“Bolsonaro, o PT e a corrupção
Por José Nêumanne
Em janeiro de 2018 correria o risco de ser vaiado ou
ridicularizado quem fizesse qualquer prognóstico de eventual ascensão política
do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro além dos horizontes do
baixíssimo clero, em que ele se encastelava no gabinete de deputado federal.
Nem sequer se pensava em hostilizá-lo, tão insignificantes eram a personagem e
suas causas esdrúxulas: a nostalgia do regime militar, a exaltação da ditadura
e a veneração a torturadores notórios, caso do coronel Brilhante Ustra.
Mas as velhas raposas das organizações partidárias, algumas
das quais dedicadas explicitamente ao crime, caso das que partilharam o butim da
roubalheira dos desgovernos do PT e do MDB ou do PSDB, que fazia oposição de
fancaria em troca de gordas propinas. A arapuca foi armada, pois todos os
candidatos dos maiores partidos eram suspeitos, acusados e condenados por
participação no petrolão. Restaram somente figuras folclóricas, como o
ex-oficial e o cabo bombeiro Daciolo, surgindo praticamente do nada para a
glória pela falta de opções. Deu-se o inesperado: o tosco sobrevivente das
casernas venceu a disputa contra o patrono do assalto ao erário pelo voto,
Lula, que disputou e perdeu o pleito usando o codinome Fernando Haddad nas
urnas eletrônicas.
As insignificantes manifestações pela volta do regime
autoritário nos protestos de rua de 2013, iniciadas com a reivindicação da
retirada das catracas dos coletivos e concluída com o impeachment da preposta
anterior, Dilma Rousseff, deram o sinal de reunir. A ausência de um candidato
das siglas da politicagem tradicional que não fosse citado numa delação
premiada engrossou o caldo com duas manifestações de peso da massa traída pela
compra e venda dos valores republicanos. O fã da luta contra a corrupção,
encarnado no então juiz Moro e nos procuradores de operações como a Lava Jato,
votou tapando o nariz. Mas votou. E sem registro na Justiça Eleitoral, o ódio
difuso ao Partido dos Trabalhadores (PT) cedeu a melhor bandeira.
Os louvores do candidato que sobrou com ficha limpa no
mensalão ao chefão da operação de transferência do patrimônio da maior estatal,
a Petrobrás, para os lucros dos empresários, particularmente empreiteiros, e
militantes dos partidos da partilha de poder, Lula, foram esquecidos em nome da
causa comum. Nem mesmo o entusiasmo tornado público de Bolsonaro pelo compadre
do petista, Hugo Chávez, foi levado em conta na hora de optar pela vitória de
um candidato capaz de exterminar o PT e prender os larápios. O maior engano foi
desprezar o poder do Congresso, que absorveu o impacto da fúria popular com a
eleição proporcional de deputados. E desprezar o poder nada moderador do
Judiciário.
Assim que assumiu, o “Mito” deu a primeira demonstração
tácita de não ser tão infenso à sedução dos confortos do que ele chamava de
“velha política”, como sonhavam seus devotos. Nomeou para a Advocacia-Geral da
União (AGU) um funcionário da repartição moldado à sombra do ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), na velha escola patrimonial que os
petistas aprenderam bem com os coronéis da Velha República. Como o padrinho
nunca teve outro patrão em toda sua vida de advogado que não fosse o PT ou um
figurão do PT, o servil André Mendonça subiu degrau por degrau a carreira de
advogado-geral da União como se fosse desde sempre rábula à mão do chefão de
plantão.
No caso, tornou obsoleta a fábula do fâmulo proibido de
servir a dois senhores. No gabinete vizinho ao presidencial, o AGU emprestou
seu precário latim para dar foros de bom direito a iniciativas do padrinho no
lado oposto da Praça dos Três Poderes. Aprovou o decreto infame da dupla Dias
Toffoli e Alexandre de Moraes para perseguir críticos de ministros do STF,
parentes e aderentes e censurar a Crusoé, e o banquete de vinhos três vezes
premiados e medalhões de lagosta.
Depois que o primeiro paraninfo proibiu o Ministério Público
do Rio de Janeiro de investigar o primogênito do atual senhor, Mendonça
protagoniza a lisonja pelo avesso, em que o chefe adula o subordinado, e não o
oposto. O presidente disse que o STF precisa de um ministro “terrivelmente evangélico”
e Mendonça, valete de sua tropa, preenche tal requisito. É pastor
presbiteriano, despreza a evolução das espécies de Darwin e bajula seus
superiores generosamente: Lula no passado e Bolsonaro pelo menos até 2020,
quando este o indicar para o almejado posto ora ocupado por Celso de Mello.
Afinal, a gratidão do chefe atual é tal que já assegurou que se trata de alguém
mais “supremável” do que Sergio Moro, titã do combate à corrupção, adorado pelo
povo.
É chegada, pois, a hora de enfrentar a evidência de que a
permanência de Moro no Ministério da Justiça pode ser atenuante para o fato de
Bolsonaro não estar nem aí para corresponder à expectativa de que na
Presidência combateria a corrupção. Um leitor apressado de Nicolau Maquiavel
dirá que o ex-juiz no Ministério da Justiça, sem perspectivas de seu projeto
anticrime ser aprovado no Congresso, representa ínfima ameaça aos barões da
Corte da Corrupção nesta triste República. Mormente enquanto Gustavo Aras
despachar no principal gabinete da Procuradoria-Geral da República.
Aras é filho de Roque, que nasceu na política pelas mãos de
um ícone da esquerda, Chico Pinto, condenado e preso pela Justiça Militar na
ditadura. E daí? Juram que o referido prócer, na verdade, foi um delator de
companheiros de esquerda, sabe-se lá a troco de que prêmio. Além do mais, o
maior ícone da direita brasileira, Lacerda, reunia em seu prenome homenagens a
Karl Marx e Friederich Engels, Carlos Frederico. Aras não está na luta para
honrar o pai. Mas para punir procuradores da Lava Jato. O que vier a acontecer
depois de publicadas estas linhas confirmará o que escrevo. O que de nada nos
servirá de conforto. Quem viver verá.”
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