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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

1 a 7




POR MERVAL PEREIRA

Chama-se tecnicamente “pedido de vista obstrutivo” o que o ministro Dias Toffoli fez ontem no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a restrição ao foro privilegiado dos parlamentares federais. Seguindo um roteiro previamente organizado, depois de encontro com o presidente Michel Temer fora da agenda, Toffoli impediu que a decisão majoritária do plenário do Supremo se materializasse. Nesse caso, ele ganhou de 1 a 7, como se a Seleção brasileira pudesse reverter o resultado do jogo contra a Alemanha na Copa do Mundo pedindo vista.

A votação já estava 6 a 1 quando Toffoli  pediu vista, alegando que o Congresso estava tratando do assunto com a tramitação de uma proposta de emenda constitucional (PEC). O ministro Celso de Mello adiantou seu voto mesmo assim, ampliando o placar para 7 a 1. O mais grave é que esse comportamento tem sido recorrente, colocando ministros do Supremo como partícipes do jogo político.

O ministro Sepulveda Pertence, hoje aposentado, criticava esse recurso à obstrução, alegando que ele atende a uma lógica parlamentar que não deveria ser utilizada numa Corte Judiciária. A idéia de que temos 11 Supremos, lançada em estudos da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio, fica reforçada cada vez que um ministro resolve assumir sozinho uma decisão, mesmo depois que o colegiado já se manifestou majoritariamente sobre o tema.

Muito pior é quando um ministro toma uma decisão alegando que a questão não está resolvida pelo plenário. Foi o caso de Ricardo Lewandowski, que devolveu à Procuradoria-Geral da República os termos do acordo de delação premiada de Renato Pereira, marqueteiro do ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

O Supremo já havia decidido que não cabe ao relator questionar os termos do acordo do Ministério Público na homologação, mas apenas verificar seus aspectos formais. O questionamento deve ser feito no final do processo, à luz da eficácia do acordo. Não obstante, Lewandowski devolveu o acordo, questionando diversos aspectos dele, e foi apoiado publicamente pelo ministro Gilmar Mendes, que alega que não houve uma definição do Supremo sobre o caso. Ele diz, ironicamente, que nem mesmo o ministro Facchin sabe o que foi decidido naquele julgamento.

O fato, a corroborar o que Gilmar Mendes diz, é que ninguém questionou a atitude de Lewandowski. É diferente da decisão de ministros que, sorteados relatores de um recurso contra a prisão depois da segunda instância, soltam os réus porque são contra a decisão do plenário. Nesse caso, como o que houve foi uma permissão para, a critério do Juiz, prender o condenado em segunda instância, é perfeitamente normal que um Juiz que considere que só depois do trânsito em julgado é possível prender alguém não autorize a prisão. 

O pedido obstrutivo tem mais uma característica: o ministro, para atingir seu objetivo, fica com o processo vários meses, na tentativa de tornar inútil ou anacrônica a decisão da maioria.  O próprio Toffoli fizera anteriormente um pedido extemporâneo de vista de outro processo, o que definia que políticos na linha de substituição do presidente da República não podem ser réus.

Essa decisão já tinha maioria em plenário, mas Toffoli pediu vista e, passadas nove sessões, não devolveu o processo, embora o regimento do STF seja expresso quando diz que o processo deve ser devolvido até a segunda sessão ordinária subseqüente.

Nesse caso, deu certo, pois alguns votos foram reformulados na volta do julgamento, ou explicados melhor, como alguns ministros alegaram, e, por pressão do Congresso, o senador Renan Calheiros saiu da linha de substituição presidencial, mas pode terminar seu mandato sem problemas.

No Supremo já houve casos em que um processo ficou anos sob a guarda de um dos ministros, alguns continuam mofando em gavetas ministeriais, outros, mais recentemente, estão há anos aguardando uma decisão. O ministro Gilmar Mendes levou um ano e cinco meses com um pedido de vista da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, que questionava o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, e só liberou o processo um dia após a Câmara dos Deputados aprovar as doações de empresas a políticos.

O Projeto de Lei 5.735/2013 limitava as contribuições a 2% do faturamento bruto da companhia no ano anterior à eleição até o teto de R$ 20 milhões — medida já prevista pela lei atual. Além disso, os repasses feitos a um mesmo partido não poderiam ultrapassar 0,5% desse faturamento.


No entanto, a maioria dos ministros manteve a interpretação de que o financiamento empresarial é inconstitucional, e ele está proibido até que o Congresso consiga maioria para fazer uma emenda constitucional que o autorize. Mesmo assim, o Supremo pode considerar que não é possível o Congresso autorizar uma inconstitucionalidade. No caso atual, tudo indica que o Congresso assumiu a tarefa para não decidir nada e não deixar o STF decidir. A PEC está em tramitação do Senado para a Câmara há seis meses e não deverá progredir no ano eleitoral.”

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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Estouro da boiada



        
Por Eliane Cantanhêde

Vem aí um grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se vale mesmo a pena disputar a reeleição.

Os advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de cada juiz.

Em tese, um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática.

Antes de pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo na Câmara?

Hoje, há um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião pública.

Note-se que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.

A decisão é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional.

O que move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.

Já era previsto um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes.

Eles foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.

O presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?”

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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

