Por Zezinho de Caetés
A desfaçatez na política brasileira chegou ao seu ápice com
a eleição de Renan Calheiros à presidência do Senado. Nunca na história deste
país se viu tanto descaramento, vindo de todos os lados, de dois poderes da
república que deveriam pelo menos ter respeito pelo povo brasileiro.
Depois de um abaixo assinado na internete ter alcançado o
número de mais de 1 milhão e meio de assinaturas, pedindo o impeachment do
Renan, ele reage com cinismo ao fato, dizendo que isto é coisa de estudante. Eu
lá votei e faz tempo que não aliso o traseiro nos bancos escolares. Mas, mesmo
se fosse de estudantes e jovens? Já tivemos os “caras pintadas” em outras épocas, que foram muito eficientes.
Hoje a realidade é outra e a internete é um meio que vive
causando rebuliços pelo mundo afora. Quem hoje não admite que ela tem muito a
ver com a eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos? E mesmo com
a primeira mulher presidenta, no Brasil? Por que não teria com o primeiro
presidente do senado retirado pela opinião pública?
Disto trata o bom texto do Fernando Gabeira, publicado no
Estadão no dia 16/02/2013, com o sugestivo título de “Não em meu nome”, que transcrevo abaixo. Eu apenas acrescento
alguns fatos mais recentes que me levam a crer que a nossa falta de vergonha já
chegou à imprensa internacional.
Por exemplo, segundo o próprio Estadão, a revista britânica The Economist, com a qual Dilma costuma
discutir, por ela ser verdadeira, chama os políticos brasileiros de “zumbis”, quando diz que eles mantém no
poder figuras públicas envolvidas até o pescoço em casos de corrupção, com é o
caso exemplar do Renan, durante muito tempo.
A prestigiosa revista ainda chama atenção para a última
renúncia de Renan, quando foi acusado de ter despesas pessoais pagas por um
lobista de uma construtora. Mas, o pior, segundo a revista foi o apoio de nossa
presidenta à sua candidatura, quando apareceu no início do governo como a “faxineira da república”, pela sua
rigidez na punição de ministros envolvidos em episódios de corrupção.
Citando os casos de Maluf e Genoino, ambos condenados pelas
mesmas práticas nocivas, e que ainda permanecem em seus postos apesar de tudo,
conseguindo sobreviver junto com o Renan a “qualquer número de pancadas
aparentemente fatais”, ela continua a nos envergonhar, e com razão.
E nós, aqui perto dos acontecimentos, e como brasileiros só
temos uma esperança no poder que nos restou, e que coloca a ética num outro
patamar, pois lida com a lei, apesar destas não se confudirem, mas devem estar
próximas, o Judiciário. Os restantes já estão quase todos dominados e já em
campanha para eleger o novo presidente.
Fiquem com o texto do Gabeira e que a internete nos salve a todos,
fazendo com que o Corisco se entregue.
“Mais de 1 milhão de pessoas assinaram um manifesto contra Renan
Calheiros na presidência do Congresso Nacional. Movimentos como esse têm grande
valor simbólico. Equivalem às manifestações modernas em que se protesta contra
algo vergonhoso ou sanguinário com cartazes que dizem: “Não em meu nome”.
São bons para mostrar que o País não é homogêneo e que alguns
governantes tomam atitudes francamente rejeitadas por milhares de seus
conterrâneos.
Em termos internacionais, isso é a notícia. Calheiros passaria em
branco se fosse apenas Calheiros com seu rebanho, notas frias, bela amante e um
lobista de empreiteira para pagar suas contas. Mas é um presidente do Congresso
rejeitado por milhões.
Uso o plural porque o manifesto tem pouco mais de uma semana de vida e
muitos que rejeitam a presença dele ainda desconhecem sua existência ou ainda
hesitam em manifestar sua rejeição.
O manifesto vai encontrar um poderoso muro de cinismo, com materiais
impenetráveis, entre eles a crença da esquerda de que os meios justificam os
fins. Essa camada é difícil de atravessar porque se mescla com uma vitimização
geral.
Na Venezuela, Hugo Chávez tenta convencer as pessoas de que o
capitalismo e o imperialismo são uma boa razão histórica para que um ato nobre
não coincida com sua legalidade.
Os textos de Lenin autorizam essa interpretação. Não creio que o PMDB
precise de alguma teoria, mas Calheiros mencionou os objetivos nacionais, aos
quais a ética deve ser subordinada. Estrangularemos e saquearemos, pois, em
nome dos objetivos nacionais, que não foram explicitados porque servem melhor
assim, numa forma altamente abstrata.
