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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Brasil unido jamais seria vencido





“Brasil unido jamais seria vencido
     
Por Fernão Lara Mesquita

Na crise, de volta ao básico. E a do Brasil é completa.

Para abrir as portas do 21 seria preciso decorar o resumo do século 20: “Carisma é bom pra cinema que é a ilusão no estado da arte. Na política é um desastre, qualquer que seja a cor da camisa”.

Mas é o caso de refazer a estrada toda. De volta ao 16 e 17, onde tudo começa, então: “Pensamentos, palavras ou obras”? A história das conversas do Moro com o Deltan é isso. O “jornalismo de acesso”, que vive de grampo, estimula esse desvio: “pensou, disse ou fez”? Parece pouco, mas esse é nada menos que o divisor de águas entre catolicismo e protestantismo. Aceitar que pensamentos e palavras já constituem pecado passível de condenar ao inferno ou levar ao paraíso deságua obrigatoriamente ou na legitimação da tortura (pensou ou não pensou?), ou na legitimação da venda de indulgências (bastam umas tantas “rezas” prescritas pelos donos da igreja para “desfazer” o que foi feito, inclusive o que nunca terá remédio).

As duas coisas excluem a mera possibilidade da democracia.

A partir do 18 colhem-se os frutos: se somente a obra, ou seja, o que o sujeito de fato fez e pode ser palpado e medido (como a roubalheira do Lula e do PT, por exemplo), pode condenar uma alma ao inferno ou abrir-lhe as portas do paraíso, o pensamento e as palavras deixam de ser assuntos em que o Estado está autorizado a se meter, a felicidade passa a ser a que cada um resolver buscar para si e a inovação e o progresso da ciência vêm como bônus dessa forma essencial de liberdade.

No 19 e no 20 começa a entortar: gente é o mais plasmável dos bichos. Acima de todas as forças ele é regido pela da sobrevivência. Não é o bem ou o mal, que “podem ser os de cada um”, é a definição do que rende punição ou recompensa que determina para qual direção ele se vai voltar.

É por essa altura que entramos na tapeação do “direita” versus “esquerda”, o embaralhador de línguas que até hoje nos mantém atolados nessa babel política. Faz tudo parecer o que não é. A desorganização da “não esquerda” (porque “direitista” mesmo dá pra contar nos dedos de uma mão) é um clássico universal. A principal diferença entre ela e a “pseudoesquerda” (porque “esquerdista” de utopia mesmo, não de teta, dá pra contar nos dedos de uma mão) é a extensão da ausência de limites. A “não esquerda” tem patrão. Tem de bater ponto e pagar as próprias contas. Quem trabalha full time pra político é quem é sustentado pelo Estado. É quem tem estabilidade no emprego outorgada por político.

Os Bolsonaros nunca foram gente aqui do mundo real perseguindo um salariozinho suado, tendo de mostrar resultado todo santo dia pra não ir parar na fila dos desestabilizados pela estabilidade deles. Nem o Brasil correu atrás do Bolsonaro pai. Ele é que se jogou para dentro da carência crônica do brasileiro que passou os últimos 34 anos na condição de criança abandonada eleitoral, ao longo dos quais todos os bundões da “não esquerda” se fingiam de esquerdistas porque era esse o “Abre-te Sésamo” da caverna abarrotada de ouro do poder.

Nem mesmo os “bolsominions” são ideológicos. Esses que ficam o dia inteiro no Twitter destilando fel, assassinando personagens, são cópias escarradas dos seus similares do PT. Querem a mesma coisa que eles queriam. Nem perder o comando da caverna do Ali Babá, nem sair do “barato” corrosivo da adrenalina do poder. E a maioria daqueles velhinhos do “Repassem sem dó” que eles arrastam é só gente boa com medo da Venezuela tratando de evitar mais meio século de deglutição de sapos barbudos.

Mas no mundo real foi o “cometa” envolvendo Flávio que jogou Jair e o Coaf no colo de José Antonio, que, na cauda dele, liberou geral. É Jair que joga pedaços da previdenciária, da administrativa e da anticrime no colo dos contra. Nem um único dos tiros de que todo o seu entorno está varejado veio de fora. Fazia meses que Paulo Guedes, o solitário agente do País Real neste governo, não dava manchete antes do último ato da previdenciária que rolou enquanto a Primeira Família se entretinha na briga de foice no escuro pelo comando do dinheiro do PSL.

Pelas bordas ficam os que não têm peito de sujar diretamente as mãos, mas aceitam sem denunciar essa regra do jogo e invocam as “instituições acima de tudo” para impedir que ela mude. Fingir que as instituições brasileiras não foram desenhadas para criar, servir e manter impune uma casta e que não é isso que reduziu o Brasil à miséria é só o modo “culto” de lutar pela permanência dessa mixórdia, seja no STF, seja nas redações. Nada a ver com “estado de direito”. Até queima a língua dizer isso. Não dá pra alegar inocência.

Todos eles somados não enchem a Praça dos Três Poderes mas segundo a Constituição deles, por eles e para eles que o povo brasileiro nunca foi chamado a ratificar, só quem eles deixarem pode disputar o poder e impor suas decisões a nós, que devemos permanecer desarmados e proibidos por lei de reagir.

Esse é que é o divisor de águas real. A parada no Brasil não é “esquerda” x “direita”, é nobreza x plebeu, privilegiatura x meritocracia, quem tem de ganhar a vida x quem está com a vida ganha e, na franja e não mais que na franja, ladrões x roubados. Desacelerar o estupro não muda a natureza do crime. Nem existe meia escravidão. Só o realinhamento das forças sociais segundo a realidade brasileira, e não segundo as lendas e narrativas da falecida Europa do século 20, possibilitará a verdadeira abolição. O “golpe de nêutrons” que mata qualquer avanço da democracia sem lhe destruir a falsa casca foi plantado lá atrás no STF. Enquanto os escravos permanecerem divididos e engalfinhados tudo continuará, podendo girar tranquilamente em torno do ralo da Constituição deles, por eles e para eles exigida nos tribunais deles, por eles e para eles que todos trabalham para manter intactos por cima dos “lados” pretensamente abraçados, o que explica aquela bizarra rasgação de seda que não cessa nem quando uns estão demonstrando cientificamente os canalhas que os outros são.”

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Dá para fazer





“Dá para fazer
     
Por José Serra

Nunca é demais insistir na importância de retomar o crescimento econômico sustentado para aumentar o bem-estar social. Mas sem uma estratégia de país, como argumentou Celso Lafer em seu último artigo nesta página, não se vai muito longe. Isso envolve a fixação de objetivos que deem continuidade aos avanços das últimas décadas, enquanto o crescimento econômico não vem. Os ganhadores do Nobel nos ensinam que é possível melhorar muito a qualidade de vida das pessoas avaliando políticas públicas e apostando nas mais efetivas.

Entre os anos 1940 e os anos 1980, o Brasil crescia a uma média anual de 7% acima da inflação. Nos quatro decênios posteriores, a média caiu a menos de um terço desse ritmo. Para ter claro, o PIB brasileiro dobrava a cada dez anos, entre a década de 40 e a de 80, e passou a crescer pouco mais de 20% por década entre os anos 1980 e 2019. O PIB per capita, por sua vez, que avançava a 4,2% ao ano no primeiro período, passou a crescer abaixo de 1%.

A desaceleração da economia brasileira tem raízes profundas. Cometemos erros sistêmicos que deixaram o Brasil à margem do processo de desenvolvimento observado em outros países emergentes, como a Coreia do Sul. Lá, investe-se pesadamente em educação desde os anos 1980. Nós seguimos pouco integrados à economia mundial e temos deixado a indústria de transformação perder cada vez mais participação no PIB. Desemprego e ociosidade altos combinados com inflação baixa são os mais claros sinais de que o motor não vai bem.

Mas houve avanços, de 1980 para cá, apesar da forte desaceleração do PIB. Fizemos a transição de uma ditadura para um regime democrático, aprovamos a Constituição de 1988, tiramos do papel o Sistema Único de Saúde – universal e integral –, garantimos o acesso de milhões de brasileiros à escola, debelamos a superinflação, por meio do Plano Real, e avançamos bastante na gestão dos recursos públicos.

O desafio que se coloca agora ao País tem duas grandes dimensões: retomar o crescimento e seguir avançando na agenda social. Banerjee, Duflo e Kremer, vencedores do Prêmio Nobel de Economia deste ano, defendem o aumento de recursos para políticas públicas voltadas aos mais pobres, combinadas a avaliações de sua efetividade, isto é, do resultado gerado.

Em entrevista concedida no dia 14 de outubro ao Estadão, o professor do Insper Naércio Menezes Filho explica os achados dos três pesquisadores. Utilizando método similar ao que é aplicado nos experimentos de Biologia ou Física, criam-se grupos de controle para observar, seguindo critérios de aleatoriedade, os efeitos de determinada política pública. Naércio dá um exemplo: “É possível avaliar se um programa de desparasitação (distribuição de um medicamento eficaz contra um ou vários parasitas), por exemplo, tem impacto na saúde das crianças e no seu desempenho escolar”.