De mal a pior





Por Mary Zaidan

A um ano das eleições gerais, os protagonistas conhecidos na disputa para o Planalto impressionam. Não por ideias, plataformas ou coisa que o valha. Mas pela falta delas. Pela repetição de vícios e modos.
À criatividade zero somam-se a desconexão com o eleitor e mais do mesmo: as mentiras de Lula nos palanques antecipados, portanto ilegais, as brigas fraticidas entre os tucanos e os repetidos atores na terceira via: Marina Silva, Ciro Gomes, Cristovam Buarque.
As novidades ficam por conta de uma aventura embalada por Luciano Huck e do ultradireitista Jair Bolsonaro, que alimenta o sonho de ser o Donald Trump tupiniquim.
Bolsonaro tem surfado no neomilitarismo, que tem lá os seus adeptos, mas que dificilmente arregimentará maioria. E, ainda que com jovens bons de barulho nas redes sociais venha conseguindo angariar apoios, atrai ódio em proporção similar.
Na outra ponta, o ex Lula lidera absoluto. Mas não tem qualquer chance de chegar lá com as tais caravanas que, nas melhores plagas petistas, Nordeste e Minas, reuniram menos gente do que o ex imaginava, e que o PT, a CUT e os demais movimentos ditos populares prometeram.
Escaldado por duas derrotas consecutivas para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno de 1994 e 1998, Lula sabe que tem de ir além do campo à esquerda, que, assim como o da direita de Bolsonaro, tem limite definido. Daí o perdão aos “golpistas”, diga-se, ao PMDB.
Lula foi quem desenhou e firmou a parceria com Michel Temer, ungido vice da pupila Dilma Rousseff. Foi ele quem alinhavou o apoio do PMDB que hoje ocupa com primazia as páginas do noticiário político-policial sem que o PT receba créditos pelo patrocínio da roubalheira geral e, em particular, de Sérgio Cabral e cia.
Pouco importa. Pragmático, Lula quer renovar a aliança com o PMDB.
Por dever de ofício, vai repudiar publicamente Temer, mas já abriu as portas para Renan Calheiros e os seus, para aliados de Eduardo Cunha. Do contrário, teme colaborar para que os votos do centro – a maior faixa da população -- caiam no colo de novidades à la Huck ou dos tucanos, ainda que estes estejam tropeçando no peso de seus bicos.
O PSDB é um caso à parte. Tem especial talento para conspirar contra si, em especial quando as chances de poder se mostram promissoras. Seria a alternativa natural entre candidaturas extremas, mas não consegue lidar nem com as divergências internas, quem dirá com os conflitos cotidianos que um governo exige. Antes das urnas, tem dois dilacerantes confrontos intramuros agendados: a guerra pela presidência da sigla e uma ainda não definida prévia para escolha do candidato ao Planalto.
Enquanto os tucanos se imolam em vez de amolar seus bicos para a disputa de outubro, Bolsonaro mordisca parte do eleitorado do PSDB utilizando o Movimento Brasil Livre e outros do tipo. E Lula tenta alargar sua rede de apoios para além dos fiéis.
Mas está só.
Perdeu para a prisão seus dois mais preciosos auxiliares – José Dirceu, o “capitão do time”, e Antonio Palocci, o homem que dialogou com a classe média e a atraiu para o então chefe. E o rumo, com a morte do ex-ministro e salvador de todas as trapalhadas, Márcio Thomaz Bastos, há exatos três anos. Abandonou muitos companheiros desde o mensalão e hoje inspira mais desconfiança do que crédito.
Em seu favor, o candidato Lula tem o fato de as investigações concentradas no PMDB darem alívio à folha corrida do PT e dele próprio.
Com o PMDB nas páginas nobres da ladroagem, perdeu fôlego a difusão de notícias sobre os desvios petistas. Poucos lembram, por exemplo, que a senadora Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, é ré por corrupção e lavagem de dinheiro.
Lula, com ganhos declarados de R$ 6 mil da bolsa-anistia e R$ 25 mil de pró-labore da sua empresa de palestras, não mais foi cobrado pelos R$ 9 milhões de previdência privada que só vieram à tona depois de o juiz Sérgio Moro pedir o bloqueio da conta. Muito menos dos R$ 21,6 milhões que o Ministério Público Federal quer bloquear.
Nem o mais fundamentalista dos militantes seria capaz de explicar como Lula, o nordestino pobre que virou presidente, amealhou tal fortuna. Superou com folga, em pouquíssimo tempo, a elite dos 172 mil entre os 200 milhões de brasileiros que, segundo o Global Wealth Report 2016, realizado pelo Banco Credit Suisse, têm mais de U$ 1 milhão, R$ 3,4 milhões ao câmbio de hoje. Lula tem.
A fogueira na qual o PMDB arde agora protege a fritura de Lula, que, amanhã, estará azeitado com o mesmo PMDB dos escândalos de hoje.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O preço do populismo




POR MÍRIAM LEITÃO

A Venezuela desce a ladeira há tantos anos que ninguém se surpreendeu pelo fato de três agências de risco terem declarado que o país está em default, e o Brasil ter reclamado junto ao Clube de Paris por não estar recebendo do país vizinho. O populismo, seja de esquerda ou de direita, sempre termina em desastre, que aprisiona o país por anos, como ocorre na Venezuela.

O encontro com a verdade, que o populismo adia com discursos de ódio contra os supostos inimigos, algum dia chega. E na Venezuela tem estado presente há muitos anos, mas agora está num ponto de não retorno. Nesta quinta-feira, os credores reunidos na Isda, uma associação internacional de detentores de títulos, ainda conversarão com o governo, mas a tendência é a de se juntarem às agências Standard&Poors, Moody's e Fitch e também declararem que a Venezuela não paga dívidas. O acordo fechado ontem com a Rússia não ajuda muito. A dívida total do país é de US$ 150 bi, e a parte renegociada é de US$ 3,1 bi. Rosamnis Marcano, da consultoria venezuelana Econometrica, conta que a negociação pouco tem avançado. Os EUA determinaram que credores americanos não devem negociar sem a presença da Assembleia Nacional, controlada pela oposição e que, depois do plebiscito, perdeu poderes.

— É preciso mais que uma revisão da dívida. O normal nesses processos é o devedor apresentar um plano de ajuste que convença os credores sobre a capacidade de pagamento. Mas o governo não apresentou nada capaz de equilibrar as contas — diz.

Um dos pontos de desequilíbrio é o controle de câmbio. Empresas que têm boas relações com o governo conseguem o câmbio super artificial de 10 bolívares por um dólar; no paralelo, a cotação passa de 10.000. As reservas venezuelanas são mínimas, em torno de US$ 10 bi. No Brasil, são de US$ 380 bi.

Caso o default se torne oficial, os credores poderão requisitar as garantias. Isso atingiria em cheio a indústria petroleira, praticamente o único setor em que a Venezuela é competitiva. Os navios da estatal PDVSA em águas internacionais poderão ser tomados. A petroleira também é dona da Citgo, que detém refinarias nos EUA e teve metade das ações colocada em garantia aos empréstimos venezuelanos. A situação é dramática. O default atingiria em cheio a indústria que é responsável por mais de 90% das exportações do país.

A produção de petróleo, intensiva em investimento, já definha. Pelos dados da Opep, em outubro o país extraiu menos de 2 milhões de barris por dia. Há 28 anos a Venezuela não produzia tão pouco. A empresa de petróleo sempre foi ordenhada pelo chavismo e não tem conseguido investir em novos campos. Neste momento em que o petróleo sobe no mercado internacional, o país não é capaz de se aproveitar dos preços porque tem produzido cada vez menos. Até parte da produção futura já foi negociada em contratos de empréstimos, especialmente com os russos. Eles, inclusive, usam esses títulos para negociar com os EUA, driblando o embargo imposto desde o conflito na Ucrânia.

