POR MERVAL PEREIRA
Chama-se tecnicamente “pedido de
vista obstrutivo” o que o ministro Dias Toffoli fez ontem no julgamento do
Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a restrição ao foro privilegiado dos
parlamentares federais. Seguindo um roteiro previamente organizado, depois de
encontro com o presidente Michel Temer fora da agenda, Toffoli impediu que a
decisão majoritária do plenário do Supremo se materializasse. Nesse caso, ele
ganhou de 1 a 7, como se a Seleção brasileira pudesse reverter o resultado do
jogo contra a Alemanha na Copa do Mundo pedindo vista.
A votação já estava 6 a 1 quando
Toffoli pediu vista, alegando que o
Congresso estava tratando do assunto com a tramitação de uma proposta de emenda
constitucional (PEC). O ministro Celso de Mello adiantou seu voto mesmo assim,
ampliando o placar para 7 a 1. O mais grave é que esse comportamento tem sido
recorrente, colocando ministros do Supremo como partícipes do jogo político.
O ministro Sepulveda Pertence,
hoje aposentado, criticava esse recurso à obstrução, alegando que ele atende a
uma lógica parlamentar que não deveria ser utilizada numa Corte Judiciária. A
idéia de que temos 11 Supremos, lançada em estudos da Faculdade de Direito da
Fundação Getulio Vargas do Rio, fica reforçada cada vez que um ministro resolve
assumir sozinho uma decisão, mesmo depois que o colegiado já se manifestou
majoritariamente sobre o tema.
Muito pior é quando um ministro
toma uma decisão alegando que a questão não está resolvida pelo plenário. Foi o
caso de Ricardo Lewandowski, que devolveu à Procuradoria-Geral da República os
termos do acordo de delação premiada de Renato Pereira, marqueteiro do
ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
O Supremo já havia decidido que
não cabe ao relator questionar os termos do acordo do Ministério Público na
homologação, mas apenas verificar seus aspectos formais. O questionamento deve
ser feito no final do processo, à luz da eficácia do acordo. Não obstante,
Lewandowski devolveu o acordo, questionando diversos aspectos dele, e foi
apoiado publicamente pelo ministro Gilmar Mendes, que alega que não houve uma
definição do Supremo sobre o caso. Ele diz, ironicamente, que nem mesmo o
ministro Facchin sabe o que foi decidido naquele julgamento.
O fato, a corroborar o que Gilmar
Mendes diz, é que ninguém questionou a atitude de Lewandowski. É diferente da
decisão de ministros que, sorteados relatores de um recurso contra a prisão
depois da segunda instância, soltam os réus porque são contra a decisão do
plenário. Nesse caso, como o que houve foi uma permissão para, a critério do
Juiz, prender o condenado em segunda instância, é perfeitamente normal que um
Juiz que considere que só depois do trânsito em julgado é possível prender
alguém não autorize a prisão.
O pedido obstrutivo tem mais uma
característica: o ministro, para atingir seu objetivo, fica com o processo
vários meses, na tentativa de tornar inútil ou anacrônica a decisão da
maioria. O próprio Toffoli fizera
anteriormente um pedido extemporâneo de vista de outro processo, o que definia
que políticos na linha de substituição do presidente da República não podem ser
réus.
Essa decisão já tinha maioria em
plenário, mas Toffoli pediu vista e, passadas nove sessões, não devolveu o
processo, embora o regimento do STF seja expresso quando diz que o processo
deve ser devolvido até a segunda sessão ordinária subseqüente.
Nesse caso, deu certo, pois
alguns votos foram reformulados na volta do julgamento, ou explicados melhor,
como alguns ministros alegaram, e, por pressão do Congresso, o senador Renan
Calheiros saiu da linha de substituição presidencial, mas pode terminar seu
mandato sem problemas.
No Supremo já houve casos em que
um processo ficou anos sob a guarda de um dos ministros, alguns continuam
mofando em gavetas ministeriais, outros, mais recentemente, estão há anos
aguardando uma decisão. O ministro Gilmar Mendes levou um ano e cinco meses com
um pedido de vista da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, que
questionava o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, e só liberou o
processo um dia após a Câmara dos Deputados aprovar as doações de empresas a
políticos.
O Projeto de Lei 5.735/2013
limitava as contribuições a 2% do faturamento bruto da companhia no ano
anterior à eleição até o teto de R$ 20 milhões — medida já prevista pela lei
atual. Além disso, os repasses feitos a um mesmo partido não poderiam ultrapassar
0,5% desse faturamento.
No entanto, a maioria dos
ministros manteve a interpretação de que o financiamento empresarial é
inconstitucional, e ele está proibido até que o Congresso consiga maioria para
fazer uma emenda constitucional que o autorize. Mesmo assim, o Supremo pode
considerar que não é possível o Congresso autorizar uma inconstitucionalidade.
No caso atual, tudo indica que o Congresso assumiu a tarefa para não decidir
nada e não deixar o STF decidir. A PEC está em tramitação do Senado para a Câmara
há seis meses e não deverá progredir no ano eleitoral.”
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