Os ganhos dessas inovações poderão ser enormes para as políticas públicas mundo afora. O Brasil, por exemplo, adotou uma série de ações, como o programa de medicamentos genéricos, na minha gestão no Ministério da Saúde, ou mesmo o Saúde da Família, que poderiam passar a ser avaliadas por meio dessas novas técnicas. O ganho seria o de adotar critérios baseados em evidência empírica para decidir sobre o aumento de recursos a uma política com alto grau de efetividade, de resultado, e o corte de dinheiro de uma ação que gera pouco ou nenhum efeito na vida das pessoas.

Naércio afirma ao repórter do Estado que, “quando se olha para os últimos 30 anos, dá para perceber que o Brasil progrediu muito. As pessoas que nasciam pobres não tinham uma esperança na vida. Hoje, mesmo com a crise econômica, não se vê mais tantas pessoas migrando para as cidades mais ricas ou um grande volume de gente passando fome”.

De fato, é possível melhorar muito a vida das pessoas aprimorando políticas públicas existentes e aumentando os recursos para ações voltadas à redução da pobreza, da mortalidade infantil, dentre outras tantas áreas. Falo por experiência prática, tanto na Prefeitura quanto no governo do Estado ou nos cargos que ocupei no Executivo federal.

Lembro-me de como a dra. Zilda Arns, por exemplo, fazia verdadeiros milagres com pouquíssimos recursos, no âmbito da Pastoral da Criança. As ações continuaram e foram ampliadas. Baseiam-se em visitas às famílias, orientação sobre higiene e nutrição. Gestos simples, como lavar as mãos antes de lidar com o bebê, podem evitar um sem número de doenças. Numa entrevista ao Roda Viva, em 2001, a dra. Zilda disse que gastava apenas R$ 0,86 por criança ao mês. Em valores atuais, estamos falando de R$ 2,48.

Minha ideia não é deixar em segundo plano as ações macrofiscais, mas caminhar mais rapidamente, em paralelo, naquilo que está às mãos do governo e do Congresso, desde já. O crescimento econômico está se recuperando, mas ainda muito lentamente. Não podemos apenas cruzar os braços e esperar que os juros mais baixos impulsionem o consumo e os investimentos.

Há ações baratas ou sem custo que poderiam render aumento expressivo do bem-estar social, sobretudo aos mais pobres, que mais dependem do Estado. Realocar recursos de ações pouco efetivas para políticas públicas com bons resultados é uma das maneiras de fazer isso. Como exemplo, cito o projeto de lei que apresentei recentemente no Senado para estimular a educação superior a partir de uma reserva financeira criada pelo Estado para todas as crianças nascidas em famílias pobres.

Deveríamos, o quanto antes, seguir o norte apontado pelos ganhadores do Nobel de Economia. Para isso, trata-se de aprender com o que já foi feito no passado, sobretudo desde a Constituição de 1988, adotar práticas de avaliação de revisão periódica dos gastos públicos e aprender com o que há de melhor na academia, transformando ideias em políticas públicas. Dá para fazer.”

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Quem diria, Chacrinha estava certo





“Quem diria, Chacrinha estava certo
      
Por Zeina Latif

A forma de fazer política ganha novos contornos diante de mudanças no comportamento social mundo afora. A sociedade atual, conectada, mostra-se mais exigente e, em muitas democracias jovens (ou na falta dela), anseia por maior participação política. Além disso, a capacidade de mobilização aumentou com as redes sociais. Temas aparentemente pequenos podem provocar grandes manifestações, mesmo em um país como o Chile, com indicadores econômicos invejáveis para muitos emergentes.

O aumento da tarifa do metrô foi o estopim para protestos. O governo reagiu com repressão em vez de diálogo. Deu no que deu. O governo errou também ao voltar atrás na decisão e pode ter alimentado a desconfiança dos indivíduos. Afinal, a correção de tarifas não era necessária?

Os novos tempos demandam capacidade de comunicação e diálogo dos governantes. Talvez esse seja o verdadeiro divisor entre a “nova” e a “velha” política.

No Brasil, há elementos adicionais que tornam esse desafio ainda maior: o déficit de credibilidade da classe política por conta da grave crise econômica e dos escândalos de corrupção; a fragmentação partidária no Congresso que dificulta a construção de consensos; e a necessidade de avançar com reformas estruturais que geram perdas de curto/médio prazos localizadas e benefícios difusos de longo prazo. Na ausência de explicações devidas, baseadas em diagnósticos bem fundamentados, a sociedade fica apática e, legitimamente ou não, os grupos afetados tentam bloquear as reformas, pelo medo de perdas. O resultado é a letargia ou reformas aquém do necessário.

Apesar de trabalhosa e até arriscada (quem não tem medo de “panelaços”?), a comunicação pode ser grande aliada dos políticos para obterem apoio da sociedade para enfrentar grupos organizados. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é um bom exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão.

Com clareza, o documento Reforma Estrutural do Estado visa a apresentar medidas para reduzir o crescimento dos gastos com a folha, o principal problema no orçamento dos Estados. No RS, o quadro é o mais alarmante, pois há mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores na ativa (40%), e a tendência nos próximos anos é de piora, pois a idade média dos ativos é de 51 anos.

O custo para sociedade é duplo, por financiar o rombo da previdência (cada habitante contribui com R$ 1.038 em impostos por ano para isso, sendo o valor mais elevado entre os entes estaduais), e por não contar com serviços públicos de qualidade.

O primeiro passo do documento é a prestação de contas, apresentando à sociedade o que chama de “verdade fiscal”. Apresenta os principais números: os passivos, o crescimento da folha e seus pagamentos em atraso, a dívida pública e o déficit da Previdência.

O segundo passo é explicar que expedientes passados para cobrir o rombo das contas públicas agravaram o quadro e não estão mais disponíveis. É o caso dos saques do Caixa Único, que inclui depósitos judiciais de partes privadas. O documento também explicita as duas liminares ligadas aos pagamentos de precatórios e à dívida com a União, que reduzem o pagamento mensal dessas obrigações.

Diagnóstico feito, o terceiro passo é apresentar as propostas para corrigir o problema fiscal e, assim, aumentar a capacidade de investimentos: a reforma da Previdência, mudança de regras do magistério estadual e servidores militares e mudança do estatuto dos servidores civis.

O governador não se queixa e tampouco aponta o dedo contra governos passados. Ele encara a realidade e olha para frente, apontando o caminho. Em depoimento recente, ele valoriza os servidores públicos e pede ajuda para fazer o ajuste fiscal. Para isso, ele afirma: “É hora de encararmos nossa situação de frente, sem pirotecnias, sem conversa fiada, sem desviar o olho e sem mentiras”.

O governador, ainda tão jovem, começou bem e já tem muito a ensinar.”

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Um grande banco de dados... e riscos





“Um grande banco de dados... e riscos

 Por Silvio Meira

O governo federal fará mais uma tentativa de criar um repositório único de informação sobre os brasileiros, o Cadastro Base do Cidadão (CBC) . A ideia é “aumentar a confiabilidade dos cadastros de cidadãos existentes na administração pública”, através de um “meio unificado de identificação do cidadão para a prestação de serviços públicos”. Pode até diminuir o caos que hoje é a gestão do ciclo de vida de informação cidadã pelo governo. Mas o decreto que cria o CBC só trata da administração federal e o caos nos Estados e municípios é garantido.

Inicialmente, a base de dados será composta de dados biográficos como, por exemplo, o CPF, nome, data de nascimento, sexo, filiação, endereço e dados biométricos
Inicialmente, a base de dados será composta de dados biográficos como, por exemplo, o CPF, nome, data de nascimento, sexo, filiação, endereço e dados biométricos

O decreto 10.046, de 9/10/2019, diz que o CBC deverá consolidar atributos biográficos, cadastrais e biométricos. São “características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa para reconhecimento automatizado, tais como a palma da mão, digitais, voz e maneira de andar”.

Aí é onde mora o perigo. Se estivéssemos numa sociedade da informação (estamos quase lá), onde o acesso a serviços essenciais fosse mediado por identificação e informação digital, um sistema nacional e único de gestão de informação pessoal seria a base de uma plataforma digital de governo que poderia, de mais de uma forma, definir a sociedade. E os tipos de comportamento que seriam induzidos, talvez até possíveis, lá. Quer dizer, aqui, se a plataforma tratasse de nós, brasileiros.

Perguntar “qual é o impacto das plataformas digitais na sociedade” ignora o fato que as plataformas digitais (como WeChat e WhatsApp) já são sociedades onde se vive de forma cada vez mais intensa. A separação entre a vida online e a offline (ainda chamada de real) acabou. Agora estamos “onlife”, como defende Floridi.

Em lugares como a China, isso já é verdade em partes. Se está para ser aqui no Brasil, será que não é demais a administração federal ter e guardar dados como nossa voz e forma de andar? Claro, esses dados podem ser fundamentais para identificar foras da lei. E há um argumento (falacioso) de que quem nada deve, nada precisa esconder.

A humanidade foi construída sobre o princípio de que lembrar é mais difícil do que esquecer. De repente, a tecnologia criou algo novo: a incapacidade de esquecer. Quando isso é decretado sobre países e o andar de todas as pessoas fica registrado numa base de dados, dessas que sempre vazam, quem, além do governo, pode achar você, onde estiver, para fazer o que quiser?

Num País onde o STF julga até o furto de um par de chinelos, considerando os riscos de tanta informação de posse do governo, será que o Tribunal não deveria decidir sobre que dados o Estado precisa para prestar serviços de interesse público e limitar seu alcance informacional ao mínimo possível, protegendo a cidadania?”