A maior atingida, claro, é a população. Com o petróleo trazendo cada vez menos dinheiro, a crise de abastecimento se agrava. A Venezuela produz pouco, importa até gasolina. A Econometrica divulga um índice de escassez da economia, que hoje está em 50%. A cada dois produtos, um está em falta. No caso dos produtos de higiene, como os desodorantes, a escassez é de 80%. A pior situação é nos medicamentos. Falta desde amoxicilina, para inflamações de garganta, a remédios para o tratamento da Aids, passando pela insulina. Rosamnis conta que na terça-feira havia uma fila de um quarteirão no caminho do seu trabalho. No mercado, havia chegado farinha de milho, também escassa, que os venezuelanos usam para fabricar a arepa, onipresente na dieta local.

Essa mesma farinha eu vi sendo negociada em comércio paralelo no canto de um corredor do Palácio Miraflores, em 2003, quando fui entrevistar Hugo Chávez. O desabastecimento é crônico. O caso da Venezuela tem inúmeras lições sobre o que se deve evitar em qualquer país. Políticas públicas, sejam quais forem, se não tiverem uma base de sustentação fiscal acabam desmontando a economia. O país vive há anos um quadro de recessão, inflação e crise cambial. Foi levado a isso pelo populismo chavista. O longo retrocesso da Venezuela mostra o que não fazer com a economia e a democracia.”

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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A responsabilidade de todos



        
O Estado de S. Paulo

O déficit das contas da Previdência é a tal ponto calamitoso que a necessidade de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que muda as atuais regras para a concessão de pensões e aposentadorias, já está acima do debate político. Trata-se de uma questão de salvação nacional que escapa às nuances político-ideológicas que ora dividem a Nação.

Receosos diante dos supostos desdobramentos eleitorais negativos que o apoio firme a uma medida impopular, porém mandatória, como a reforma da Previdência poderia ocasionar, muitos parlamentares jogam com o tempo sem levar em consideração o risco que eles mesmos estão correndo e, ainda mais grave, que impõem às futuras gerações que dependem da sensatez e da responsabilidade dos que devem tomar decisões hoje.

Ao dar como certo que a oposição à reforma da Previdência pode representar mais votos nas urnas nas eleições de 2018, o que, absolutamente, não é verdade, esse grupo de parlamentares ignora que a responsabilidade de desarmar essa bomba-relógio também recai sobre eles.

Em 2016, o rombo nas contas da União, dos Estados e dos municípios com os gastos previdenciários chegou a R$ 305,4 bilhões. Apenas no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) foi registrado um déficit de R$ 149,7 bilhões no ano passado. Para este ano, estima-se um resultado negativo de R$ 190 bilhões. Caso nada seja feito agora, em 2018 o rombo chegará a R$ 202,2 bilhões, de acordo com os cálculos do Ministério da Fazenda.

A continuar de forma leniente o enfrentamento de tão grave questão nacional, o leitor já deve ter percebido o que acontecerá ao País em 2019, em 2020 e, assim, sucessivamente. Não será o tipo de futuro que desejamos para nossa velhice nem para nossos filhos e netos.

Como já foi defendido em outras oportunidades neste espaço – e assim será tantas vezes quantas forem necessárias –, a reforma da Previdência é uma questão fundamental em torno da qual devem se unir todos os brasileiros sinceramente preocupados com o equilíbrio fiscal do País e, consequentemente, com o futuro de milhões de concidadãos.

Nos regimes democráticos, como o que vige plenamente no País, as convicções político-ideológicas divergentes devem sempre ter livre trânsito no debate público. Entretanto, há momentos em que o imperativo matemático deve servir como fator de união. É esse o caso da aprovação da PEC 287/2016.

Ainda que se possa debater a viabilidade de aprovação imediata de uma ou outra medida do rol de alterações no sistema previdenciário que precisam ser feitas mais cedo ou mais tarde, com algumas delas não se pode mais transigir, como é o caso da fixação de idades mínimas para a aposentadoria de homens e mulheres e a equiparação dos regimes de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos.

Neste sentido, foi oportuna a exortação feita ao Congresso Nacional pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. “A reforma da Previdência é uma responsabilidade de todos, mas principalmente do Parlamento. O governo cumpriu sua parte apresentando a proposta”, disse o ministro em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

A fala do ministro-chefe da Casa Civil ocorreu dias depois de o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrar mais envolvimento pessoal do presidente Michel Temer no trato com as lideranças partidárias na Casa como forma de viabilizar um consenso em torno do teor da nova proposta de reforma da Previdência, como se Temer já não estivesse diretamente envolvido no assunto, escolhido como uma das prioridades de seu governo.

O fato é que a reforma da Previdência, por seu enorme peso no futuro que se pretende para o País, é uma responsabilidade não só dos Poderes Executivo e Legislativo, mas de cada cidadão brasileiro, que deve acompanhar com atenção redobrada o trabalho dos que elegeu para tomar decisões em seu nome.”

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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Em busca da impunidade perdida




Por José Nêumanne

De hoje, aniversário do golpe militar que “proclamou” a República, em diante, a camarilha dirigente dos negócios públicos prosseguirá em seu ingente esforço para ter de volta a impunidade que, na prática, tem gozado, mercê de foro e de outros privilégios acumulados em 118 anos legislando prioritariamente em proveito próprio.

Com a chancela de uma Constituição promulgada pelo Congresso abusado e abusivo, nossa privilegiada casta dirigente se viu imprensada na parede pelo povo, que em 2013 foi às ruas reclamar de seus maus-tratos à sociedade explorada, humilhada e espoliada. No ano seguinte, graças à renovação dos quadros de agentes concursados da Polícia Federal (PF) e de procuradores da República e juízes federais treinados para combater crimes de colarinho-branco, como lavagem de dinheiro, teve início a Operação Lava Jato,

A união de esforços de corporações divididas internamente e rivais entre si – PF e Ministério Público Federal – levou aos juízes de primeiro grau e, em consequência, às celas do inferno prisional tupiniquim, até então exclusivas de pretos, pobres e prostitutas, uma clientela, branca, poderosa econômica e politicamente e abonada (em alguns casos, bilionária). Como nunca antes na História deste país, no dizer do ex-presidente em cuja gestão a total perda de proporções e do mínimo de sensatez produziu o maior escândalo de corrupção da História, ora nos é dado ver os príncipes de grandes firmas corruptoras tomando banho de sol nos pátios das prisões.

O foro privilegiado, que reserva o julgamento de 22 mil (ou 55 mil?) otoridades (em mais um desses absurdos colapsos de estatística a serviço de meliantes de luxo) à leniência do Supremo Tribunal Federal (STF), mantém um placar absurdo de 118 condenados em primeira instância pela Lava Jato contra zero (isso mesmo, zero) apenado no último e mais distante tribunal do Judiciário. Em caso extremo e inédito, o presidente da República só pode ser acusado por delitos cometidos no exercício do cargo.

