como eu, entende seu linguajar. O cotejo entre princípios e interesses é
estudado desde a antiguidade, e se remete aos interesses de cidadãos, escravos
e mulheres nas cidades gregas.
Com o advento do Estado moderno e
a explicitação de princípios em livros que se chamam Constituições, há uma
tendência a se valorizar os princípios mais do que os interesses dos cidadãos.
Os que tem uma formação na área
econômica sabem que esta distinção deve ser bem trabalhada para não cairmos no
conto dos “princípios grátis”, pois quase todos eles geram os chamados “direitos” que quase sempre são base de interesses e
que só podem ser garantidos com uma boa base econômica. Ou seja, em casos dos direitos
materiais, como, por exemplo, a educação e informação citados pelo articulista,
não há como satisfazer “princípios”
sem o respaldo de uma grande base produtiva que ofereça o mínimo de “pão” as pessoas. Ou melhor dizendo no caso: “Não
há livros grátis!”
E, alguns economistas lutaram
pelo princípio de que é dos interesses do homens que nasce as maiores
conquistas materiais e não de um princípio gerado pela sociedade. Este é o
ponto crucial dos sistemas econômicos modernos, que, depois de um susto
socialista, no século XX, está cada dia seguindo o princípio dos sistema
capitalistas onde há uma primazia maior dos interesses individuais.
Neste caso, a tarefa dos Estados
é zelar para que estes interesses não descambem para o mal, formando um aparato
de leis que protejam as ações e estimulem a vontade de produzir, segundo seus
gostos e desejos. Quando este estado passa dos limites, em termos de tamanho,
em nome de princípios que não se sustentam de pé sem a base econômica, vemos o
que hoje temos na Venezuela e mesmo no Brasil, em que nos tornamos.
Em grande parte nossa Constituição
é culpa de nossas mazelas. Talvez ela tenha sido feita num período, saída de
uma ditadura, que, para se obter apoio para ela, prometeu-se mais do que se
deveria fazê-lo. No entanto, é o que temos de resto para sermos uma nação
civilizada.
O que se espera é que o Brasil
sobreviva à tormenta que hoje se abate sobre nós, e possamos, fazer outra
Constituição, saindo de um período de mais liberdade e também de mais realismo
naquilo que possamos prometer ao nosso povo em matéria de princípios e de
direitos. Neste momento, não é hora nem de remendar a velha, quanto mais de
criar uma nova. Só nos resta ser otimista.
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