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Correspondência democrática





“Correspondência democrática
     
Por Fernão Lara Mesquita

Vai como artigo, hoje, acrescentada de ajustes, a correspondência trocada em 16/10 com um leitor do www.vespeiro.com a respeito d’As desventuras da imprensa sem povo – 2, publicado aqui na semana passada.

“Vou lendo seu artigo e, a cada mudança de tema, é sempre da questão do senso comum que você trata. Num país normal, um homem de 35 anos que mantém relações sexuais com uma garota de 13 anos é considerado um pedófilo (…) O senso comum há muito estabeleceu que isso é um crime, assim como é crime roubar um mendigo, um homem sadio espancar um deficiente, etc. O senso comum é o que permite ao homem comum afirmar, mesmo diante da lei redigida segundo as mais modernas técnicas legislativas: ‘essa lei é injusta’. O senso comum é o que permite, enfim, ao homem que não é político, nem advogado, nem jornalista, nem especialista no assunto que está sendo discutido, opinar livremente sobre as questões públicas a ele submetidas. (...)

Validar o senso comum significa apenas que o homem comum não será alijado da discussão pública porque não pode exibir um diploma de ensino superior nem ocupa um cargo na burocracia estatal; significa (...) que as críticas formuladas pela população nessa clave frequentemente não científica (mas não necessariamente anticientífica) devem ser incluídas em todas as etapas da discussão, e não simplesmente descartadas, como se faz hoje no Brasil, em nome de uma suposta ‘ciência’ – econômica, política, jurídica, etc. (...)

Por trás do discurso da burocracia encontra-se (supostamente) a preocupação de evitar erros irreparáveis contra os cidadãos. Assim, quanto mais ‘técnica’ for a decisão do juiz, quanto maior o número de ‘garantias’ oferecidas ao acusado, quanto mais escoimado de preconceitos for o decreto, etc., menores as chances de que provoquem danos sociais. Por força dessa precaução, as mesmas operações intelectuais que se utilizam na construção de um viaduto são estendidas a todos os temas da vida pública (o que exclui da discussão os 200 milhões que não entendem de cálculo...). Não é um truque desonesto; é só uma escolha filosófica desastrosa.

Se falharmos em recolocar o mundo real, das pessoas de carne e osso, com seus valores expressos nisso que denominamos ‘senso comum’, no centro do universo mental da burocracia e seus acólitos, mesmo a mais bem-intencionada reforma eleitoral terá poucas chances de prosperar.”

Resposta:

É precisamente aí que está a coisa, meu caro.

Discordo, porém, de que não seja um truque desonesto. E lembro, ainda, que não saber cálculo não desqualifica o cidadão nem “para opinar”, nem muito menos para DECIDIR sobre a necessidade ou não daquele viaduto naquele lugar, naquele preço e naquele momento na ordem das prioridades da comunidade que vai pagar por ele, que é a parte que deve caber SEMPRE ao cidadão, de quem todo poder emana e, portanto, está ACIMA de todos os agentes da burocracia estatal. A que arma a mão dele para que assim seja (voto distrital puro com recall e referendo, vulgo democracia) é a reforma eleitoral que resolve isso.

A institucionalização da desclassificação do senso comum começa lá na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, quando a “intelligentsia” reconhecida como tal pelo poder político e devidamente estabulada no cercadinho das universidades sustentadas pelos reis se põe oficialmente a serviço deles e os arma com o “recebimento” (termo com cheirinho de igreja, não é mesmo?) da versão falsificada do “Direito Romano”, que vem para desbancar o Direito baseado na tradição e no senso comum (common law) que foi patrimônio comum de toda a Europa. Essa “dobradinha” dos bons de espada com intelectuais de coleira é que forneceu a “base teórica” para que os reizinhos de quarteirão de até então dessem o salto para para o absolutismo monárquico.

A única exceção foi a ilha de Inglaterra. A vitória do senso comum deu-se lá, e por muito pouco, no confronto entre Edward Coke, juiz supremo das cortes de Common Plea, e James, o 1.º dos Stuarts, e a falsificada Corte da Chancelaria com que pretendia recriar o Direito à sua imagem e semelhança para ter poder absoluto, como os colegas do Continente.

Os desdobramentos estão aí até hoje. O “governo do povo, pelo povo e para o povo” é a tradução política do sistema jurídico ancorado no senso comum (common law) e o governo do Estado, pelo Estado e para o Estado é o descendente direto da falsificação bolonhesa de que nós somos um dos exemplos mais extremadamente corrompidos.

Essa resistência de 700 anos tem sido garantida à força de tortura e execuções sumárias (físicas antes, virtuais hoje), mas o que explica a sua resiliência, mais que tudo, é a eficiência da censura da divulgação da alternativa que sobreviveu e do papel absolutamente central que um sistema judicial baseado na impessoalidade do precedente balanceado pelo senso comum, em vez da onipotência de um juiz dotado do poder de re-“narrar” infindavelmente o passado segundo as conveniências do momento, tem nos registros de liberdade e afluência econômica e científica inéditos em toda a História da humanidade alcançados pelos países que seguiram com a common law.

Com “o rei” (hoje o STF) proibido de reinventar a realidade (isto é, posto “under God”) e arbitrar sentenças diferentes para crimes idênticos (isto é, posto também “under the law”), a justiça de common law mata antes do nascimento 90% da corrupção reinante nos países onde “o rei” está livre para dar e vender privilégios, o mais corrosivo dos quais é o da impunidade.

Como bem sabem os inimigos da democracia, tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao grande público. Não subestime nem deixe de se permitir embriagar-se, portanto, com a força subversiva de divulgá-lo, pois cada vez que o fizer você estará efetivamente limando de forma irrecuperável a sua casquinha das pernas da “privilegiatura”. Se perdurar a “sociedade da informação”, certamente essa gigantesca mentira não atravessará incólume outros 700 anos.”

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Mitos ou verdades





“Mitos ou verdades
      
Por Ana Carla Abrão

A reforma administrativa do governo federal nem chegou ao Congresso Nacional, mas a mobilização contrária já ganha corpo. Na última semana, antes mesmo do governo trazer a público o teor da sua proposta, um conjunto de entidades representativas dos servidores públicos federais divulgou um extenso documento em que verdades absolutas são questionadas e seus objetivos desvirtuados. Há que se reforçar, portanto, as motivações que justificam uma reforma da máquina pública brasileira. E elas são, fundamentalmente, a melhora da qualidade do serviço público, o aumento da produtividade da economia brasileira e a necessária redução dos gastos obrigatórios que vêm comprimindo a capacidade do Estado de investir e melhor servir a população.

Embora legítimo na defesa dos interesses das entidades que apoiaram a sua elaboração, o documento da Frente Parlamentar Mista pela Defesa do Serviço Público precisa ser confrontado com dados e informações que jogam por terra as teses que ele busca defender. Afinal, há fartas evidências na direção contrária. Além disso, a necessidade de se reformar a máquina pública não está vinculada ao seu desmonte, mas sim à sua melhora operacional, com impactos positivos significativos também para o servidor público.

O Brasil gasta hoje o equivalente a 39% do PIB com o financiamento da máquina pública. Esse número, calculado pelo Tesouro Nacional com informações de 2016, é muito superior ao que países como México ou Chile gastam e se aproxima dos níveis de gastos observados em países como Inglaterra ou França. Pode-se argumentar (corretamente) que o Brasil, sendo um país em desenvolvimento e com uma população tão carente, deve mesmo ter uma máquina pública maior e mais cara. Verdade, desde que a contrapartida fossem serviços públicos de qualidade e uma população bem atendida. Não é o caso. Estamos dentre os países com pior avaliação na qualidade dos serviços públicos, segundo pesquisa da OCDE. Portanto, relativamente ao que deveríamos estar oferecendo à população brasileira, sim, o Estado no Brasil é muito grande e a máquina pública está inchada, consumindo recursos em níveis e trajetórias que não se refletem na qualidade do serviço público e no atendimento à população.

E a explicação principal está na alocação dos recursos públicos. Gastamos, segundo dados do Banco Mundial publicados recentemente, cerca de 10% do PIB com o pagamento de salários e benefícios a servidores da ativa. Somando as despesas com os regimes próprios de Previdência, chega-se a cerca de 15% do PIB. Como o número de servidores não parece alto em relação à população empregada no setor privado, o gasto de pessoal no serviço público se mostra elevado quando comparado a outros países.

Some-se a isso a desigualdade salarial no setor público brasileiro, há disfunções que precisam ser corrigidas se quisermos melhorar os serviços públicos na ponta, o atendimento ao cidadão. A Inglaterra, por exemplo, gasta cerca de 6% do PIB com salários e benefícios dos seus servidores e tem o melhor serviço público do mundo, segundo índice da Blavatnik School. Além disso, as despesas de pessoal no serviço público brasileiro vêm consumindo parcelas crescentes das receitas totais graças ao crescimento orgânico e vegetativo dos gastos com salários no setor público. Tanto que, entre 2008 e 2018, o crescimento acumulado real do gasto com servidores ativos foi de 26%, ainda segundo o Banco Mundial. Sim, as despesas de pessoal são muito altas e estão descontroladas.

