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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O elo perdido





“O elo perdido
        
Por Ana Carla Abrão

A beleza da democracia se assenta no respeito ao resultado soberano das urnas. Por meio delas, milhões de brasileiros se pronunciaram. Boa parte desses pode até não se ver representado no presidente eleito (nem tampouco no derrotado), mas foi ele quem recebeu o mandato da maioria da população para nos guiar pelos próximos 4 anos. Finalizada a contagem dos votos no domingo, agora é hora de enfrentar a realidade e encarar o dia a dia de um país complexo, dividido e marcado econômica e socialmente pela maior recessão de todos os tempos.

Não precisamos aqui requentar os números das nossas mazelas. Esses foram muitas vezes repetidos ao longo do período eleitoral, mas quase nada influenciaram nas escolhas feitas ou rejeitadas. Mas, passada a campanha e conhecido o resultado, vale listar os temas que deverão estar no foco das políticas públicas e das decisões do novo presidente, da sua equipe e dos novos, muitos inexperientes, congressistas.

A lista é longa: déficit fiscal, elevado endividamento do setor público, Estados em colapso fiscal, orçamento engessado, carências profundas na área de infraestrutura, investimento público reduzido, produtividade estagnada, desemprego elevado, baixo crescimento, mercado de crédito caro e retraído, distorções microeconômicas. Além dessas graves questões, há um problema ainda maior: uma enorme dívida com a educação básica de qualidade, com a saúde e com a segurança públicas que, de forma mais direta, sacrificam as atuais e as próximas gerações de brasileiros.

Mas esses dois conjuntos de problemas são faces da mesma moeda. O colapso fiscal e a captura do Estado por grupos de interesses, quer seja pela corrupção, pelo loteamento de cargos e ministérios ou pelo domínio do corporativismo na defesa de seus privilégios, se refletem, invariavelmente, na nossa falência em atender o cidadão. Nossa incapacidade de planejar ações públicas, de formular uma agenda de Estado, de avaliar se os resultados das ações de governo estão chegando ao cidadão, ou se os benefícios estão apenas sendo apropriados por alguns, são a face abstrata da nossa impossibilidade concreta de garantir aos brasileiros o mínimo que se espera do Estado.

E o maior dos desafios do novo governo será justamente o de fazer essa conexão e convencer toda a sociedade e a classe política, que as reformas necessárias são a nossa única chance de resgatar a confiança, a serenidade e o sentimento de cidadania da população.

Uma multidão foi às ruas em 2013 e protestou. Agora em 2018, se manifestou, mais do que escolheu, em favor de renovação e contra a corrupção. Mas o que essa população de fato sente, no seu dia a dia, é o ônibus lotado, são as escolas que não ensinam e os hospitais sem remédios. Boa parte dos cidadãos que foram às urnas no domingo não tem acesso a esgoto tratado, não consegue colocar os filhos pequenos numa creche e fica horas nas filas de oferta de emprego, na esperança de finalmente voltar a ter uma renda estável. Essas pessoas, que representam a grande maioria dos brasileiros, não sabem bem em que optaram ao definir seu voto, mas sabem o que sofrem e o que lhes falta, diariamente. A aprovação das reformas tem, no meio do caminho, a dificuldade das pessoas em associarem o seu sofrimento e a sua insatisfação, além de à corrupção, também a um sistema que direciona recursos públicos aos que menos precisam. A maior parte delas não percebe que a gestão pública, ao não ser capaz de formular políticas de investimento de longo prazo, ao privilegiar o acordo partidário na definição de investimentos em habitação e infraestrutura, ao ceder às pressões por benesses setoriais e ao proteger os privilégios de categorias específicas, está nos tirando a oportunidade de construção de um país melhor para todos.

Esse é o diálogo difícil que precisa ser feito. Esse é o elo perdido que precisa ser resgatado. Sem ele, o novo governo dificilmente conseguirá neutralizar as pressões corporativistas e os movimentos de proteção partidária que já se consolidaram na administração pública brasileira para aprovar as urgentes e necessárias reformas que o Brasil tanto precisa.”

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terça-feira, 30 de outubro de 2018

O novo Bolsonaro





“O novo Bolsonaro
        
Por Eliane Cantanhêde

Já nos primeiros momentos e dias o presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá indicações sobre o seu governo bem mais claras do que durante a longa campanha eleitoral. Ele mudou o tom, faz apelos à união dos brasileiros, deixa vazar nomes do futuro Ministério e decide que suas primeiras viagens internacionais serão aos Estados Unidos, ao Chile e a Israel. Isso diz tudo sobre o eixo da política externa.