Com pânico de perder com o mandato os privilégios, a borra política nacional permitiu-se abrir mão de anéis para manter os longos dedos das mãos que afanam. Mas nestes três anos e oito meses de Lava Jato alguns fatos permitiram a seus maganões investir contra essa progressiva redução da impunidade. A chapa vencedora em 2014, Dilma-Temer, foi absolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por excesso de provas. E quando o leniente STF sai um milímetro da curva que interessa aos congressistas, estes logo o reduzem à posição de última defesa de suas prerrogativas de delinquir sem ser perturbados. Até Aécio, derrotado na eleição e guindado ao governo Temer, mantém-se “impávido colosso” no ninho.

Na negociação pelo impeachment da desastrada Dilma, Jucá, o Caju do propinoduto da Odebrecht, definiu “estancar a sangria” como meta de seu grupo, alcunhado pelo ex-procurador-geral Janot de “quadrilhão do PMDB”, para o comparsa Sérgio Machado, cuja delação tem sido contestada. Embora isso esteja sendo confirmado pelas Operações Cadeia Velha e Papiro de Lama, no Rio e em Mato Grosso do Sul, desmascarando os dignitários peemedebistas Picciani e Puccinelli.

Faltam provas, alegam. Mas sobram fatos. Com alguns votos tucanos e todos do Centrão, que defendeu tenazmente Eduardo Cunha, a maioria da Câmara mandou para o lixo investigações contra Temer pedidas por Janot ao STF. O presidente até agora não citou um fato concreto para se defender das acusações de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa, meio ano após ter sido divulgada a gravação de sua conversa com um delinquente que usou identidade falsa para adentrar o palácio. E agora se sente à vontade para trocar na Procuradoria-Geral da República, em causa própria, o desafeto Janot por Raquel Dodge, indicada pelo parceiro de convescotes em palácio Gilmar Mendes, do STF.

Caso similar é o de Fernando Segóvia, cujo currículo fala por si. No Maranhão, tornou-se comensal e afilhado do clã Sarney. E não deve ter sido a atuação de adido na África do Sul que inspirou Padilha a lutar por sua nomeação. Ao assumir, sem o aval do chefe direto, o ministro Jardim, ele prometeu mudanças “paulatinas” na Lava Jato e reconheceu que terá atuação política. Atuação política na chefia da polícia que investiga os políticos? Hã, hã! O velho Esopo diria que se trata do caso da raposa disposta a assumir a segurança do galinheiro. Mas a fábula é antiga!

Enquanto Segóvia, o “tranquilo”, assume o paulatino como pauladas em subordinados e pagantes, o chefe do governo tenta obter a própria superimpunidade por meios sibilinos. Seu advogado Carnelós pediu toda a vênia possível a Fachin para convencê-lo a desistir de encaminhar Cunha, Geddel, Henriquinho, Rodrigo da mochila e Joesley, entre outros, para a primeira instância de Moro e Vallisney. E assim evitar que surjam delitos desconhecidos em seus depoimentos ou delações dos quais o chefe não tomaria conhecimento no gozo de sua indulgência plena com data marcada para terminar: janeiro de 2019.

Na manchete do Estado anteontem, Pauta-bomba no Congresso põe em risco ajuste fiscal, a reportagem de Fernando Nakagawa e Adriana Fernandes, de Brasília, relata o perdão das dívidas dos ruralistas, depois da dispensa de multas e pagamentos de parlamentares empresários, seus sócios e compadres em outro Refis amigo. E, segundo o texto, a Lei Kandir será alterada. Sem despesas, mas com graves danos ao combate à corrupção, vêm, depois deste feriado, a lei do abuso de autoridade e a redução das punições da Ficha Limpa, só para quem a tiver violado após sua vigência. Rogai por nós!

Na adaptação da obra-prima de Proust, Em Busca do Tempo Perdido, a memória não tem o olor das madeleines, mas dos miasmas de uma República apodrecida, convenientemente distante do Brasil real, que não a suporta mais.”

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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

O PMDB do B




POR MERVAL PEREIRA

Interessante a estratégia do grupo do senador Aécio Neves para não caracterizar a saída de Bruno Araujo do ministério de Temer como um protesto. Ele se antecipou a seus colegas, e foi anunciado que coordenará a campanha do governador Marconi Perillo à presidência do partido.

Ao mesmo tempo, abre caminho para uma reorganização ministerial, deixando Temer com o cobiçado ministério das Cidades livre para negociações. Com a decisão do governador de Goiás de não aceitar uma candidatura de consenso para a presidência do PSDB, insistindo em permanecer na disputa, fica claro que a candidatura do governador paulista à presidência da República não é consensual.

A disputa pela presidência do partido será um divisor de águas, e se o grupo do senador Aécio Neves demonstrar que ainda controla as bases partidárias, provavelmente, aliado ao governo Temer, apresentará outro candidato, que poderá ser o prefeito João Dória ou o próprio Perillo, que há muito tem o sonho de se candidatar à presidência da República.

Ou se aliar a uma candidatura que represente uma eventual retomada econômica, como a do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, filiado ao PSD de Kassab. Que, aliás, poderia apoiar também seu velho aliado, o senador José Serra, que pretende disputar o governo de São Paulo.

O centro da disputa passou a ser o futuro do PSDB visto pelas lentes do grupo do senador Aécio Neves, que já anunciou que pretende se candidatar a um cargo majoritário nas próximas eleições, governador de Minas ou senador.

Mesmo tendo o controle da maior base eleitoral do partido, o governador Geraldo Alckmin não tem influência importante nas demais máquinas estaduais, o que aparentemente o senador Aécio Neves mantém, apesar dos percalços por que vem passando. Se a opção desse grupo for mesmo por um candidato paulista como Dória em oposição a Alckmin, não restará ao governador outra saída que ir para o PSB, uma alternativa que estava em cogitação já desde que escolheu Marcio França para seu vice.

O PSB ganhará de qualquer maneira um governador de São Paulo, em troca de apoio a Alckmin numa coligação ou, no limite extremo, lançando-o à presidência da República. A montagem prevista por Fernando Henrique, com a indicação de Alckmin como candidato de consenso à presidência do PSDB, levaria a uma decisão antecipada do candidato do partido à presidência, e a um ambiente mais pacificado.

A resistência até o momento de Marconi Perillo, e agora o anúncio de que a saída de Bruno Araujo não significa o início da debandada tucana, mas o reforço de uma candidatura a presidente do PSDB com o apoio do Palácio do Planalto, demonstra que a estratégia do grupo de Aécio Neves é mais ampla.