As outras quatro verdades divulgadas como mitos no documento da Frente Parlamentar Mista tratam da ineficiência do Estado, do privilégio da estabilidade, do fato de que chegamos ao colapso fiscal e finalmente da importância das reformas estruturais para a retomada do crescimento. Todas questões amplamente debatidas e amadurecidas e que merecerão mais algumas linhas nesse espaço nas próximas semanas.

Mas vale aqui ressaltar a relevância do tema e comemorar a entrada desse debate na pauta nacional. A construção de uma reforma estrutural da máquina pública se dará a partir do Executivo, passará pelo necessário debate legislativo e pela negociação com os servidores e seus representantes e carecerá do entendimento do Judiciário. Mas para que os resultados convirjam para o seu objetivo, qual seja o de melhorar o funcionamento do setor público brasileiro e garantir que os serviços públicos básicos sejam instrumento de justiça social, gerando igualdade de oportunidades para os mais pobres, ele terá de contar com o envolvimento da sociedade. Daí a importância de deixar claro desde já que verdades são verdades. Não são mitos.”

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O muro do salário mínimo





“O muro do salário mínimo
      
Por Pedro Fernando Nery

O Congresso aprovou o salário mínimo de R$ 1.040 para 2020, reajustado pela inflação, encerrando a política de valorização do salário mínimo (SM). Até 2019, o reajuste era pela inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes. Nos EUA, os candidatos democratas prometem dobrar o salário mínimo nacional, que passaria a superar o mínimo da maior parte das cidades. Lá como aqui o debate é centrado em uma preocupação: aumentar o salário mínimo aumenta o desemprego?

Partindo da lei da demanda, a elevação de um preço (o do trabalho) reduziria a demanda (a contratação de trabalhadores). A visão democrata tem rejeitado a tese, embalada por experiências como a de Seattle e outras cidades da Costa Oeste, que apesar dos maiores salários mínimos do país mantiveram baixo desemprego. Nessa visão, o mercado de trabalho seria grande demais para receber a mesma análise de outros (equilíbrio parcial), que ignoraria o poderoso efeito positivo do SM no consumo e, assim, no emprego. O aumento do SM não aumentaria o desemprego.

Pesquisadores têm alertado que estudos sobre experiências como a de Seattle desconsideram que, apesar de impacto desimportante no agregado da taxa de desemprego, grupos vulneráveis sofreriam impacto desproporcional (Clemens, 2019; Meer, 2019). É o caso de trabalhadores de baixa produtividade, de jovens inexperientes e daqueles das ocupações mais tendentes à automação.

Os estudos otimistas desconsiderariam também a migração dos trabalhadores afetados para fora desses centros urbanos, que não seria captada na taxa de desemprego dos habitantes (Pérez, 2018). E alertam que a substituição do trabalho por automação em decorrência leva tempo a ser implementada, por exigir investimento em capital, não sendo bem captada nos primeiros períodos após o aumento. No estudo de Lordan e Neumark (2018), os efeitos seriam piores para mulheres, por predominarem em ocupações como as de atendentes e recepcionistas. Na internet, páginas à direita ironizam a campanha do aumento do SM como uma conspiração de robôs buscando ocupar funções de humanos.

Em países emergentes, a literatura foca em um aspecto adicional: a informalidade, que absorve trabalhadores entre o emprego formal e o desemprego. Para o caso brasileiro, a literatura encontrava efeitos negativos expressivos até o início dos anos 2000, que desapareceram no período de desemprego baixo. Depois de aumentos que colocaram no Brasil a relação entre o SM e o salário médio acima da OCDE, e depois de uma crise que deixou legado de desemprego alto, qual seria o efeito de altas do SM?

Estudos feitos para o período de menor desemprego dão margem para preocupação. O de Jales (2018) atribui ao SM entre 2001 e 2009 expressivo crescimento do mercado informal, principalmente no Nordeste. O de Foguel, Ulyssea e Courseil (2014) identificou efeitos altos e crescentes de expulsão de trabalhadores para fora da força de trabalho entre 2009 e 2013. Aumentos do salário mínimo sem contrapartida de produtividade teriam efeitos deletérios na informalidade e inatividade mais fortes do que os efeitos positivos sobre a desigualdade salarial. Já Saltiel e Urzúa (2018) observam efeitos negativos significativos do aumento do mínimo entre 2003 e 2012 nas regiões menos afetadas pelo boom de commodities, acendendo alerta sobre a repetição da política depois do boom.

Com desemprego alto, especialmente em grupos vulneráveis como jovens e mães solteiras, o salário mínimo pode ser um muro que exclui essa população do mercado de trabalho formal, onde estão os melhores empregos, das grandes empresas, e a proteção social. O objetivo de resguardar da pobreza os que o recebem (os incluídos), prejudicaria os sem emprego ou os que venham a ser demitidos (os excluídos). Em cada aumento do SM, o muro ficaria maior.

Com encargos, um mínimo de R$ 1.040 significa que o trabalhador deve gerar ao menos R$ 2.100 em produtividade para a contratação compensar à empresa. Para jovens egressos de um sistema educacional falido, pode ser um muro alto demais. Nos EUA, Fone et al. (2019) associam aumento de 10% do SM a aumento de 2% dos crimes contra o patrimônio cometidos por jovens.

O Banco Mundial sugere mínimo menor para jovens e Paulo Guedes ambiciona menos encargos para eles, como funciona em muitos países desenvolvidos. O trabalho intermitente da reforma trabalhista também quebra o muro, ao permitir trabalhadores de baixa produtividade acessarem o mercado formal, mas ainda não pegou: pena à espera do STF.

A política de valorização do SM poderia dar lugar uma política de valorização do Bolsa Família, concentrando recursos fiscais em famílias mais pobres e sem os efeitos colaterais. Ou poderia ser mantida condicionada a níveis de desemprego, com aumentos maiores somente quando ele estiver baixo. Nossos muros já são altos demais.”

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Prisão em 2ª instância ou após trânsito em julgado?





“Prisão em 2ª instância ou após trânsito em julgado?
     
POR MODESTO CARVALHOSA E GAUTHAMA FORNACIARI

Em fevereiro de 2016 o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) igualou o Brasil aos países desenvolvidos e decidiu pelo início do cumprimento da pena criminal após a decisão condenatória de tribunal em segunda instância (HC 126.292, relator ministro Teori Zavascki). Entendeu a maioria do STF que o início da execução da pena não fere o princípio da presunção de inocência, pois no julgamento da apelação há completo reexame dos fatos e das provas, concluindo-se ser o réu responsável pela conduta criminosa, garantido o direito ao duplo grau de jurisdição, previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Restará às instâncias superiores somente a apreciação de questões de Direito, sem análise das provas. Ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderão ser arguidas eventuais ofensas à legislação e ao STF, matérias constitucionais, cuja relevância transcenda os interesses particulares da causa. A condenação em segunda instância esgota a presunção de inocência e o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, sendo razoável o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado.

Excepcionalmente, em casos de flagrante afronta à jurisprudência do STJ e do STF ou de manifestos erros e constrangimentos ilegais, que poderão ensejar a anulação do processo ou a absolvição do réu, será cabível medida cautelar para suspender a execução da pena ou, ainda, a impetração de habeas corpus, que tem trâmite mais célere. Trata-se, todavia, de exceções, conforme pesquisas de coordenadorias de gestão do STJ e do STF, divulgadas pelo ministro Roberto Barroso (O Globo, 2/2/2018 e 5/4/2018).

No STJ, entre setembro de 2015 e agosto de 2017, a Corte reverteu apenas 0,62% das condenações em segunda instância. No STF, no período de janeiro de 2009 a abril de 2016, as absolvições corresponderam a menos de 0,1% dos recursos.

Em 2016, como referido, o STF reverteu posição firmada em 2009, quando a maioria conferiu caráter absoluto ao princípio da presunção de inocência e admitiu o início do cumprimento da pena criminal somente após o julgamento de recursos pendentes no STJ e no STF (HC 84.078). Essa posição era atípica no plano internacional, não tinha coerência com o sistema normativo e a organização da Justiça estabelecidos pela Constituição, tinha impacto estatisticamente irrelevante no resguardo da liberdade de réus inocentes e ignorava que penas decorrentes de condenações com ilegalidade manifesta podem sempre ser remediadas por meios excepcionais.

Porém o mais importante é que essa posição permitia que os processos perdurassem por longo tempo nas instâncias superiores e motivassem a interposição de sucessivos recursos internos, favorecendo a ocorrência significativa da prescrição de ações penais. Nas mencionadas pesquisas, no período de setembro de 2015 a agosto de 2017, verificou-se que 830 ações penais prescreveram no STJ e 116 no STF. A referida posição favorecia a não punição expressiva de condenados, em prejuízo da efetividade do dever de punir do Estado.

A proteção da liberdade individual não pode ser realizada a ponto de comprometer a finalidade e a efetividade da ordem jurídica na prevenção e repressão de condutas danosas à convivência humana. A prisão somente após trânsito em julgado favorece até mesmo a não punição de crimes contra a ordem econômica e a administração pública, o que, consequentemente, acaba por incentivar a perpetuação dos delitos de corrupção. Isso contribui para a perda de confiança da população no próprio Direito e no Poder Judiciário, desestimulando o respeito à lei e às instituições públicas, que passam a ser vistas como seletivas e complacentes com privilégios oligárquicos. A dignidade humana só é verdadeiramente respeitada num Estado Democrático de Direito quando a lei é seguida e cumprida de forma isonômica e proporcional, de modo a contribuir para a responsabilização de quem descumpre seus deveres e abusa de sua liberdade, assegurando-se o bem comum e a legitimidade da ordem jurídica.

