“Dá para fazer
Por José Serra
Nunca é demais insistir na importância de retomar o
crescimento econômico sustentado para aumentar o bem-estar social. Mas sem uma
estratégia de país, como argumentou Celso Lafer em seu último artigo nesta
página, não se vai muito longe. Isso envolve a fixação de objetivos que deem
continuidade aos avanços das últimas décadas, enquanto o crescimento econômico
não vem. Os ganhadores do Nobel nos ensinam que é possível melhorar muito a
qualidade de vida das pessoas avaliando políticas públicas e apostando nas mais
efetivas.
Entre os anos 1940 e os anos 1980, o Brasil crescia a uma
média anual de 7% acima da inflação. Nos quatro decênios posteriores, a média
caiu a menos de um terço desse ritmo. Para ter claro, o PIB brasileiro dobrava
a cada dez anos, entre a década de 40 e a de 80, e passou a crescer pouco mais
de 20% por década entre os anos 1980 e 2019. O PIB per capita, por sua vez, que
avançava a 4,2% ao ano no primeiro período, passou a crescer abaixo de 1%.
A desaceleração da economia brasileira tem raízes profundas.
Cometemos erros sistêmicos que deixaram o Brasil à margem do processo de
desenvolvimento observado em outros países emergentes, como a Coreia do Sul.
Lá, investe-se pesadamente em educação desde os anos 1980. Nós seguimos pouco
integrados à economia mundial e temos deixado a indústria de transformação
perder cada vez mais participação no PIB. Desemprego e ociosidade altos
combinados com inflação baixa são os mais claros sinais de que o motor não vai
bem.
Mas houve avanços, de 1980 para cá, apesar da forte
desaceleração do PIB. Fizemos a transição de uma ditadura para um regime
democrático, aprovamos a Constituição de 1988, tiramos do papel o Sistema Único
de Saúde – universal e integral –, garantimos o acesso de milhões de
brasileiros à escola, debelamos a superinflação, por meio do Plano Real, e
avançamos bastante na gestão dos recursos públicos.
O desafio que se coloca agora ao País tem duas grandes
dimensões: retomar o crescimento e seguir avançando na agenda social. Banerjee,
Duflo e Kremer, vencedores do Prêmio Nobel de Economia deste ano, defendem o
aumento de recursos para políticas públicas voltadas aos mais pobres,
combinadas a avaliações de sua efetividade, isto é, do resultado gerado.
Em entrevista concedida no dia 14 de outubro ao Estadão, o
professor do Insper Naércio Menezes Filho explica os achados dos três
pesquisadores. Utilizando método similar ao que é aplicado nos experimentos de
Biologia ou Física, criam-se grupos de controle para observar, seguindo
critérios de aleatoriedade, os efeitos de determinada política pública. Naércio
dá um exemplo: “É possível avaliar se um programa de desparasitação
(distribuição de um medicamento eficaz contra um ou vários parasitas), por
exemplo, tem impacto na saúde das crianças e no seu desempenho escolar”.
Os ganhos dessas inovações poderão ser enormes para as
políticas públicas mundo afora. O Brasil, por exemplo, adotou uma série de
ações, como o programa de medicamentos genéricos, na minha gestão no Ministério
da Saúde, ou mesmo o Saúde da Família, que poderiam passar a ser avaliadas por
meio dessas novas técnicas. O ganho seria o de adotar critérios baseados em
evidência empírica para decidir sobre o aumento de recursos a uma política com
alto grau de efetividade, de resultado, e o corte de dinheiro de uma ação que
gera pouco ou nenhum efeito na vida das pessoas.
Naércio afirma ao repórter do Estado que, “quando se olha
para os últimos 30 anos, dá para perceber que o Brasil progrediu muito. As
pessoas que nasciam pobres não tinham uma esperança na vida. Hoje, mesmo com a
crise econômica, não se vê mais tantas pessoas migrando para as cidades mais
ricas ou um grande volume de gente passando fome”.
De fato, é possível melhorar muito a vida das pessoas
aprimorando políticas públicas existentes e aumentando os recursos para ações
voltadas à redução da pobreza, da mortalidade infantil, dentre outras tantas
áreas. Falo por experiência prática, tanto na Prefeitura quanto no governo do
Estado ou nos cargos que ocupei no Executivo federal.
Lembro-me de como a dra. Zilda Arns, por exemplo, fazia
verdadeiros milagres com pouquíssimos recursos, no âmbito da Pastoral da
Criança. As ações continuaram e foram ampliadas. Baseiam-se em visitas às
famílias, orientação sobre higiene e nutrição. Gestos simples, como lavar as
mãos antes de lidar com o bebê, podem evitar um sem número de doenças. Numa
entrevista ao Roda Viva, em 2001, a dra. Zilda disse que gastava apenas R$ 0,86
por criança ao mês. Em valores atuais, estamos falando de R$ 2,48.
Minha ideia não é deixar em segundo plano as ações
macrofiscais, mas caminhar mais rapidamente, em paralelo, naquilo que está às
mãos do governo e do Congresso, desde já. O crescimento econômico está se
recuperando, mas ainda muito lentamente. Não podemos apenas cruzar os braços e
esperar que os juros mais baixos impulsionem o consumo e os investimentos.
Há ações baratas ou sem custo que poderiam render aumento
expressivo do bem-estar social, sobretudo aos mais pobres, que mais dependem do
Estado. Realocar recursos de ações pouco efetivas para políticas públicas com
bons resultados é uma das maneiras de fazer isso. Como exemplo, cito o projeto
de lei que apresentei recentemente no Senado para estimular a educação superior
a partir de uma reserva financeira criada pelo Estado para todas as crianças
nascidas em famílias pobres.
Deveríamos, o quanto antes, seguir o norte apontado pelos
ganhadores do Nobel de Economia. Para isso, trata-se de aprender com o que já
foi feito no passado, sobretudo desde a Constituição de 1988, adotar práticas
de avaliação de revisão periódica dos gastos públicos e aprender com o que há
de melhor na academia, transformando ideias em políticas públicas. Dá para
fazer.”
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