Controlando o partido no ano da eleição, esse grupo poderá impor as soluções que lhe convierem. A destituição do presidente interino, senador Tasso Jereissati, combinada com o próprio presidente Michel Temer, faz parte de um acordo que certamente coloca o PMDB mais uma vez em uma coligação eleitoral que, se será prejudicada pela baixa popularidade governista e pela imagem fisiológica do partido, terá recompensas com o tempo de televisão e a máquina governamental.

Além da esperança de que a economia estará em melhores condições em 2018, beneficiando os aliados do governo. Resta saber se os mecanismos da velha política ainda serão úteis em um país que está polarizado entre posições radicalizadas à esquerda e à direita, e ansiando pelo novo, que tenta surgir, apesar do ambiente adverso.

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra, transformando-se numa espécie de PMDB do B.”

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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

As boas almas e a política




Por Denis Lerrer Rosenfield

Reconheça-se, preliminarmente, um fato incontornável: todo presidente governa com o Parlamento que tem à mão. Não é de escolha presidencial tal ou qual Câmara dos Deputados ou Senado. É o povo que escolhe os seus representantes.

O presidente da República, este ou qualquer outro, depara-se com um Poder Legislativo constituído segundo a soberania popular, conforme um ritual constitucional que passa por eleições, debates públicos, organizações partidárias, imprensa e outros meios de comunicação livres. Se o povo escolhe “bons” ou “maus” deputados, comprometidos ou não com ilícitos, é problema seu essa sua escolha, e não do presidente.

Quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer viu-se obrigado a formar uma base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, conforme as relações partidárias existentes. Não poderia ter inventado um novo Poder Legislativo, salvo se tivesse enveredado por uma solução autoritária, o que, evidentemente, não fazia parte de seus propósitos. Tratava-se de estabelecer as condições de governabilidade e, mais do que isso, de levar adiante um ambicioso programa de reformas.

E para realizar esse programa lhe era necessário compor uma ampla base parlamentar, sem a qual qualquer projeto seria inviável. É bem verdade que deveria ter tido mais cuidado na escolha de seu Ministério, uma vez que vários de seus ministros foram obrigados a deixar o cargo por envolvimento em ilícitos. O problema político, porém, tem outro viés que merece ser destacado.

O presidente negociou um projeto de reformas, que será, certamente, reconhecido historicamente. Em pouco tempo muito foi feito, a começar pelo teto dos gastos públicos, a terceirização, a modernização da legislação trabalhista, a reforma do ensino médio, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), além de continuar avançando na aprovação da reforma da Previdência. A inflação despencou, o produto interno bruto (PIB) voltou a crescer e a retomada dos empregos toma um curso definitivamente ascendente.

O PMDB, ainda antes da ascensão de Temer ao poder, via Fundação Ulysses Guimarães, elaborou um programa, a Ponte para o Futuro, que estabelecia os fundamentos de uma reforma do Estado e da economia, sem desatentar para os seus fatores sociais. Poucos acreditaram, porém o resultado foi a sua implementação pelo novo governo. Assim fazendo, muitos dos programas de corte liberal foram concretizados, deixando partidos que anteriormente os defendiam sem bandeiras.

Causou surpresa que o presidente Temer tenha tido a ousadia de levar adiante tão amplo processo de reformas, sem contar com base popular para isso. Talvez a questão devesse ser colocada de outra maneira. Ele pôde realizar esse conjunto de reformas precisamente por não contar com tal apoio popular e por visar o futuro do Brasil, e não as próximas eleições.

Mais concretamente, teria sido muito difícil realizar esse conjunto de reformas contando com a participação popular, visto que ela foi intoxicada pelos 13 anos e meio de lulopetismo. Muito foi prometido e feito tendo como condição o completo descuido com as finanças públicas. A corrupção tomou conta do aparelho do Estado e o Brasil quase foi à falência. Eis a herança maldita recebida. E, no entanto, os eleitores acreditaram que fosse possível continuar o distributivismo social, sem criar condições para o aumento da riqueza. O Estado, além de saqueado, foi exaurido.

Restava ao presidente a colaboração do Senado e da Câmara dos Deputados. Estabeleceu uma forma de governar baseada na participação parlamentar e partidária. Nenhum governo nos últimos tempos enveredara por esse caminho. Alguns chegaram a dizer que Temer o fez ao preço da liberação de emendas parlamentares, quando estas são, desde o governo Dilma Rousseff, obrigatórias, não estando ao arbítrio do presidente impedir a sua liberação. Todos os partidos tiveram e terão emendas liberadas, independentemente de serem ou não da situação.

O que se coloca, portanto, como questão é a articulação do presidente com os parlamentares e os partidos. E Michel Temer é exímio articulador, tendo surpreendido os que procuraram derrubá-lo, mormente por intermédio do ex-procurador-geral da República. Demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda iminente durante meses e semanas, sem que nada tenha acontecido.

Temos, então, o que pode parecer como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de reformas, utilizando-se dos velhos instrumentos da política, contando com baixíssima popularidade. O que para alguns parecia impossível simplesmente se tornou real.

E note-se que o governo, em seu ímpeto reformista, não hesitou sequer em minar alguns dos fundamentos dessa mesma política, como quando o governo enveredou por um corajoso processo de reformas mediante concessões e privatizações, como, agora, a da Eletrobrás. O PPI, conduzido pelo ministro Moreira Franco, não é somente um projeto de ajuste fiscal, como alguns têm noticiado, mas de reforma do Estado, tirando empresas da barganha política e concedendo-as a parcerias e privatizações. Serão menos no futuro os cargos que serão objeto de negociação partidária.

A questão, assim posta, diz respeito não apenas ao governo Temer, mas a qualquer governo. O discurso das boas almas defronta-se com o problema concreto de como governar. O próximo governo, qualquer que seja o vencedor em 2018, deverá confrontar-se com uma Câmara dos Deputados e um Senado eleitos pelo voto popular, claro, e a nova representação política poderá ser melhor ou pior do que a atual. Ou seja, o novo presidente terá igualmente de contar com parlamentares não escolhidos por ele.

Eis o desafio. Quem erguerá a bandeira de dar prosseguimento ao atual projeto de reformas, não havendo outro que possa assegurar o futuro do País, salvo se o povo optar pelo retrocesso?”

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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O declínio da esquerda





Por Ruy Fabiano

PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.

Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.

Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.

FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.

O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.

Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.

Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.

Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.

Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.

Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.

Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.

Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.

Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.

Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.

As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.