E, mais grave, a posição propicia fator impeditivo do desenvolvimento do País: a corrupção endêmica (cf. Índice de percepção da corrupção em 2018, Transparência Internacional). O principal incentivo ao boom de colaborações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato foi exatamente a posição do STF a favor do cumprimento da pena criminal após a condenação em segunda instância.

Hoje, a matéria encontra-se novamente sob análise no plenário do STF – Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54. Discute-se a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, cuja redação foi alterada em 2011 e se limitou a reproduzir a então posição do STF em 2009. Esse dispositivo é inconstitucional, pelos motivos já expostos: o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode tornar inviável a efetivação razoável do dever de punir do Estado, a ponto de enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O exemplo da corrupção, dentre os graves crimes que não podem ficar sem pena, é bastante significativo: o Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população, impondo-lhe condições de vida indignas e perda de confiança nas leis e nas instituições.

Portanto, espera-se que o STF cumpra o seu papel de defender a Constituição e confirme o seu entendimento de prisão após condenação em segunda instância. Trata-se de interpretação imprescindível para a permanência do nosso contrato social democrático, fundado nas leis sempre voltadas para o bem comum, o que é incompatível com a impunidade dos criminosos.”

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Bolsonaro, o PT e a corrupção





“Bolsonaro, o PT e a corrupção
     
Por José Nêumanne

Em janeiro de 2018 correria o risco de ser vaiado ou ridicularizado quem fizesse qualquer prognóstico de eventual ascensão política do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro além dos horizontes do baixíssimo clero, em que ele se encastelava no gabinete de deputado federal. Nem sequer se pensava em hostilizá-lo, tão insignificantes eram a personagem e suas causas esdrúxulas: a nostalgia do regime militar, a exaltação da ditadura e a veneração a torturadores notórios, caso do coronel Brilhante Ustra.

Mas as velhas raposas das organizações partidárias, algumas das quais dedicadas explicitamente ao crime, caso das que partilharam o butim da roubalheira dos desgovernos do PT e do MDB ou do PSDB, que fazia oposição de fancaria em troca de gordas propinas. A arapuca foi armada, pois todos os candidatos dos maiores partidos eram suspeitos, acusados e condenados por participação no petrolão. Restaram somente figuras folclóricas, como o ex-oficial e o cabo bombeiro Daciolo, surgindo praticamente do nada para a glória pela falta de opções. Deu-se o inesperado: o tosco sobrevivente das casernas venceu a disputa contra o patrono do assalto ao erário pelo voto, Lula, que disputou e perdeu o pleito usando o codinome Fernando Haddad nas urnas eletrônicas.

As insignificantes manifestações pela volta do regime autoritário nos protestos de rua de 2013, iniciadas com a reivindicação da retirada das catracas dos coletivos e concluída com o impeachment da preposta anterior, Dilma Rousseff, deram o sinal de reunir. A ausência de um candidato das siglas da politicagem tradicional que não fosse citado numa delação premiada engrossou o caldo com duas manifestações de peso da massa traída pela compra e venda dos valores republicanos. O fã da luta contra a corrupção, encarnado no então juiz Moro e nos procuradores de operações como a Lava Jato, votou tapando o nariz. Mas votou. E sem registro na Justiça Eleitoral, o ódio difuso ao Partido dos Trabalhadores (PT) cedeu a melhor bandeira.

Os louvores do candidato que sobrou com ficha limpa no mensalão ao chefão da operação de transferência do patrimônio da maior estatal, a Petrobrás, para os lucros dos empresários, particularmente empreiteiros, e militantes dos partidos da partilha de poder, Lula, foram esquecidos em nome da causa comum. Nem mesmo o entusiasmo tornado público de Bolsonaro pelo compadre do petista, Hugo Chávez, foi levado em conta na hora de optar pela vitória de um candidato capaz de exterminar o PT e prender os larápios. O maior engano foi desprezar o poder do Congresso, que absorveu o impacto da fúria popular com a eleição proporcional de deputados. E desprezar o poder nada moderador do Judiciário.

Assim que assumiu, o “Mito” deu a primeira demonstração tácita de não ser tão infenso à sedução dos confortos do que ele chamava de “velha política”, como sonhavam seus devotos. Nomeou para a Advocacia-Geral da União (AGU) um funcionário da repartição moldado à sombra do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), na velha escola patrimonial que os petistas aprenderam bem com os coronéis da Velha República. Como o padrinho nunca teve outro patrão em toda sua vida de advogado que não fosse o PT ou um figurão do PT, o servil André Mendonça subiu degrau por degrau a carreira de advogado-geral da União como se fosse desde sempre rábula à mão do chefão de plantão.

No caso, tornou obsoleta a fábula do fâmulo proibido de servir a dois senhores. No gabinete vizinho ao presidencial, o AGU emprestou seu precário latim para dar foros de bom direito a iniciativas do padrinho no lado oposto da Praça dos Três Poderes. Aprovou o decreto infame da dupla Dias Toffoli e Alexandre de Moraes para perseguir críticos de ministros do STF, parentes e aderentes e censurar a Crusoé, e o banquete de vinhos três vezes premiados e medalhões de lagosta.

Depois que o primeiro paraninfo proibiu o Ministério Público do Rio de Janeiro de investigar o primogênito do atual senhor, Mendonça protagoniza a lisonja pelo avesso, em que o chefe adula o subordinado, e não o oposto. O presidente disse que o STF precisa de um ministro “terrivelmente evangélico” e Mendonça, valete de sua tropa, preenche tal requisito. É pastor presbiteriano, despreza a evolução das espécies de Darwin e bajula seus superiores generosamente: Lula no passado e Bolsonaro pelo menos até 2020, quando este o indicar para o almejado posto ora ocupado por Celso de Mello. Afinal, a gratidão do chefe atual é tal que já assegurou que se trata de alguém mais “supremável” do que Sergio Moro, titã do combate à corrupção, adorado pelo povo.

É chegada, pois, a hora de enfrentar a evidência de que a permanência de Moro no Ministério da Justiça pode ser atenuante para o fato de Bolsonaro não estar nem aí para corresponder à expectativa de que na Presidência combateria a corrupção. Um leitor apressado de Nicolau Maquiavel dirá que o ex-juiz no Ministério da Justiça, sem perspectivas de seu projeto anticrime ser aprovado no Congresso, representa ínfima ameaça aos barões da Corte da Corrupção nesta triste República. Mormente enquanto Gustavo Aras despachar no principal gabinete da Procuradoria-Geral da República.

Aras é filho de Roque, que nasceu na política pelas mãos de um ícone da esquerda, Chico Pinto, condenado e preso pela Justiça Militar na ditadura. E daí? Juram que o referido prócer, na verdade, foi um delator de companheiros de esquerda, sabe-se lá a troco de que prêmio. Além do mais, o maior ícone da direita brasileira, Lacerda, reunia em seu prenome homenagens a Karl Marx e Friederich Engels, Carlos Frederico. Aras não está na luta para honrar o pai. Mas para punir procuradores da Lava Jato. O que vier a acontecer depois de publicadas estas linhas confirmará o que escrevo. O que de nada nos servirá de conforto. Quem viver verá.”

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Pobreza real, pobreza mental





“Pobreza real, pobreza mental
      
Por Monica De Bolle

O Nobel de Economia de 2019 foi concedido a três economistas que conduziram ao longo dos anos pesquisas de alto rigor científico para medir o impacto de diferentes políticas públicas na erradicação da pobreza. Como definiu um dos laureados, a economista Esther Duflo, segunda mulher a vencer o prêmio desde que foi criado pelo Banco Central da Suécia em 1968 e sua mais jovem vencedora, a pesquisa dos três tem por objetivo estudar de perto a vida das pessoas, não as recomendações teóricas de livros-texto. A partir da observação próxima em comunidades na África e na Índia, os três testaram os efeitos de diversas intervenções para melhorar as taxas de imunização infantis, o combate à malária, os incentivos à educação, além de diversas outras medidas.

Em muitos casos, os estudos conduzidos seguindo metodologia bastante utilizada pelas ciências médicas, conhecido como ensaio controlado randomizado, as descobertas foram surpreendentes e simples: ao contrário do que se pensa, não é necessário gastar muito dinheiro para aumentar as imunizações, combater a malária, ou elevar a escolaridade. O ensaio controlado randomizado consiste em selecionar aleatoriamente grupos que receberão a intervenção – no caso, a política pública – e grupos que não o receberão. A partir dessa seleção, aplica-se a política e analisam-se seus efeitos.

O estudo sobre a malária, por exemplo, consistiu em dar ao grupo selecionado mosquiteiros. Havia a dúvida se deveriam ser fornecidos de graça ou se as pessoas deveriam comprá-los. Afinal, se fossem dados de graça havia a possibilidade de que as pessoas não dessem aos mosquiteiros o devido valor, usando-os menos do que o desejável. Elaborou-se um sistema de vouchers: alguns davam 100% de desconto na compra, outros davam 50%, outros 20%, e por aí vai. Comparando os resultados tanto dos vouchers recebidos, quanto do grupo de controle que nada recebeu, foi possível constatar um aumento considerável do uso de mosquiteiros entre os que os obtiveram de graça, isto é, os com 100% de desconto.