Para reforçar a descompressão política, o petista Fernando Haddad, que não tinha telefonado para Bolsonaro no domingo, enviou-lhe ontem uma mensagem de paz pelas redes sociais. Num tom coloquial, mas respeitoso, Haddad disse que o Brasil merece “o melhor” e desejou sorte ao futuro presidente. Seco, mas sem belicosidade, Bolsonaro enfatizou “o melhor”.

Essa troca de mensagens, se foge à tradição pós-eleições, sobretudo eleições presidenciais, pelo menos sinaliza aos eleitores e à militância do PT e de Bolsonaro que o pior da guerra passou e é hora de uma trégua para respirar, recuperar forças e reduzir o nível de estresse no País.

Durante a campanha Bolsonaro foi alvo de duríssimas reportagens das publicações mais importantes do mundo, inclusive, ou principalmente, dos grandes veículos liberais, mas bastou ser eleito para atrair telefonemas, mensagens e votos de sucesso dos maiores líderes mundiais, a começar do americano Donald Trump, de quem o futuro presidente brasileiro é um admirador declarado.

Ao escolher os EUA como destino prioritário, Bolsonaro cumpre a promessa, ou o aceno, de que vai dar uma forte guinada na política externa para trazê-la de volta ao seu leito histórico e natural, priorizando as alianças estratégicas com a grande potência, os maiores líderes, os investidores e mercados mais atrativos.

Quando se descobriu que a agência americana NSA espionava a Petrobrás e até o gabinete presidencial no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff, audaciosamente, mas com boa dose de razão, cancelou uma visita bilateral a Barack Obama em Washington. Apesar disso, as relações diplomáticas e os programas e acordos de cooperação não sofreram interrupção.

Com Bolsonaro e Trump, os dois países devem aprofundar acordos nas áreas de agricultura e saúde, por exemplo, mas especialmente na área militar, na segurança pública e na proteção de fronteiras, inclusive ampliando as trocas de informações e de experiência entre a inteligência dos dois países contra tráfico de drogas, armas e até pessoas.

Aí entra também o Chile, exemplo de economia aberta, liberal, beneficiário de amplos acordos bilaterais – vetados à época dos governos do PT – e refratário ao “bolivarianismo” da Venezuela. Assim como Colômbia, Peru, Argentina e Paraguai, o Chile está no foco da política externa de Bolsonaro.

O problema é a paixão por Israel, contrariando uma posição histórica do Brasil, de equilíbrio entre Israel e Palestina, e ele chegou a anunciar que, a exemplo de Trump, mudaria a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Seria tomar partido numa guerra que não é do Brasil.

Além disso, preocuparam a diplomacia brasileira a intenção dele de abandonar a ONU e rechaçar o Acordo de Paris, sobre metas de contenção de gás carbônico. Nos dois casos, foi um Deus nos acuda que extrapolou as belas vidraças do Itamaraty, mas ele já voltou atrás em ambos. Agora é rezar para que não haja recuo do recuo.

Bolsonaro parece estar tateando, testando, indo e voltando, mas o importante é que ele sabe ouvir e recuar. Que seja assim na definição das prioridades, da pauta e dos rumos da política econômica, porque os holofotes estão em Bolsonaro, no economista Paulo Guedes e no tamanho e grau de convicção da conversão liberal e privatizante do presidente eleito. É o futuro que está em jogo.”

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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O fim e o começo





“O fim e o começo
        
Por Cida Damasco

Terminou neste domingo um dos períodos mais conturbados da história recente do País, que uniu a explosão das jornadas de 2013, o trauma do impeachment de Dilma Rousseff, a crise renitente do governo Temer e a cruenta campanha eleitoral de 2018. E, se esse fecho é motivo de alívio, não se pode dizer que seja também garantia de tranquilidade. Começa agora outra etapa, até o momento cercada de dúvidas e temores, mesmo para quem embarcou na novidade Jair Bolsonaro (PSL), eleito Presidente da República com uma plataforma que alia liberalismo e conservadorismo, mas apoiada principalmente na força do antipetismo.