Sarney disse, em seu discurso, que a paixão pela política e pelo bem comum
é maior que a paixão pela vida. Em outras palavras, ele seria capaz de morrer
pelo bem comum.
Imagens fora do lugar. Sarney poderia ter dito isso durante a ditadura
militar, quando essa frase altissonante poderia ser posta à prova.
Sarney sabe muito bem que hoje, se quiser discutir questões de vida ou
morte, deve falar com os médicos no Instituto do Coração ou outros
especialistas que cuidam de sua saúde. Passou o tempo do heroísmo, porque, como
dizia Brecht, o País já não necessita de heróis.
Outro componente do cinismo é supor que a maioria eleitoral dá direitos
ilimitados aos ungidos pelo voto popular. Daí em diante é seguir em frente com
a frase de Disraeli nos lábios: “Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se
desculpe”.
Há um amálgama de Maquiavel, Disraeli, Max Weber mal digerido, pois o
sociólogo alemão considerava uma ética totalitária a pura expressão os meios
justificam os fins. No fundo mesmo, a substância mais gelatinosa e agregadora
da camada de cinismo é o desprezo até pela racionalização. Os fins são a
riqueza pessoal, alguns imóveis em Miami, uma fazenda de gado.
Como dizia o poeta, os amigos não avisaram que havia uma revolução. E
ela transformou tão radicalmente as relações que frases como a de Disraeli,
preferidas como néctar da sabedoria política, se tornam cômicas e ingênuas.
Aos jovens de hoje basta dar alguns toques no computador para saberem,
em minutos, tudo o que existe publicado sobre os políticos. Com uma câmera de
US$ 400 é possível filmá-los com uma definição quatro vezes maior que o HD de
seus televisores. O Congresso, em tempos como o nosso, está na vitrine, como
aquelas mulheres do Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã.
Não estou comparando os políticos às prostitutas. Seria injusto para
com certos políticos e prostitutas. Digo apenas que ambos estão expostos, elas
física, eles virtualmente. Com a bunda de fora, muitos ainda não se deram conta
de que estão na vitrine. Não pensam no futuro, na rejeição popular, nos
problemas que trazem para suas próprias famílias.
Alguns deles, em breve, não poderão frequentar lugares públicos nas
metrópoles brasileiras. Terão de viver uma realidade separada. Seus jatinhos
decolam e aterrissam discretamente, seus percursos urbanos serão feitos de
helicóptero.
Tornaram-se pássaros e vão flutuar na atmosfera por algum tempo, até
que uma tempestade os jogue no chão enlameado.
Imagino o que pensam: nada disso nos derrota nas eleições, temos
maioria. Prosseguiremos assim porque, com raros incidentes, sobrevivemos bem ao
longo da década.
O que pode acontecer quando um Congresso se degrada ostensivamente em
plena era da informação? A escolha de Calheiros e Alves para a direção das
Casas do Congresso abre nova etapa, atenuada pelas festas do carnaval.
Já passamos por fases difíceis. Ouço algumas vozes de desespero. Mas a
experiência mostrou que, nesses momentos, o importante é não desesperar, não
jogar fora o Brasil com a água do banho. Pelo menos 1 milhão de pessoas pensam
como nós sobre a escolha de Renan Calheiros. E elas dizem claramente com a
assinatura do manifesto: não em meu nome.
Há um Brasil que resiste e nele há espaço e gente suficiente para não
nos sentirmos sós e pacientemente encontrarmos uma saída para o impasse.
Alguns novos países, o nosso inclusive, talvez nem tivessem 1 milhão de
pessoas quando iniciaram sua trajetória para a independência. Nem havia
internet.
Os brasileiros fora do País, que são quase 2 milhões, também podem ser
acionados e, de lá, contribuir na campanha contra Renan. Com tantas conexões e
a inteligência coletiva em cena, impossível não encontrar os meios de abalar um
jovem coronel incrustado no topo de uma instituição nacional.
É um problema novo que vai roubar tempo e energia, mas não a esperança.
Vamos a ele, sem desânimo e, se possível, com algum humor.
Depois de eleito, Renan aparece numa foto, em Brasília, com uma espada
apontada para seu pescoço. É apenas um efeito visual, desses que acontecem em
solenidades militares. Do jeito que olhava a espada, imagino que comece a
perceber a trapalhada em que se meteu. Precisamos ajudá-lo a compreender.
No tempo em que eu estava lá, fui o mais explícito possível: se
entrega, Corisco.”