Ao contrário do que se acreditava, isso não prejudicou o mercado de mosquiteiros, mas o beneficiou enormemente. Aqueles que agora tinham mosquiteiros em uma cama, passaram a comprá-los para todas tendo percebido o seu valor. Houve sensível redução nas taxas de infecção de malária e nas taxas de contágio. Para quem não entendeu a razão da pesquisa, inúmeros estudos mostram a relação entre malária e pobreza.

Os vencedores do Nobel, portanto, puseram em prática medidas para melhorar a vida das pessoas e revolucionaram a maneira como hoje se pensa e se adotam políticas sociais voltadas para o desenvolvimento econômico. Como disse Esther Duflo em entrevista concedida após vencer o prêmio, não é que haja falta de livros-texto e teorias sobre a redução da pobreza e o desenvolvimento econômico. Livros e teses abundam. O problema é que na maioria das vezes eles não trazem a pesquisa de campo, a inserção nas comunidades e na vida das pessoas, para justificar suas recomendações. Portanto, podem levar a equívocos e desperdícios.

A pesquisa científica de campo para reduzir a pobreza e os seus vários sucessos deveria ser comemorada, sobretudo em países onde ainda há muita pobreza, como é o caso do Brasil. Infelizmente, a reação nas redes sociais de gente que se identifica com a direita extrema retrógrada do País foi de condenar a premiação de diversas formas. Seja pela negação de que o Nobel de economia exista – o prêmio existe, ainda que não tenha sido originalmente estabelecido por Alfred Nobel – seja ao afirmar que a pobreza é um “estado natural” e que as políticas públicas para combatê-las são inúteis. Por certo, esse pensamento repercute não entre gente que sofra da pobreza real, material, mas de quem sofre de profunda pobreza intelectual. Quem sabe seja possível algum dia desenhar intervenções públicas para a pobreza mental. Quem sabe seja possível resgatar algumas cabeças da ignomínia que ocupa os espaços públicos. Quem sabe nada disso seja possível e o Brasil permaneça preso na sua terraplanice atual.”

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

As desventuras da imprensa sem povo - 2





“As desventuras da imprensa sem povo – 2
     
Por Fernão Lara Mesquita

Sendo prerrogativa exclusiva “do Estado” e não tendo de passar por nenhum filtro de aprovação do eleitorado, a lei brasileira acaba inevitavelmente sendo feita “pelo Estado e para o Estado”. Nada, rigorosamente nada a ver com o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Essa é a regra de ouro do “Sistema” que nos massacra e só pode continuar nos massacrando porque a imprensa, sem nenhuma exceção, também a acata. Segundo a lei vigente, leis defeituosas de legisladores defeituosos podem ser retrucadas com mais leis defeituosas de legisladores defeituosos, jamais pela recusa do “paciente” de aceitar o tratamento venenoso.

Discutir as coisas nos termos em que as põem os políticos de qualquer dos “lados” da privilegiatura, inclusive o “do meio”, que é tudo referindo às instituições em que se apoia o sistema de privilégios vigente, é acumpliciar-se com a casta entrincheirada por trás da ordem partidária, da lei eleitoral e do monopólio no tratamento da lei. O espírito reformista, sem o qual não desatolaremos, só voltará ao primeiro plano se a imprensa calçar os sapatos do Brasil plebeu, passar a olhar o debate nacional com os olhos dele e ir procurar respostas fora da vasta “zeladoria do erro” do “Sistema”, como fez todo mundo que passou a dar certo.

É de uma covardia absolutamente vexatória que nenhum órgão de imprensa dentro ou fora da internet esteja em campanha permanente pelo Privilégio Zero Já num país que a miséria mergulhou numa guerra, mas continua pagando os maiores salários ao funcionalismo entre os 53 medidos pelo Banco Mundial, e crescendo, por cima da estabilidade, das aposentadorias precoces e da dispensa de apresentar resultados, que só sobrevivem aqui.

“Será que os próprios privilegiados admitem pensar num ‘estágio probatório’ antes de saltar para o salário que os porá no círculo dos 3% mais ricos de um país miserável?”. Aplica-se ou não tal ou qual artigo de perfumaria segundo a Constituição que criou a privilegiatura? Vejamos, é um “assunto polêmico”...

E a propaganda eleitoral que você é obrigado a pagar, ela fere ou não o “princípio da igualdade de oportunidade”? E por acaso “eleger” não é sinônimo de “desigualar”? Não deveria sobreviver só partido ou candidato que o eleitor se dispusesse a financiar? Se fosse informado ao eleitor quanto cada candidato recebeu de financiamento antes da eleição (nos EUA o prazo máximo é de cinco dias após o recebimento da contribuição), quem pode avaliar com maior isenção e rigor quem está ou não se vendendo, o colega do Estado que se elegeu na mesma mumunha ou o eleitor? O Brasil foi enfiado nessa armadilha patética e permanece nela porque a imprensa, tal como a privilegiatura, exclui de saída a ideia de que o povo possa proteger-se mais eficientemente que o Estado, e “topa” o debate infindável sobre o que o Estado deverá fazer para evitar a infecção consequente de estar no lugar errado, com exceção de sair de lá.

O brasileiro sabe ou não sabe votar? Quando você erra o caminho, você segue em frente até se jogar no abismo ou volta atrás e tenta outro? Por que é negado ao eleitor brasileiro aprender com o seu erro? Como remediá-los legitimamente sem um sistema de eleição que permita saber exatamente quem representa quem, por acaso o mesmo que mata naturalmente toda a roubalheira de campanha e evita que político ladrão volte a se candidatar com a máscara de outro colada à cara? Esse é o sistema em uso em todo o mundo que funciona. Se você nunca foi apresentado a ele, está sendo traído pelo seu jornal.

E o que dizer da falta de eleições primárias que libertem o eleitorado das escolhas de um cacique que só se tornou cacique porque se comprovou mais corrupto que os seus índios? Como sair do brejo sem conduzir o olhar do senso crítico da Nação sistematicamente PARA FORA dos mecanismos de autorreprodução dos nossos aleijões inscritos na Constituição?

Urna eletrônica? Um artigo contra. Um artigo a favor. Quando é impossível negar o dolo, o assunto torna-se “controvertido”. Jamais a receita alemã: transparência é o valor mais alto a ser extraído de toda eleição. Não se trata de saber se houve ou não houve fraude. O crime está em ver negado o único meio incontroverso de acabar com a dúvida.

E a educação, como melhorá-la partindo da premissa de que é proibido aferir o grau de educação do professor que, como não vê esse “direito” contestado, já trata de proibir que se meça o do aluno, que remeteria ao seu? E já que está proibido tocar na raiz da doença tão ululantemente óbvia do professorado e do resto do serviço público, tome séculos de discussão sobre currículos mais ou menos “progressistas” e sobre o sexo dos anjos.

Daí a quem nos diz que o remédio para todos os males dos que somos roubados com a lei é chamar a polícia, quando um ladrão romântico ainda insistir em roubar-nos também por fora da lei, não vai diferença nenhuma que faça mesmo diferença. Como não odiar os jornalismos que sobem nesses pedestais?

Como é certo que todo erro será petrificado e que as portas da reforma das leis só se abrirão uma ou duas vezes por século, se tanto; como o povo não existe enquanto instância legislativa nem para sugerir, nem para recusar, nem para alterar, seja para os políticos, seja para a imprensa; como será impossível aprender com os erros e reagir com bom senso ao que der e vier; como é mais fácil um raio cair duas vezes no mesmo lugar que revogar leis imbecis, venenosas ou necrosantes há séculos identificadas como tal, as leis brasileiras, mesmo nas raras vezes em que são bem-intencionadas, tendem a tentar antecipar cada reação possível a fatos que ainda não ocorreram e, portanto, a ir emparedando a vida, a liberdade individual e a liberdade econômica na vã esperança de passar ao largo do que virá para impedi-las de funcionar.

O Brasil tem de romper o seu compromisso com o erro. E a única instância do “Sistema” que pode fazê-lo é a imprensa, seja a que está aí, seja a que virá para ocupar esse espaço.”

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Realidade que se impõe, liderança que se coloca





“Realidade que se impõe, liderança que se coloca
      
Por Ana Carla Abrão

Evidências ainda mais contundentes em favor de uma urgente reforma na gestão de pessoas no setor público vieram à tona na última semana. No Estado, matéria de José Fucs trouxe dados compilados pelo Ministério da Economia que mostram a evolução das despesas de pessoal no serviço público federal nos últimos anos. Os números são mais uma prova de quanto a máquina pública no Brasil se descolou da realidade nacional e veio ocupando, com voracidade, espaço crescente nos orçamentos públicos.

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população. Mas ele está no topo do ranking dos que mais gastam com salários e benefícios de servidores. A despesa de pessoal supera os 10% do PIB nos cálculos do Banco Mundial (13,1% pelos cálculos da OCDE), número muito superior ao que gasta o setor público de outros países que empregam parcelas maiores da população como, por exemplo, o Reino Unido. Parte dessa evolução é explicada pela trajetória do salário médio no serviço público brasileiro, cujo crescimento nas últimas duas décadas traça uma trajetória muito distinta daquela observada no setor privado. Com isso, o setor público no Brasil não só se tornou uma proteção garantida contra o desemprego, fruto da estabilidade prevista na Constituição Federal, como também vem garantindo ganhos reais de salários desvinculados da realidade econômica e de eventuais aumentos de produtividade.