Os próximos dois meses até a posse do presidente, em 1º de janeiro, serão cruciais, portanto, para clarear esse cenário e demonstrar se o novo presidente está disposto a honrar compromissos permanentes, conviver com os diferentes e governar para todos. E se será “novo” de fato, inclusive nas relações com o Congresso. Quanto às oposições, depois da tentativa frustrada de reagrupamento de forças no segundo turno, terão de provar se estão empenhadas em atuar com responsabilidade e contribuir para solucionar os problemas reais do País – não apenas em torpedear as iniciativas do Planalto.

Na economia, há uma expectativa adicional sobre essa fase de transição. Empresários e mercados estão ansiosos para que, já nos próximos dias, o novo governo finalmente “feche” um programa consistente, sem as idas e vindas das últimas semanas. Em relação a vários pontos importantes, como unificação de ministérios, privatizações, política de meio ambiente e especialmente reformas da Previdência e tributária.

Houve até especulações, na reta final da campanha, de que a equipe de Temer e os parlamentares, já de saída, assumiriam a tramitação da proposta da Previdência, o que aliviaria o início dos trabalhos do próximo governo. A ajuda faria sentido inclusive dentro da estratégia do Centrão – depois do encolhimento produzido pelas eleições – de se aproximar do futuro presidente e obter a confirmação de Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da Câmara.

Há muito a ser feito para pacificar o País e renovar as esperanças da população. E isso depende não só dos projetos que os novos detentores do poder porão à mesa, mas também de sua atitude em relação aos contrários. Quase 13 milhões de desempregados esperam por uma melhora no mercado de trabalho, que lhes devolvam o alento pelo menos para buscar uma vaga – até mesmo aquelas de menor qualidade, que têm permitido a lentíssima queda da taxa de desemprego.

As empresas aguardam sinais mais visíveis da direção em que a política econômica vai caminhar, para que não se repitam apenas soluços de crescimento. E os mercados, que têm se fartado de apostar com a “compra” de Bolsonaro, escorados no currículo do guru e futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, buscam garantias de que o presidente eleito vai esquecer o que disse lá atrás, na sua polêmica e pouco produtiva passagem pelo Congresso, e mesmo em alguns momentos da campanha. E vai confirmar com ações concretas sua “opção preferencial” pelo liberalismo.

É bastante provável que, respeitando a tradição, o novo governo viva uma espécie de lua de mel no começo do mandato com as parcelas da população que conduziram o capitão reformado à Presidência. E também com o Congresso, onde a formação de uma base ampla tende a ser vitaminada pelos acordos para ocupação de cargos na administração pública, apesar de todas as juras de que “dessa vez será diferente”. Mas, diante das múltiplas carências e da urgência de medidas para enfrentá-las, não se descarta a hipótese de que o período de graça seja abreviado.

O ponto para onde convergem interesses e preocupações dos vários segmentos sociais tem nome duplo: ajuste fiscal. Com tantas expectativas, muitas delas conflitantes, explicitar o que será feito para domar as contas públicas quer dizer, em resumo, explicitar quem serão, pelo menos a curto prazo, os principais perdedores nesse processo.”

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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Discurso para governar





“Discurso para governar
        
Por William Waack

Tem um discurso para ganhar eleição e tem um discurso para governar. Dizem que a frase é de Tancredo Neves.

Diante de uma eleição que as pesquisas de intenção de voto apontam como decidida já desde o primeiro turno, resta saber que outro discurso Jair Bolsonaro está disposto a empregar. O de ganhar a eleição deu certo.

Talvez alguns gestos de quem – se as pesquisas estão certas – vai ser o novo presidente brasileiro permitam vislumbrar que ele sabe a diferença entre realidade e retórica. A intenção por ele manifestada de preservar alguns quadros da atual equipe econômica, por exemplo. Faz supor que reconhece a existência de funcionários públicos que servem ao Estado e não ao governo da vez.

Ou a articulação de um apoio amplo para eleger um presidente da Camara dos Deputados saído não necessariamente das hostes do chefe do executivo, o que sugere o alguma ideia de que o Legislativo precisa de independência e não de controle pelo Planalto.

Tome-se também a manifestada disposição de rever a pretendida fusão do Meio Ambiente com Agricultura — aliás, o moderno setor agropecuário brasileiro compete internacionalmente dentro de reconhecidos padrões de sustentabilidade. Ou a de voltar atrás no anúncio de subordinar o Ministério da Indústria e Comércio à super pasta da Fazenda – países modernos e avançados separam finanças e economia.

Note-se, porém, que esses são mecanismos para governar, mas ainda não indicam em que eixos se dará a atuação do governo. Da mesma maneira, permanecem nebulosas as declarações de que a política externa será desvinculada de apegos ideológicos.

