“Não há como tirar as crianças da sala
Por Fernando Gabeira
Na semana passada, escrevi um artigo sobre o Supremo. As
coisas de sempre, bloqueio de investigações financeiras, o flerte com o
autoritarismo. Mas, com tanto problema interno no Brasil, deixei de lado algo
que talvez possa contribuir: a passagem de Greta Thunberg pela ONU e as reações
que ela suscitou no Brasil.
Muitos estranharam o fervor da adolescente. Mas ela vem de
uma cultura em que, apesar do grande avanço material, a religião ainda tem um
peso. A religião é um dos temas resilientes. Ela nunca desaparece, comunistas e
liberais são constantemente apontados como adeptos de uma religião secular.
Isso é secundário diante do agravamento da crise ambiental.
Ela não só está produzindo personalidades como Greta, mas influencia também as
crianças do mundo inteiro. As praias de Alagoas, depois do vazamento de óleo,
foram limpas por crianças de escolas primárias, e seu discurso era bastante
consciente da gravidade do problema.
Adultos costumam se irritar com a precocidade política.
Esquecem, no entanto, que estão diante de um tema singular, diferente dos
outros. Crianças o tomam como seu porque entendem que o próprio destino está em
jogo. Têm, portanto, legitimidade.
Há uma diferença entre nós, que muitas vezes fomos chamados
de ecochatos, e esta novíssima geração. A tendência nos primórdios do movimento
era considerar a luta ambiental como uma atitude ética em relação aos que
viriam depois de nós.
O discurso de Greta não enfatiza novas gerações, mas a dela
própria. É simultaneamente uma cobrança e uma acusação. Os adolescentes se
colocam no centro do drama.
As pessoas que combatem Greta ou se assustam com seu tom
talvez não tenham ainda uma ideia nítida de como as coisas vão se complicar. Um
exemplo disso é o surgimento de novas organizações, um pouco diferentes do
Greenpeace e das outras que conhecemos. São grupos que consideram que o ponto
de não retorno na degradação planetária pode ter sido atingido e atuam com a
ideia de que há uma emergência.
Tomei conhecimento do programa de uma delas, a Extinction
Rebellion, que parece estar crescendo na Inglaterra. Eles propõem a
desobediência civil pacífica, mas às vezes a polícia intervém e prende alguns
deles. Segundo li em seus folhetos, de um modo geral a relação com a polícia
costuma ser tranquila, apesar das detenções.
A mesma civilidade não acontece com os estrangeiros que se
aventuram a apoiar a Extinction Rebellion. A polícia inglesa é mais dura com
eles. Outros fatores entram em cena.
Interessante o caso brasileiro. No mesmo momento em que a
questão ambiental torna-se mais dramática, o país radicaliza sua negação de
fenômenos como o aquecimento global.
Esta semana, Bolsonaro disse que os estrangeiros não se
interessam pelos índios nem pela porra das árvores, mas pelo minério da
Amazônia. É uma tese de fácil aceitação entre as pessoas mais simples.
No discurso de Bolsonaro na ONU ele disse apenas uma vez a
palavra biodiversidade, ao referir-se à Amazônia.
A porra das árvores, se as tomamos como um símbolo da
biodiversidade, é considerada um recurso invejável, um passaporte para o
futuro. Por essa razão, a distância entre a preocupação mundial e as teses
brasileiras vai se tornando cada vez mais um abismo.
Supor que tudo o que se passa hoje nesse campo seja apenas
uma expressão do marxismo internacional ou mesmo de potenciais exploradores de
minério é um gigantesco erro de avaliação.
Não é preciso ter uma visão catastrofista, nem achar que o
ponto de não retorno já aconteceu e que o planeta caminha para ser hostil à
vida humana.
Basta apenas dar uma chance à realidade, admitir a
existência do problema. Isso não significa concordância com qualquer maneira de
atacá-lo. Há uma ampla gama de posições disponíveis.
Tratar a biodiversidade como a porra da árvore só traz
desalento e leva muitos a pensar que uma parte da humanidade merece os eventos
extremos e caminha de forma arrogante para a extinção. Os dinossauros, pelo
menos, foram pegos de surpresa. Nem tiveram que ser avisados pelas crianças.”
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