Essas distorções se refletem num contexto de gastos excessivos, baixíssimos resultados e numa crescente deterioração da máquina pública. Como consequência, e apesar da quantidade de recursos gastos, ocupamos posições vergonhosas nos rankings globais de avaliação da qualidade dos serviços públicos, ou de eficiência dos gastos, conforme publicações da OCDE.

Aos números antecipados pela matéria do Estado, juntaram-se outros igualmente importantes divulgados pelo Banco Mundial no relatório Gestão de Pessoas e Folha de Pagamento no Setor Público Brasileiro. As comparações internacionais ressaltam as distorções do nosso modelo de gestão de pessoas no setor público. Em uma comparação com 53 países, o prêmio salarial do setor público federal em relação ao setor privado desponta e atinge 96%. Com salários crescendo a uma taxa média de 2,9% real nos últimos dez anos, os gastos com salários e benefícios já somam 22% dos gastos primários do governo federal. Destaque para os gastos com pessoal do Judiciário, que atingiram 13,8% do total de gastos de pessoal de 2018, equivalente a 0,61% do PIB.

Mas continua sendo nos Estados que o tema das despesas de pessoal é mais crítico e urgente. Das 27 unidades federativas, nada menos do que 20 apresentaram atraso no pagamento de servidores efetivos ou terceirizados. Prova inquestionável do descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está cada vez mais claro que não há mais espaço para contabilidades criativas ou argumentos que colocam na dívida com a União a causa do atual colapso financeiro dos entes subnacionais. A situação é reflexo de aumentos salariais médios reais superiores a 4% ao ano entre 2003 e 2017. Os dados até 2014 são ainda mais impressionantes. O crescimento anual real atinge 5,4% o que, com o crescimento de quase 1% ao ano no número de servidores, elevaram as despesas de pessoal no Estados em 6,4% ao ano em termos reais nesse período.

A trajetória de crescimento – tanto de salários quanto de contingente de servidores – está assentada em leis de carreiras que se multiplicaram Brasil afora. São milhares de leis, espalhadas nos três níveis da federação, e que precisam ser racionalizadas, revistas e consolidadas. Sem uma profunda reforma dessas leis – e portanto do modelo atual de serviço público, Estados continuarão quebrando e o Brasil não conseguirá atender às demandas urgentes da população, que dirá avançar na direção de um país mais moderno, desenvolvido economicamente e justo do ponto de vista social.

É nessa agenda que, mais uma vez, o governador Eduardo Leite do Rio Grande do Sul sai na frente. Em um vídeo divulgado na internet no início da semana passada, antes mesmo que os novos números nos chocassem, o jovem governador se dirige aos servidores do seu Estado convidando-os ao debate e convocando-os para construírem juntos a reforma das suas carreiras.

Com transparência, coragem e liderança, Leite enfrenta a realidade que se impôs e dá o pontapé inicial de uma reforma que, se feita de forma profunda e estrutural, deverá devolver o Estado aos gaúchos, a necessária motivação aos servidores e, ao governo, as condições de administrar e atender à população.”

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O Nobel do encanador





“O Nobel do encanador
      
Por Pedro Fernando Nery

Ontem a franco-americana Esther Duflo se tornou a segunda mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, fazendo história também por conquistá-lo mais cedo que qualquer outro. Esther tem somente 46 anos, e desbancou a marca anterior do gigante Kenneth Arrow (51). Seu trabalho é bem introduzido por sua visão: a de que o economista tem de ser mais parecido com um encanador.

“O economista como encanador” é literalmente o título de um artigo e de uma palestra seus que resumem sua pesquisa e a de outro agraciado com o Nobel ontem, o indiano Abhijit Banerjee (um terceiro vencedor foi o americano Michael Kremer). O economista precisaria ter a atenção ao detalhe que o encanador tem. Teria menos que se perguntar “o que fazer”, e mais “como fazer”.

No lugar das grandes ideias e narrativas, avaliações e dados. O encanador é apontado por Esther como aquele que de fato instala o que é projetado pelo engenheiro, vê como está funcionando e ajusta para o uso. O encanador é a vida real, o pragmatismo e o pé no chão.

Os trabalhos de Esther e Banerjee são predominantemente avaliações de políticas públicas, de combate à pobreza. Há a cuidadosa análise do que funciona e do que não funciona. É o encanador quem tem o olho para as engrenagens e as juntas, e que vai solucionar os problemas difíceis de antecipar, que só se apresentam quando a água é ligada.

Esther Duflo e Abhijit Banerjee fizeram algo raro para economistas: fundaram um laboratório. É o J-LAB, um centro do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) dedicado ao combate à pobreza informado por evidências científicas.

A ênfase dos premiados não esteve imune a críticas: muitos consideram que a abordagem não consegue responder várias perguntas importantes, outros acham que o foco apequena a economia, que deveria ser área de ideias grandiosas.

Para estes, é de importância menor as perguntas que pesquisadores como Esther, Banerjee e Kremer se propõem a responder. Como incentivar os pais a vacinarem seus filhos? Qual a melhor forma de organizar alunos na sala de aula a fim de maximizar o aprendizado? Mosquiteiros contra a malária são mais usados quando comprados pelos pais ou dados de graça? Estes são alguns exemplos da linha premiada no Nobel (“abordagem experimental para aliviar a pobreza global”).

O Bolsa Família é talvez o melhor exemplo no Brasil de política de encanador: de ótima relação custo-efetividade, cautelosamente avaliado e aprimorado com atenção ao detalhe (no limite das restrições políticas). Marcos Lisboa é um exemplo de quem tem como bandeira o economista como encanador.

Um exemplo da resistência é a que o próprio Lisboa enfrentava quando implantava o Bolsa Família. Pela ênfase na focalização, foi chamado de “débil mental” por Maria da Conceição Tavares, professora titular da Unicamp. Fica claro que a lógica do encanador rivaliza com a de um “plano nacional de desenvolvimento” (também conhecido como plano infalível do Cebolinha).

Na coluna da semana passada, tratamos do que seria a evolução natural do Bolsa Família: o benefício universal infantil, baseado em conjunto de dados sobre a cobertura do Bolsa e de outras políticas públicas, estudos sobre seus efeitos, e em aspectos práticos como o estigma da atual política. Isso é “como fazer”.

Esse é um exemplo da abordagem do encanador para política pública, com atenção para o detalhe. Um exemplo contrário, com atenção para a narrativa, típico do que temos chamado na coluna de lacroeconomia, é do Projeto de Lei 5.491. O novíssimo projeto do PSOL foi assim resumido por um assistente técnico do partido: “obriga o Estado a garantir desemprego involuntário ZERO”. Pela descrição formal, “institui o Fundo de Garantia do Emprego para assegurar o pleno emprego com estabilidade de preços e redução das desigualdades, bem como o desenvolvimento econômico, social e ambiental”. Isso é “o que fazer”, não “como fazer”.

No “como fazer”, o economista encanador vai achar vazamentos em leis, jurisprudência, trâmites orçamentários, realidade política, psicologia humana. E vai propor soluções.

Mas na política pública no Brasil ainda detestamos o “como fazer”. Gritamos nenhum direito a menos quando confrontados com um Estado que gasta R$ 1 trilhão por ano com Previdência em um país jovem. Achamos linda uma legislação trabalhista que multidões de trabalhadores miseráveis não consegue acessar. Preterimos na educação a fase da vida de maior neuroplasticidade, a primeira infância, mas brilhamos os olhos quando gastamos bilhões em um futurista acelerador de partículas entre Itu e Jaguariúna. Em vez de incentivar uma prática orçamentária que obrigue a confrontação de privilégios, preferimos gastar sem teto. Mais Esther, por favor.”

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Crianças: a derrota de 88





“Crianças: a derrota de 88
      
Por Pedro Fernando Nery

No dia 5 de outubro, comemoramos o aniversário da Constituição de 1988. No dia 12 de outubro, o Dia das Crianças, o Brasil tem pouco a comemorar. Apesar de já gastarmos mais de R$ 1 trilhão por ano com a Seguridade Social da Constituição, mais de 40% de nossas crianças vivem abaixo da linha da pobreza. As reformas no texto constitucional, pretensamente a Carta Cidadã, são um imperativo para atender a esse público.

Há duas formas de levar renda às famílias com crianças. Pelo mercado de trabalho, esbarramos na alta taxa de desemprego e informalidade, cronicamente elevada para os adultos jovens, tipicamente os pais com quem residem as crianças na pobreza (frequentemente, só a mãe). A reforma trabalhista quebrou barreiras para a inserção desse grupo, que prescinde também do próprio crescimento econômico.

Pelas transferências de renda, esbarramos no alto gasto da Seguridade destinado a grupos de mais idade e de maior renda: são os gastos previdenciários, que além de altos são crescentes e obrigatórios. Eles ocupam espaço de políticas como o Bolsa Família, uma despesa facultativa (discricionária) que pode ser extinta por simples medida provisória (não é protegida pela Constituição). A reforma da Previdência controla o crescimento do gasto previdenciário, contribuindo também para juros e carga tributárias mais amigáveis ao emprego.