O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.

O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.”

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sexta-feira, 10 de novembro de 2017

No precipício




POR MERVAL PEREIRA

O PMDB é um fator decisivo na vida do PSDB, desde sua fundação em junho de 1988, fruto justamente de uma dissidência do PMDB, à época dominado por Orestes Quércia, governador de São Paulo, o principal expoente da ala fisiológica do partido, até o momento da implosão atual, que tem justamente no fisiologismo peemedebista sua razão mais explícita.

Os tucanos hoje se encontram presos a uma contradição de sua própria história, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o  PMDB, envolvido, como quase sempre, em acusações de corrupção e fisiologismo político, depois de ter vivido uma história de resistência e luta contra a ditadura em que políticos como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves davam o tom do partido.

Com a indecisão característica de um partido que só encontra posição majoritária quando um fato consumado se apresenta, o PSDB perdeu o “timing” de sair do governo, e pode morrer afogado, não com Temer, como se temia, mas por Temer e sua aliança de bastidores com o grupo do senador Aécio Neves, os dois pensando apenas em salvarem as próprias peles.

O interessante nessa situação atual é que o senador Aécio Neves, quando armava sua candidatura à presidência da República, mesmo antes de 2014, se recusava a projetar alianças com o PMDB justamente para se livrar da imagem fisiológica do partido. Queria assumir uma posição mais social-democrata, a mesma que hoje o senador Tasso Jereissati pretende preservar.

O PSDB, aliás, foi salvo de aderir a outro governo tóxico na época de Collor, que convidou seus principais líderes para seu ministério. A adesão, como agora, enfeitiçava uma ala do partido, mas a ação decidida de alguns, principalmente do Mário Covas, ex-candidato à presidência contra Collor, estancou essa possibilidade.
Desta vez a decisão correta de apoiar o governo legítimo de Michel Temer, que substituía a presidente Dilna Rousseff por ter sido escolhido vice-presidente pelo próprio PT, terminou sua validade no dia em que a gravação da conversa de Temer com Joesley Batista veio à tona, tirando completamente a legitimidade de seu governo.

Com a disputa interna para ficar no governo, liderada pelo senador Aécio Neves que, como disse o senador Tasso Jereissati está “      agarrado ao cargo” sem pensar na coletividade, mas em seus interesses pessoais, o partido perde o significado, a identidade e a razão de ser, como já escrevi aqui. Qual é o projeto do partido hoje? Ficar no governo? Ter um bom candidato para 2018?

Essas angústias racham o partido, e o último lance dessa divisão profunda foi a escolha seguida de dois deputados ligados ao grupo de Aécio Neves para serem relatores dos dois processos contra Temer, garantindo o apoio institucional do partido ao presidente, mas não a maioria dos votos.

As digitais do senador Aécio Neves, presidente afastado do PSDB, podem ser encontradas nessa manobra política que desmoralizou a posição majoritária no partido de abandonar o governo Temer.

Majoritária mas não decisiva. O senador Jereissati tem o apoio da maioria dos caciques e ganhou a simpatia dos chamados “cabeças pretas”, os jovens parlamentares e prefeitos que querem decisões mais agudas, como a saída do governo, como defendia o presidente interino.

A pressão para que o partido decida logo sua nova direção e parta para uma posição de autonomia diante do governo Temer, apoiando as reformas, mas não com cargos no governo, permanece na disputa pela presidência do PSDB em dezembro.
Tudo indica, porém, que o partido está ferido de morte e, pior do que da primeira vez em 1988, os dissidentes não têm para onde correr, pois não há tempo para criar um novo partido e nem parece à disposição uma legenda para abrigá-los até abril, data limite para os que quiserem se candidatar a algum cargo em 2018.

É previsível que as lideranças partidárias que se colocaram contra o senador Aécio Neves, se não tiverem força interna para derrotá-lo, se dispersarão no apoio às várias candidaturas já colocadas ou a serem colocadas. Mesmo com uma capilaridade grande pelo país, e uma força grande em São Paulo, o PSDB não terá condições de sobreviver politicamente a esse revés.”

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quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A miséria da contracultura




Por Flávio Rocha

Se o sustento de Karl Marx (1818-1883) dependesse de sua capacidade profética, o velho comunista teria tido o mesmo destino que imaginou para o proletariado: a morte pela fome provocada pela ganância do capitalismo. Para sua sorte, no entanto, o adiposo alemão tinha lá os seus esquemas pouco ortodoxos para financiar sua vida em Londres e não dependia de eventuais acertos decorrentes de sua míope visão do mundo.

O fato é que o proletariado não morreria de fome, a não ser nos gulags siberianos para onde os bolcheviques despachavam os opositores da ditadura soviética. Ou, ainda hoje, nas franjas das sociedades industrializadas, onde prolifera o lumpesinato arredio à inserção.

É nesse universo moralmente desolador, aliás, que o comunismo busca adesões atualmente. No Brasil, com o proletariado cooptado pelas virtudes do mercado, foi o que sobrou como massa de manobra: uma cracolândia numa área deteriorada de uma metrópole, uma ocupação ilegal do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A miséria tornou-se a matéria-prima da revolução comunista.

Fora dessas ilhas marcadas pela degradação, a realidade simplesmente ignorou as projeções marxistas. Os trabalhadores braçais, explorados nos primórdios da revolução industrial, passariam a ter acesso à prosperidade material proporcionada pelo capitalismo. E não se tratou de uma melhoria qualquer, mas do maior e mais rápido avanço de que se tem notícia em milênios da História da humanidade.

Tal prosperidade, como costuma acontecer, proporcionou conquistas imateriais nada desprezíveis. O trabalhador não apenas passou a ter acesso a bens de consumo, mas também obteve melhor educação para seus descendentes, o que, por sua vez, acionou o instrumento da mobilidade social – outra vantagem do capitalismo, um sonho que o comunismo não pode oferecer.

Atualmente, no Brasil, o proletariado não quer apenas comprar uma máquina de lavar ou uma geladeira nova. Quer também ampliar seu horizonte de conhecimentos e, sobretudo, deseja que seus filhos tenham um diploma que lhes garanta um futuro melhor.

O surpreendente (para os esquerdistas em geral) desfecho da bem-sucedida aventura capitalista tirou o discurso dos revolucionários de plantão. Ora, se o capitalismo não é o algoz preconizado por Marx, como convencer o proletariado a se insurgir contra ele?

Foi da incoerência presumida nessa questão que surgiu, em meados do século 20, a chamada Escola de Frankfurt, reunindo intelectuais de esquerda dispostos a fazer uma releitura, por assim dizer, da catequese marxista. A ideia era minar as forças inimigas pelos flancos vulneráveis, e não mais atacar frontalmente o regime vitorioso, uma vez que dele se beneficiava a classe social que deveria combatê-lo.