Nesse sentido, tenho chamado a atenção para o fato de que a imagem no exterior do provável novo presidente brasileiro é muito ruim, e não adianta dizer que é culpa de esquerdismo da “mídia internacional” – embora as esquerdas brasileiras tivessem mobilizado que laços existissem lá fora com o mundo diplomático, acadêmico, dos partidos e instituições internacionais pintando o Brasil como uma masmorra do apartheid social (e, agora, fascista). O fato é que a imagem ruim existe.

Mandatários de vários países formam opiniões sobre colegas de outros países também a partir do que recebem da própria mídia local. Parte substancial desses órgãos de imprensa (e, reitero, nada a ver com “esquerdistas”) considera Bolsonaro um risco à democracia ignorando as evidências de que a escolha que está sendo feita pelo eleitorado brasileiro é antes de mais nada a manifestação de profunda desconfiança e descrédito nas instituições existentes (como STF, partidos, imprensa) – “clima” do qual Bolsonaro é consequência e não causa.

O assalto às instituições começou muito antes dele. A corrupção é entendida pelos eleitores como a mais evidente e palpável expressão de degradação do funcionamento de todo o arcabouço jurídico-normativo-político. No fundo não deveria causar surpresa alguma a maneira como o pêndulo oscilou agora contra as forças políticas (não só o PT, evidentemente) que se apoiaram sobretudo na mentira, roubalheira e populismo fiscal irresponsável. Antes de surgir um Bolsonaro, já existia um enorme cansaço de “tudo isto aí”.

A ideia propagada por Bolsonaro de que ele é capaz de limpar o jogo sujo, e enfrentar tudo o que está corrompido (começando pela restauração de valores tradicionais), acabou sendo um grande triunfo eleitoral.

Mas apenas esse discurso, diria Tancredo, não lhe permitirá governar.”

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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Que verdade nos libertaria?





"Que verdade nos libertaria?

Por Fernão Lara Mesquita

Sobre a semana de “Desespero” que passou, nada mais a dizer. Sobre “ameaças à democracia” no país que caminha para os finalmentes de uma lição exemplar sobre a real proporção da viagem na maionese de quem quer que acredite que pode se tornar dono dele e ditar-lhe regras, não há mais qualquer preocupação.

Arrancamo-nos do século 20 e, dele, ninguém nos pega mais. Podemos voltar a dar-nos o luxo de pensar o futuro.

A verdade nos libertará?

Sem dúvida somente a verdade nos poderá libertar. Mas se será desta vez ou não que a “conheceremos”, essa é a dúvida que, resolvida a eleição, ainda remanesce. Ha uma promessa de olhar para o quadrante onde os problemas de fato estão na economia e em outras vertentes não totalmente desprovidas de importância no espaço aberto entre a história real e a narrativa do drama brasileiro. Não é pouco, considerado o ineditismo e a distância que tomamos da realidade, mas é só o que há.

Atacar questões como as da previdência e do resto do sistema de privilégios e colonização do estado que puseram o Brasil na miséria não é mais uma questão de escolha, é um imperativo de sobrevivência. Os 0,5% da população empregados pelo estado que os outros 99,5% sustentam, consomem integralmente os 40% do PIB que o estado toma à nação e mais o que contrata de dívida por ano nas costas dela sem nenhuma contrapartida de merecimento. A coleção de “direitos” que se auto-atribuem à custa da “desaquisição” dos mais básicos do resto dos brasileiros garante a expansão continuada desses privilégios por mero decurso de prazo. Os 63 mil assassinados por ano são a forma final que essa fatura assume depois de vir espalhando miséria no corpo e na alma do Brasil pelo caminho afora.

Isso vai ter de parar. Vai ter de voltar para traz. Não ha mais escolha.

Mas tudo isso ainda são efeitos. A causa é a política. Tudo o mais que nos atropela é decorrência direta da inexistência de um sistema real de representação do país real no país oficial e da inexpugnavel blindagem dos mecanismos de decisão contra qualquer interferência da massa dos excluídos, da plebe, da ralé também dita “eleitorado”.

Os países são feitos para quem tem a última palavra no seu processo de tomada de decisões. E muito pouca coisa para além dessa verdade é verdade no bla-bla-blá com que nos engambelam desde Tiradentes. Existe democracia se e quando há uma ligação aferível dos representados com cada representante eleito e estes dispõem de instrumentos efetivos para impor a sua lei a aqueles. É simples assim. Tem o poder quem tem o poder de demitir. É isso que decide se o país será construído pelos representantes eleitos para eles próprios e para “os seus” ou para o povo, para os eleitores.

