“O nome em vão
POR MERVAL PEREIRA
Nunca esteve tão em moda a frase do escritor e pensador
inglês Samuel Johnson, que, escrita no século XVIII, sobreviveu ao tempo,
ganhando um significado mais amplo, terrivelmente atual: “O patriotismo é o
ultimo refúgio dos canalhas”.
Referia-se ao partido Patriotas de então, que, para Johnson,
estava sendo dominado por políticos oportunistas. O patriotismo tornou-se, ao
longo da História, instrumento político de autocratas e populistas, de esquerda
e de direita, fazendo jus à ampliação do sentido da frase do pensador inglês.
Os discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados
Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, utilizaram-se do termo para defender a
tese mais cara aos dois e a vários líderes autoritários espalhados pelo mundo.
São os “soberanistas”, que, em nome do patriotismo, vêem em políticas globais
coordenadas por órgãos multilaterais como a ONU tentativas de limitar a
soberania das Nações.
As críticas
internacionais à política ambientalista de Bolsonaro foram aproveitadas para
exacerbar o sentimento patriótico dos brasileiros, ameaçados que estaríamos por
países europeus de olho na internacionalização da Amazônia.
O presidente francês Emmanuel Macron caiu na besteira de
fazer um gesto demagógico aos eleitores ecológicos, abordando essa ideia como
uma possibilidade de resolver as questões ambientais naquela região, e provocou
a ira de Bolsonaro e da ala militar nacionalista.
Mereceu as críticas, mas não as ofensas, inclusive pessoais.
Fosse um político habilidoso, e não o que vive de confrontos, e quisesse
realmente enfrentar a questão ambiental com visão contemporânea, Bolsonaro
poderia ter dado uma resposta ao colega francês que o obrigaria a desculpar-se,
fazendo desse episódio uma oportunidade de se impor no cenário internacional.
Ao contrário, preferiu apelar para o patriotismo e aliar-se
a minoritários líderes de direita e extrema-direita, na vã esperança de que a
tese de Steve Bannon e Olavo de Carvalho esteja certa, e que os “soberanistas”
prevalecerão no final das contas.
Vários deles estão ficando pelo caminho, e se Donald Trump
for derrotado no ano que vem, o projeto vai por água abaixo. Inclusive o de
Bolsonaro.
Para nenhuma surpresa, o presidente Donald Trump voltou a
defender o isolacionismo, justamente no palco de uma organização que trabalha
para dar um sentido de unidade a um mundo cada vez mais interligado. “O futuro
não pertence aos globalistas, e sim aos patriotas”, afirmou.
“Globalismo” é como os isolacionistas chamam a globalização,
que consideram um movimento esquerdista que tem que ser combatido. O próprio
Bolsonaro em seu discurso cravou palavras duras contra valores que considera
pervertidos por uma ação coordenada ideológica de esquerda: “a célula mater de
qualquer sociedade saudável, a família”; “a inocência de nossas crianças,
pervertendo até a identidade mais básica e elementar, a biológica” e até mesmo
“a alma humana, para expulsar dela Deus”.
Sendo Bolsonaro, alinhou-se a regimes retrógrados e líderes
autoritários. Criticando a mídia internacional, como faz com a brasileira,
aliou-se a autocratas como ele, que não conseguem conviver com críticas. O
publisher do The New YorK Times A G Sulzberger, em artigo publicado dias atrás,
trata dessa postura de dirigentes autocratas tentando desacreditar a imprensa
independente, a começar pelo presidente dos Estados Unidos, que inventou para
isso as “fake news”, expressão que tem servido a autocratas em redor do mundo
para rebater críticas.
Entre os extremistas, Sulzberger cita o primeiro-ministro
Viktor Orbán, da Hungria, os presidentes Recep Erdogan, na Turquia, Nicolas
Maduro, da Venezuela, Rodrigo Duterte, das Filipinas, e Jair Bolsonaro.
Num momento em que Portugal virou um porto seguro para os
brasileiros que querem e podem sair do país em busca de um futuro melhor, é sempre
bom lembrar que o ditador Salazar, nos anos setenta, pressionado por Portugal
ainda ter colônias, cunhou um lema: “Orgulhosamente sós”.
Desse modo, Chico Buarque vai acabar acertando, quando
previu em Fado Tropical “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ainda vai
tornar-se um imenso Portugal”. Só que do tempo de Salazar.”
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