Um dos principais líderes da Escola de Frankfurt foi Herbert Marcuse (1898-1979), que fez uma revisão da prática marxista ao identificar justamente na triste e periférica figura do lúmpen a bala do canhão a ser disparada contra o que se chamava de “sistema”. A cartilha frankfurtiana propõe também a estratégia mais sutil de arrostar os valores tradicionais da civilização ocidental, um patrimônio baseado na herança cultural do racionalismo grego, do Direito Romano e da moral judaico-cristã. Como o capitalismo está assentado sobre esses três pilares, corroê-los seria a nova lógica revolucionária.

Marcuse faz dobradinha com o italiano Antonio Gramsci (1891-1937), de quem já tive a oportunidade de falar recentemente em outro espaço. Ambos engendraram esse marxismo cultural, que é mais perigoso do que o anterior, porque dissimulado. Seus próceres glorificam o conceito de contracultura, que espertamente canaliza insatisfações dispersas e heterogêneas, associando-as de maneira vaga em oposição à sociedade capitalista.

É perigoso porque o solapador dos valores da nossa civilização não está metido num metafórico uniforme do Exército Vermelho. Ao contrário, ele é invisível em sua indumentária civil, agindo dentro das instituições que pretende destruir, onde prepara atalhos para a revolução comunista.

Aos que escutam em meu alerta ecos de alguma improvável teoria conspiratória, sugiro que prestem atenção ao sentido mais amplo de diversas manifestações que procuram corromper valores inestimáveis, como a própria liberdade.

Entre os mais suscetíveis dessa guerra ideológica estão os jovens, ainda carentes de um repertório de referências históricas e filosóficas que lhes permita enfrentar a perniciosa influência dos falsos humanistas. Frequentemente a própria escola se torna um campo de batalha minado pelo ideário nada ingênuo do politicamente correto.

Será que uma educação sexual proselitista da multiplicidade de gêneros é mais importante do que a Matemática? Impregnar na tabula rasa da mente infantil que o capitalismo é uma ameaça inerente à natureza é razoável? Devemos aceitar passivamente que nossos filhos sejam expostos a essa perspectiva simplória, maniqueísta e, sobretudo, errada? São perguntas que nos devemos fazer, se prezamos a democracia, o regime em que o capitalismo encontra as melhores condições para vicejar – e vice-versa.

O ensino é um front importante, sim, mas não é o único. Na imprensa, o contrabando de ilusões socialistas é igualmente notório. Na Justiça, não faltam casos em que o criminoso é vitimizado, numa afronta aos princípios do Direito Romano. Na TV, a novela de sucesso relativiza a importância da família. Entre artistas conceituados, conta ponto apresentar-se em acampamentos do MTST. Enfim, são muitos os agentes do marxismo cultural, suas digitais indefectíveis estão espalhadas pelos diversos aparelhos de formação intelectual.

Nos tempos de Marx, os comunistas só queriam os bens dos capitalistas. Hoje lhes querem também a alma.”

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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Os perigos de outsiders




Por Gaudêncio Torquato

O ser humano só atinge sua essência dentro da comunidade política, hoje entendida como o Estado. E sua missão, como cidadão e animal cívico, é o de poder interferir na vida do Estado para alcançar o bem comum, não sendo suficiente, portanto, bastar-se a si mesmo. Essa é a inclinação natural que conduz os homens a conviver em sociedade.

Sob essa arquitetura aristotélica, qualquer cidadão pode ser chamado para servir à polis (O Estado), donde se infere que a política não é um compartimento reservado a uns poucos. Ou, em outros termos, a política não se esconde em quatro paredes. Não tem margens.

Dito isto, analisemos os fenômenos políticos de nosso cotidiano, a partir das questões que beiram às margens do absurdo: Luciano Huck, o jovem empresário e animador do Caldeirão do Huck, programa semanal de uma rede de TV, poderia ser candidato e se eleger presidente da República? Nessa mesma vertente, poderiam concorrer figuras como Silvio Santos, Edir Macedo, Roberto Carlos, Pelé, Faustão e, por que não (?), Gisele Bundchen?

Os nomes citados compõem uma galeria das mais influentes e conhecidas personalidades brasileiras. São os outsiders (perfis fora da política). Huck, aliás, já manifestou apoio a uma campanha de renovação da política, para a qual investirá esforços e recursos, também escrevendo artigos para jornais.

A eleição de um outsider não é coisa muito fora de propósito no contexto da política pós-sociedade industrial, onde se amontoam as mazelas que corroem as democracias, como a desideologização, o declínio dos partidos, o declínio dos parlamentos, o declínio das oposições, a personalização do poder, a ascensão das tecno-estruturas e o aparecimento de novos circuitos de representação, como associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de toda a ordem.

O deslocamento da política tradicional para outros espaços é uma realidade aqui e alhures. Aqui, esse fenômeno ganha impulso sob o clima de degradação da política, foco da mais aguda crise vivida pelo país na contemporaneidade. Os índices de pesquisas exibem protagonistas de todos os quilates e cores mergulhados em imenso lamaçal.

Cacareco

Portanto, o momento e as circunstâncias induzem a comportamentos inusuais da base política, do tipo eleição de um Cacareco. Lembremos: em 1959, com a morte de Getúlio Vargas, sob o governo de Adhemar de Barros, em São Paulo, o eleitorado estava indignado contra os vereadores da Câmara Municipal. Na campanha, apareceu o rinoceronte Cacareco, na verdade uma fêmea, vinda do Rio emprestada para abrilhantar a inauguração do Zoológico de São Paulo.

O empréstimo era por seis meses. Passado o tempo, os paulistanos fizeram um movimento para que o animal, de 230 quilos, aqui ficasse. Decidiu-se pela candidatura de Cacareco a vereador, com o slogan: “vale quanto pesa”. Um matreiro candidato saiu à rua carregando uma onça, apostando no slogan: “eleitor inteligente vota no amigo da onça”.

Na época o voto era num pedaço de papel que o eleitor colocava em envelope recebido do mesário. Gráficas imprimiram milhares de cédulas com o nome do bicho. Cacareco recebeu 100 mil votos, quando o candidato mais votado naquele ano não ultrapassou 110 mil votos.

O partido que elegeu a maior bancada obteve 95 mil. Infelizmente, Cacareco não pode comemorar. Foi devolvido ao zoológico do Rio, vindo a morrer poucos anos depois, antes de completar 10 anos. (O coração não resistiu a tanta emoção). A revista Time acabou dando ênfase à frase de um eleitor: “é melhor eleger um rinoceronte do que um asno”.