Para aproximar o dia 12 de outubro do dia 5 de outubro é preciso mais. A continuação da reforma da Previdência – a PEC Paralela – insere a criança na Seguridade Social da Constituição. A PEC com o novo artigo foi aprovada na Comissão de Constituição de Justiça do Senado a partir de emenda do senador Alessandro Vieira acatada pelo relator da reforma, senador Tasso Jereissati. Na tramitação da Câmara, emenda similar foi apresentada pelos deputados Tabata Amaral, Felipe Rigoni, Paula Belmonte e Pedro Cunha Lima.

O novo artigo constitucionaliza a proteção à criança, evitando a exploração político-eleitoral do Bolsa Família, tornando-o despesa obrigatória e impedindo que seus valores sejam reduzidos pela inflação. Estudo recente do Ipea e do PNUD indica que apesar de seu baixo custo (menos de 0,5% do PIB), o Bolsa foi responsável por 10% da redução da desigualdade entre 2001 e 2015 e por aliviar a pobreza de milhões.

A PEC Paralela também convida nova prestação às crianças na primeira infância, a quem o Estado negligencia políticas básicas como creche ou saneamento. O trabalho do Prêmio Nobel James Heckman indica que o gasto público nessa faixa etária tem retorno para a sociedade de 13% ao ano. A continuação da reforma da Previdência também orienta políticas de emprego voltadas aos pais dessas crianças.

Uma outra proposta, complementar, ganhou evidências nos últimos dias: o benefício universal infantil. Sugerida por pesquisadores do Ipea, Sergei Soares a frente, ela exige emenda à Constituição. Para garantir um benefício a todas as famílias com crianças, como existe nos países ricos, sem aumentar o endividamento público, seria necessário fundir o Bolsa Família com o abono salarial e o salário-família (além de restringir as deduções para dependentes no imposto de renda).

Nas estimativas de Soares e equipe, a pobreza infantil poderia cair 30% com um benefício universal, quase fiscalmente neutro, principalmente por conta do ganho de cobertura (já que os valores básicos seriam os mesmos dos benefícios do Bolsa). Proposta de emenda à PEC Paralela prevendo o benefício universal infantil foi apresentada pelo senador Jayme Campos.

O leitor pode ter dúvidas sobre o benefício ser universal, afetando inclusive crianças ricas, mas há bons motivos para que o seja. Primeiro porque pode reduzir o subsídio aos mais bem posicionados na distribuição, que já contariam com o seu Bolsa Família: a dedução do IR, afetada pela proposta. Segundo porque facilitaria a criação de uma coalizão de apoio à implementação e manutenção do benefício.

Em terceiro lugar, porque a pobreza é para muitos uma condição intermitente: o entra e sai na miséria não é bem absorvido nas linhas rígidas do Bolsa Família. Em quarto lugar porque a pobreza é concentrada nas famílias com crianças e mesmo universal o benefício seria na prática progressivo.

Mas o ponto mais inteligente do benefício universal infantil é evitar os estigmas que uma política só para pobres enfrenta. Criar e ampliar o benefício universal infantil pode ser mais fácil do que tem sido fortalecer o Bolsa Família: há pouco tempo havia aqueles que defendiam a laqueadura como condicionante para recebe-lo. Os pobres seriam os mais beneficiados pelo benefício, que não seria um benefício para pobres.”

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

As desventuras de uma imprensa sem povo





“As desventuras de uma imprensa sem povo
     
Por Fernão Lara Mesquita

É claro que cada um tem a sua própria medida de tolerância. Mas se não pelo coletivo, ele mesmo, que é uma entidade autônoma com comportamento independente dos indivíduos que o compõem, certamente para os interlocutores da multidão que vivem de voto ainda é a imprensa, mais que qualquer outra força, que pauta todas as instâncias do “Sistema”, do vereador ao ministro do STF, sobre quais os assuntos que ele está ou não obrigado a tratar com prioridade e dentro de quais limites.

A quebra do paradigma tecnológico reduziu substancialmente a barreira de acesso a esse poder. A democratização da disponibilização de recursos gráficos e audiovisuais de qualidade para a produção de conteúdos com alcance planetário nas redes sociais multiplicou exponencialmente a quantidade de gente capaz de fazer barulho à primeira vista aparentado com jornalismo. Mas mais cedo do que tarde o mero fazedor de barulho terá a sua militância identificada como o que é.

As condições mínimas para ser acatado como uma instituição da República – o “4.º Poder” sem o qual não existe democracia – continuam as mesmas de sempre: estar equipado para cobrir em primeira mão os assuntos que serão a matéria-prima do debate político nacional respeitando um código de ética para o tratamento das controvérsias de todos conhecido, e ser “eleito” por um grupo numérica ou sociologicamente significativo da sociedade em que atua, o que não se consegue sem ter clareza bastante no seu tão inevitável quanto desejável posicionamento ideológico para que todo leitor/espectador saiba como se posicionar em relação a ele para amá-lo ou para odiá-lo.

A “isenção”, extensamente marketizada no Brasil do século passado, não sendo humana, é sempre fake. O registro burocrático do “outro lado” é nada menos que uma falsificação quando, como quase sempre, há desproporção na exposição de cada um. E justapor opiniões “contra” e “a favor”, mais frequentemente do que não, ou é um artifício silogístico para furar o viés editorial oficialmente adotado por um veículo “com dono jornalista”, coisa raríssima no Brasil de hoje em dia, ou um meio para pôr alguma coisa sob suspeita sem assumir essa atitude. Nenhum desses expedientes tem qualquer coisa a ver com um esforço genuinamente jornalístico de apuração e busca da verdade, que é coisa que não se afere pelo resultado que possa dar, mas pela trajetória percorrida pela reportagem, que deve ser relatada com minúcia suficiente para convencer o leitor/espectador de que de fato foi feito.

As regras que balizam o 4.º Poder estão entre aquelas não escritas do jogo democrático reconhecidas tanto por quem sabe quanto por quem não sabe descrevê-las verbalmente, e que por isso mesmo têm infinitamente mais força que todas as que são escrevinhadas ou gritadas por aí para tentar anulá-las. E é exatamente pela força que tem o “4.º Poder” que há tanta gente empenhada em falsificá-lo e até manuais de conquista do poder através da sistematização cientificamente orientada dessa falsificação como são o de Antonio Gramsci e as novas técnicas de algoritimização do endereçamento da mentira.

No Brasil de hoje é fácil identificar, entre os principais veículos de imprensa escrita, falada, televisiva ou de internet, 1) os que olham o País, seja com os olhos da esquerda, seja com os olhos da direita da “privilegiatura”, entendida como o restrito grupo legal e constitucionalmente credenciado para disputar o poder e o pequeno exército que, uma vez “lá”, ele unge com a dispensa de segurar o emprego e disputar a ascensão nas carreiras com a entrega de resultados e com o “direito adquirido” de se apropriar de metade da renda nacional sem dar nada em troca para a coletividade; 2) os que, no esforço para permanecer “no meio”, atrelam o seu olhar às instituições... que criaram a “privilegiatura”, que continuará onde está enquanto elas “estiverem funcionando”; 3) os que tudo referem a uma abordagem policialesca focada exclusivamente nos efeitos, e não nas causas dos aleijões institucionais brasileiros; e 4) quem faça tudo isso no todo ou em parte numa linguagem mais culta ou vazada em tons variados de um “populismo jornalístico” que ecoa, contra ou a favor, os populismos que se alternam no poder.

Assim, a imprensa acaba, inevitavelmente, ficando cínica como os “lados” a que se atrela, ou alienada, quando não insuportavelmente injusta como são as “instituições que funcionam”, ou ainda superficial e perigosamente jacobina como poderá ser também qualquer dos lados que “apropriar-se” do Poder Judiciário. É por isso que a imprensa inteira está hoje na mesma cesta do resto do País Oficial onde o País Real, com o justo rancor dos traídos, a vê.

O anti-intelectualismo que, com um século de atraso como tudo o mais, tem a sua versão brasileira, não é, como alguns querem fazer crer, uma atitude gratuita de inimigos de nascença da cultura, é uma resposta ao elitismo europeu; mais precisamente a rejeição da tentativa de desclassificação do senso comum como ferramenta competente de solução de problemas da comunidade. Ou, em outra formulação mais chã, uma reação à exclusão da comunidade da solução dos problemas da comunidade; um basta à busca a esta altura nada menos que hipócrita de uma elite alienada por respostas exclusivamente onde há cinco séculos, 19 anos e 10 meses o País Real mais a torcida do Corinthians estão carecas de saber que elas não estão.

É preciso começar tudo de novo. No Brasil tudo está em aberto. As instituições estarem funcionando não é a solução, é o problema. Ainda está por ocorrer o ato fundador da sociedade democrática brasileira. E a imprensa só encontrará um tom digno do papel do jornalismo numa democracia; a imprensa só se tornará inteligível para o Brasil Real – a única condição da sua sobrevivência – se e quando partir do elemento essencial do drama brasileiro que é, em pleno 3.º Milênio, sermos ainda uma sociedade feudal onde as linhas divisórias não são de classe, na horizontal, são de casta, na vertical.”