Por Denis Lerrer Rosenfield
Reconheça-se, preliminarmente, um
fato incontornável: todo presidente governa com o Parlamento que tem à mão. Não
é de escolha presidencial tal ou qual Câmara dos Deputados ou Senado. É o povo
que escolhe os seus representantes.
O presidente da República, este
ou qualquer outro, depara-se com um Poder Legislativo constituído segundo a
soberania popular, conforme um ritual constitucional que passa por eleições,
debates públicos, organizações partidárias, imprensa e outros meios de
comunicação livres. Se o povo escolhe “bons” ou “maus” deputados, comprometidos
ou não com ilícitos, é problema seu essa sua escolha, e não do presidente.
Quando assumiu a Presidência da
República, Michel Temer viu-se obrigado a formar uma base de apoio na Câmara
dos Deputados e no Senado, conforme as relações partidárias existentes. Não
poderia ter inventado um novo Poder Legislativo, salvo se tivesse enveredado
por uma solução autoritária, o que, evidentemente, não fazia parte de seus
propósitos. Tratava-se de estabelecer as condições de governabilidade e, mais
do que isso, de levar adiante um ambicioso programa de reformas.
E para realizar esse programa lhe
era necessário compor uma ampla base parlamentar, sem a qual qualquer projeto
seria inviável. É bem verdade que deveria ter tido mais cuidado na escolha de
seu Ministério, uma vez que vários de seus ministros foram obrigados a deixar o
cargo por envolvimento em ilícitos. O problema político, porém, tem outro viés
que merece ser destacado.
O presidente negociou um projeto
de reformas, que será, certamente, reconhecido historicamente. Em pouco tempo
muito foi feito, a começar pelo teto dos gastos públicos, a terceirização, a
modernização da legislação trabalhista, a reforma do ensino médio, o Programa
de Parcerias de Investimentos (PPI), além de continuar avançando na aprovação
da reforma da Previdência. A inflação despencou, o produto interno bruto (PIB)
voltou a crescer e a retomada dos empregos toma um curso definitivamente
ascendente.
O PMDB, ainda antes da ascensão
de Temer ao poder, via Fundação Ulysses Guimarães, elaborou um programa, a
Ponte para o Futuro, que estabelecia os fundamentos de uma reforma do Estado e
da economia, sem desatentar para os seus fatores sociais. Poucos acreditaram,
porém o resultado foi a sua implementação pelo novo governo. Assim fazendo,
muitos dos programas de corte liberal foram concretizados, deixando partidos
que anteriormente os defendiam sem bandeiras.
Causou surpresa que o presidente
Temer tenha tido a ousadia de levar adiante tão amplo processo de reformas, sem
contar com base popular para isso. Talvez a questão devesse ser colocada de
outra maneira. Ele pôde realizar esse conjunto de reformas precisamente por não
contar com tal apoio popular e por visar o futuro do Brasil, e não as próximas
eleições.
Mais concretamente, teria sido
muito difícil realizar esse conjunto de reformas contando com a participação
popular, visto que ela foi intoxicada pelos 13 anos e meio de lulopetismo.
Muito foi prometido e feito tendo como condição o completo descuido com as
finanças públicas. A corrupção tomou conta do aparelho do Estado e o Brasil
quase foi à falência. Eis a herança maldita recebida. E, no entanto, os
eleitores acreditaram que fosse possível continuar o distributivismo social,
sem criar condições para o aumento da riqueza. O Estado, além de saqueado, foi
exaurido.
Restava ao presidente a
colaboração do Senado e da Câmara dos Deputados. Estabeleceu uma forma de
governar baseada na participação parlamentar e partidária. Nenhum governo nos
últimos tempos enveredara por esse caminho. Alguns chegaram a dizer que Temer o
fez ao preço da liberação de emendas parlamentares, quando estas são, desde o
governo Dilma Rousseff, obrigatórias, não estando ao arbítrio do presidente
impedir a sua liberação. Todos os partidos tiveram e terão emendas liberadas,
independentemente de serem ou não da situação.
O que se coloca, portanto, como
questão é a articulação do presidente com os parlamentares e os partidos. E
Michel Temer é exímio articulador, tendo surpreendido os que procuraram
derrubá-lo, mormente por intermédio do ex-procurador-geral da República.
Demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda
iminente durante meses e semanas, sem que nada tenha acontecido.
Temos, então, o que pode parecer
como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de
reformas, utilizando-se dos velhos instrumentos da política, contando com
baixíssima popularidade. O que para alguns parecia impossível simplesmente se
tornou real.
E note-se que o governo, em seu
ímpeto reformista, não hesitou sequer em minar alguns dos fundamentos dessa
mesma política, como quando o governo enveredou por um corajoso processo de
reformas mediante concessões e privatizações, como, agora, a da Eletrobrás. O
PPI, conduzido pelo ministro Moreira Franco, não é somente um projeto de ajuste
fiscal, como alguns têm noticiado, mas de reforma do Estado, tirando empresas
da barganha política e concedendo-as a parcerias e privatizações. Serão menos
no futuro os cargos que serão objeto de negociação partidária.
A questão, assim posta, diz
respeito não apenas ao governo Temer, mas a qualquer governo. O discurso das
boas almas defronta-se com o problema concreto de como governar. O próximo
governo, qualquer que seja o vencedor em 2018, deverá confrontar-se com uma
Câmara dos Deputados e um Senado eleitos pelo voto popular, claro, e a nova
representação política poderá ser melhor ou pior do que a atual. Ou seja, o
novo presidente terá igualmente de contar com parlamentares não escolhidos por
ele.
Eis o desafio. Quem erguerá a
bandeira de dar prosseguimento ao atual projeto de reformas, não havendo outro
que possa assegurar o futuro do País, salvo se o povo optar pelo retrocesso?”
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AGD comenta
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