Não é que, em 2018, há muito eleitor querendo votar em Cacarecos?

Outra opção é a busca de perfis que encarnem a lei, a ordem, a disciplina, a postura militar. Bolsonaro entra nesse figurino. Outra banda, saturada dos velhos costumes políticos, volta-se na direção de perfis que encarnem assepsia, limpeza, inovação, gestão. João Doria ganhou a Prefeitura de São Paulo com essa vestimenta.

Por falta de lideranças novas, o eleitorado tende a buscar candidaturas nas bandas dos comunicadores de massa ou do futebol, pessoas que possuem grande visibilidade em atividades de entretenimento. Aqui entram Huck, Silvio Santos (que já acenou com uma candidatura presidencial no passado) e outros. Teriam chance?

Os riscos

Em tese, sim. A revolta do eleitorado se faz ver na frase que é comum em todos os rincões: “todo político é ladrão”. Infelizmente, o país corre esse risco.

Que o levaria a uma crise de proporções inimagináveis, porquanto um Luciano Huck ou outra celebridade do mundo do espetáculo não teria condição de “pôr o guizo no gato”, ou seja, de administrar a complexidade do nosso sistema político: 35 partidos, sistema bicameral com duas casas congressuais, presidencialismo de coalizão etc.

Teria de se submeter ao DNA de uma cultura política, cujas raízes estão fincadas nas roças do fisiologismo, do nepotismo, do grupismo, do coronelismo. Nem Marina Silva, com sua roupagem ética, ou mesmo Ciro Gomes, usando sua metralhadora expressiva, resistiriam ao poder de mando dos nossos representantes, 513 na Câmara e 81 no Senado.

Portanto, não devemos pensar que nomes fora da política terão condições de administrar um país com uma crise política crônica como a nossa. O que os perfis com oxigênio da inovação podem fazer é colaborar para a renovação das frentes políticas nas três instâncias federativas.

O país estaria na beira do abismo ante a hipótese de eleger um perfil radical, seja de direita ou de esquerda, e ainda se decidisse por um quadro do mundo do espetáculo. Imaginar que Silvio Santos poderia reabrir a porta da esperança seria não um sonho, mas um pesadelo. Infelizmente, a moldura política começa a exibir sinais da carcomida polarização que cindiu nos últimos 15 anos a sociedade brasileira entre “nós e eles”, “bons e maus”, apartheid originado na era PT. Será que veremos novamente Lula em palanques prometendo mundos e fundos?

Os próximos tempos serão reveladores. Se a economia sair do fundo do poço, como dá sinais de ocorrer, podemos esperar a escolha de um figurante do centro, capaz de puxar alas da direita e da esquerda. Esta é a aposta deste consultor.”

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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Corrupção e democracia




POR MERVAL PEREIRA

“O que coloca em perigo a sociedade não é a corrupção de alguns, é o relaxamento de todos”. A frase do pensador político e historiador francês do século 19 Alexis de Tocqueville, criador da definição de social democracia na análise das democracias ocidentais modernas, nunca esteve tão em voga quanto hoje, e não apenas na América Latina, que pela primeira vez nos últimos 22 anos colocou o problema da corrupção como o mais importante, segundo a pesquisa do Latinobarômetro divulgada ontem.

ONG sediada no Chile, que faz pesquisas regularmente sobre valores e opiniões na América Latina, o Latinobarômetro, em pesquisa que já comentei aqui na coluna, já havia detectado que a confiança na democracia está em declínio na região desde  1995. Comparados com outros consultados em países da América Latina, os brasileiros são os segundos menos dispostos a apoiar a democracia.

Há pesquisas que mostram que a democracia era um valor muito mais respeitado entre as gerações mais velhas, ao passo que na dos millenials, os que chegaram à fase adulta na virada do século 20 para o 21, apenas 30% nos Estados Unidos consideram que a democracia é um valor absoluto.

O mesmo fenômeno é constatado na Europa, em números mais moderados. Um estudo mostra que em 2016, o apoio dos brasileiros à democracia caiu 22 pontos percentuais. Não apenas o apoio saiu de 54% em 2015 para 32%, como 55% dos brasileiros se disseram dispostos a aceitar um governo não democrático desde que os problemas sejam resolvidos.

Agora, pela primeira vez a pesquisa Latinobarômetro mostra que a corrupção é a principal preocupação do Brasil, onde cerca de 31% dos cidadãos a consideram o principal problema nacional. Envolvendo 18 países latino-americanos, a pesquisa mostra que o Brasil não está sozinho. Há dez anos, a corrupção sequer aparecia com dados significativos, e hoje está presente e com peso em quase dez países do continente, segundo os coordenadores da pesquisa.

A conclusão é que a democracia latino-americana está em crise, e uma das principais razões é o descrédito dos sistemas políticos, dos partidos, das lideranças. O Latinobarômetro mostra que 70% dos cidadãos da região criticaram seus governos por pensarem apenas em seus interesses individuais e não no bem comum, sendo que no Brasil, esse percentual alcançou 97%.

Não é por acaso, portanto, que a questão da corrupção, a partir do caso brasileiro, tenha se espraiado pela América Latina, já que o esquema montado pelo PT nos governos Lula e Dilma exportou para diversos países chamados “bolivarianos” o mesmo sistema de compra de apoio político com o apoio da empreiteira Odebrecht.

Esse sistema de corrupção que agora está sendo desvelado, corroeu os frágeis sistemas democráticos em diversos países da região e fez com que a descrença na democracia representativa aumentasse nos últimos anos.

 O surgimento do “capitalismo de Estado” fez com que a relação direta entre democracia e capitalismo já não seja mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado. Ela está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não democráticos, como a China, e também pela desigualdade econômica exacerbada em países como o nosso.

Um novo estudo do World Wealth and Income Database, dirigido pelo economista francês Thomas Piketty também já citado anteriormente na coluna, mostra a “extrema e persistente desigualdade” do Brasil, o que serve para desacreditar a eficácia do capitalismo em países em desenvolvimento como o nosso.

Uma comparação entre Brasil, Estados Unidos, China e África do Sul mostra pelo menos 8% de diferença na parte nas mãos do 1% mais rico. No Brasil, a renda desses corresponde a 28%, enquanto na China é de 14%. Crise econômica, desmoralização da classe política pela prática sistemática da corrupção, e violência urbana são ingredientes que se misturam para desacreditar a democracia representativa.

É nesse ambiente negativo que o Brasil entra agora no ano eleitoral.”

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