“Um grande banco de dados... e riscos
Por Silvio Meira
O governo federal fará mais uma tentativa de criar um
repositório único de informação sobre os brasileiros, o Cadastro Base do
Cidadão (CBC) . A ideia é “aumentar a confiabilidade dos cadastros de cidadãos
existentes na administração pública”, através de um “meio unificado de
identificação do cidadão para a prestação de serviços públicos”. Pode até
diminuir o caos que hoje é a gestão do ciclo de vida de informação cidadã pelo
governo. Mas o decreto que cria o CBC só trata da administração federal e o
caos nos Estados e municípios é garantido.
Inicialmente, a base de dados será composta de dados
biográficos como, por exemplo, o CPF, nome, data de nascimento, sexo, filiação,
endereço e dados biométricos
Inicialmente, a base de dados será composta de dados
biográficos como, por exemplo, o CPF, nome, data de nascimento, sexo, filiação,
endereço e dados biométricos
O decreto 10.046, de 9/10/2019, diz que o CBC deverá
consolidar atributos biográficos, cadastrais e biométricos. São
“características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa para
reconhecimento automatizado, tais como a palma da mão, digitais, voz e maneira
de andar”.
Aí é onde mora o perigo. Se estivéssemos numa sociedade da
informação (estamos quase lá), onde o acesso a serviços essenciais fosse
mediado por identificação e informação digital, um sistema nacional e único de
gestão de informação pessoal seria a base de uma plataforma digital de governo
que poderia, de mais de uma forma, definir a sociedade. E os tipos de
comportamento que seriam induzidos, talvez até possíveis, lá. Quer dizer, aqui,
se a plataforma tratasse de nós, brasileiros.
Perguntar “qual é o impacto das plataformas digitais na
sociedade” ignora o fato que as plataformas digitais (como WeChat e WhatsApp)
já são sociedades onde se vive de forma cada vez mais intensa. A separação
entre a vida online e a offline (ainda chamada de real) acabou. Agora estamos
“onlife”, como defende Floridi.
Em lugares como a China, isso já é verdade em partes. Se
está para ser aqui no Brasil, será que não é demais a administração federal ter
e guardar dados como nossa voz e forma de andar? Claro, esses dados podem ser
fundamentais para identificar foras da lei. E há um argumento (falacioso) de
que quem nada deve, nada precisa esconder.
A humanidade foi construída sobre o princípio de que lembrar
é mais difícil do que esquecer. De repente, a tecnologia criou algo novo: a
incapacidade de esquecer. Quando isso é decretado sobre países e o andar de
todas as pessoas fica registrado numa base de dados, dessas que sempre vazam,
quem, além do governo, pode achar você, onde estiver, para fazer o que quiser?
Num País onde o STF julga até o furto de um par de chinelos,
considerando os riscos de tanta informação de posse do governo, será que o
Tribunal não deveria decidir sobre que dados o Estado precisa para prestar
serviços de interesse público e limitar seu alcance informacional ao mínimo
possível, protegendo a cidadania?”
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