“Retrocessos
Por Ana Carla Abrão
Quando o assunto é equilíbrio fiscal a história mostra que
uma vez perdido o eixo, os problemas vêm em cascata – e crescem de forma
exponencial com o tempo. Além disso, assim como é muito difícil consertar, é
extremamente fácil estragar. Ao contrário do que acontece em outros países do
mundo, nossa institucionalidade ainda é frágil e não consegue evitar pioras ou
retrocessos, muitos deles visíveis apenas para os olhares atentos, pois seus
impactos negativos só vão se materializar à frente.
O Espírito Santo, sob a gestão de Paulo Hartung, tornou-se
exemplo de equilíbrio fiscal e eliminou de vez a falsa dicotomia entre gestão
fiscal responsável e conquistas sociais. Juntamente com a única nota A do
Tesouro Nacional, veio também o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb). O Estado, que ocupava a 14.ª colocação em 2014, alavancou
a qualidade da educação básica capixaba graças ao Programa Escola Viva,
bandeira de campanha do então candidato a governador. A primeira unidade foi
implantada na Grande São Pedro, região de grande vulnerabilidade social de
Vitória, já em 2015. Escola em tempo integral com foco no aluno, na Escola
Viva, a evasão escolar é menor e a aprovação maior. Não por coincidência, os
resultados vieram. No ensino superior, por outro lado, foram as bolsas de
estudo que permitiram o acesso de jovens carentes a universidades privadas, sem
o peso (e o custo) de se gerir diretamente uma universidade pública (ensino
superior, lembremos, é responsabilidade do governo federal). Na saúde, as
Organizações Sociais foram a base que permitiu a expansão do atendimento médico
de qualidade pelo interior do Estado, reduzindo a dependência de deslocamentos
para a capital.
Mas foi na segurança pública que o Espírito Santo de Paulo
Hartung enfrentou seu mais complexo desafio. O governador não cedeu diante de
uma greve policial. As greves nas atividades primordiais se consagraram País
afora com o mecanismo criminoso de se conseguir aumentos salariais. Com esse
objetivo, a falência do Estado não conta e aumentos são concedidos ao arrepio
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas o então governador do Espírito Santo
não cedeu; o STF declarou a greve ilegal e o Ministério Público moveu uma ação
responsabilizando as associações que representam os policiais para que
ressarcissem o prejuízo gerado pela greve. Policiais grevistas foram punidos e
o Estado continuou na sua trajetória de reequilíbrio das contas, reduzindo o
comprometimento da receita com despesa de pessoal e cumprindo a LRF.
Mas o Espírito Santo de hoje é outro. A nova gestão ameaça
fechar as Escolas Vivas sob alegação de que são muito caras. Ao mesmo tempo,
anuncia a criação de uma universidade estadual que, sabemos, se presta mais à
politicagem do que à educação. Se o foco é permitir o acesso da população jovem
a um curso superior, que se aumente as bolsas, ação muito mais eficaz e mais
zelosa com os recursos públicos. No limite, que se transfira recursos para
universidades federais, que estão sucumbindo com seus orçamentos totalmente
comprometidos com salários – destino inequívoco da tal universidade estadual,
caso a ideia venha a vingar. Na saúde, uma fundação pública de direito privado
foi criada, em projeto que tramitou em regime de urgência na Assembleia, para
administrar os hospitais estaduais, inclusive com responsabilidade sobre
compras e licitações. É a contramão do que se fez com sucesso no passado
recente e que se deveria ampliar, que é a administração privada já consagrada e
a redução do Estado, foco sabido de ineficiência e corrupção.
No caso dos policiais, o retrocesso foi ainda mais grave. O
governo propôs e aprovou anistia aos policiais militares punidos ou processados
administrativamente por envolvimento na greve e jogou por terra o efeito
disciplinador de um episódio tão duro da história recente capixaba. A população
foi usada como refém numa luta sindical, mas, ainda assim, governador e Legislativo
local acharam por bem isentar de responsabilidade os 2.622 militares que
respondiam a processos administrativos e os 23 que foram expulsos. E ainda lhes
premiaram com o pagamento retroativo de seus salários.
As ações recentes não chegam a surpreender. Basta resgatar
as declarações do secretário de Fazenda do governo Casagrande, no início do
ano, em que a ideia da LRF estadual, elaborada pelo governo anterior, foi
classificada de armadilha. Pelo visto não entendem que a institucionalização da
responsabilidade fiscal é uma ferramenta de consistência e perenidade das boas
políticas de Estado. Afinal, é isso que garante que o cidadão possa colher os
frutos do avanço em vez de ter de pagar o custo dos retrocessos.”
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