Hoje a dúvida sobre para quem é feito o Brasil é zero. É dado à plebe, à ralé, ao eleitorado ir às urnas a cada quatro anos como irá mais uma vez domingo mas, daí por diante e até a próxima eleição ele estará totalmente excluído da discussão do seu próprio destino. Qualquer ascensorista do Congresso Nacional, qualquer “massoterapeuta” de nossos egrégios tribunais – que os há em todos e pagos com dinheiro da favela! – o mais reles dos auxiliares de coisa nenhuma com acesso ao pé do ouvido das “excelências” da corte tem muito mais poder de influir e de “adquirir direitos” nessa ordem legal espúria que distribui os ônus e os bônus de ser brasileiro que os milhões de eleitores que permanecerão amordaçados até a próxima eleição. Tem muito mais poder de influência que os milhões de brasileiros a quem, a cada quatro anos, é concedido fazer “a sua escolha” entre as escolhas deles e depois penar calados as penas de manter o desfrute da “privilegiatura”.

Dez milhões contra 200 milhões. E, no entanto, passa batida como a expressão da mais pura verdade estabelecida, a afirmação diariamente repetida pela situação e pela oposição e amplificada pelos “contra” e pelos “a favor”, de que tocar em qualquer desses privilégios seria “altamente impopular”. É um resumo eloquente da extensão da imunodeficiência nacional à mentira.

A mera exposição honesta e didática das parcelas que compõem a conta da miséria do Brasil desfaria o nó cego de mentiras que mantêm atadas as contas públicas. Nada poderá deter a força dos 99,5% lesados apenas se lhes for dado conhecer os números exatos sobre quem, entre os 0,5% restantes está levando quanto, e quais as alternativas para ir buscar a diferença que mede o desastre humanitário nacional em outros bolsos senão os que estão sendo injusta e indecentemente recheados com dinheiro independente de suor.

Mas até aí estaremos falando apenas de manter viva a galinha dos ovos de ouro. E de assegurar a disputa pelo “direito” de ser o primeiro a colhe-los.

O lugar de honra do panteão dos heróis da História do Brasil continuará vago até que chegue quem seja honesto o bastante para fazer a reforma política que tornará impossível que, “como regra a mentira esteja acima de tudo no nosso meio político”, seja quem for o eleito da vez para fazer o seu turno “lá”. Para fazer a reforma que tornará os representantes eleitos dependentes dos seus eleitores antes, durante e depois de cada eleição e lhes dará a última palavra em cada uma das decisões que afetarão o seu futuro; a reforma que emancipará os brasileiros e porá diretamente nas mãos deles a busca das soluções possíveis, na velocidade que lhes convier, para limpar e reconstruir este país, cada pedaço dele à sua imagem e semelhança, e faze-lo avançar daí por diante sem compromisso com a petrificação do “erro” em privilégio, sem medo de experimentar como a vida pede a cada um de nós que façamos.

Voto distrital puro para garantir a fidelidade da representação do país real no país oficial e para tornar operacional mudar com segurança no ritmo da necessidade, direito de retomada de mandatos e referendo das leis dos legislativos a qualquer momento para lembrar sempre quem é que manda, eleições de retenção de juízes para prevenir marchas-à-ré.

Eis a verdade que nos libertaria."

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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Ambição fiscal





“Ambição fiscal
        
Por Cida Damasco

Pesquisas, trekkings, sondagens, palpites. Tudo confirma que o capitão da reserva Jair Bolsonaro deverá ser eleito presidente da República no domingo. Cercado de expectativas, as melhores e as piores, dependendo do lado do muro compacto em que se colocaram parcelas significativas dos eleitores. Acontece, porém, que mesmo entre os eleitores situados na ampla base de apoio do candidato do PSL, as aspirações comuns em relação ao futuro governo parecem concentradas num genérico mudar “tudo o que está aí”, verdadeiro mantra de Bolsonaro.

Mas o que é exatamente “tudo que está aí”, quais são as mudanças específicas esperadas e com que roupa, ou melhor, com que dinheiro elas serão executadas? A uma semana da eleição, com planos de governo revistos, reduzidos ou ampliados a todo momento, ainda é preciso pensar muitas vezes antes de responder às duas últimas perguntas.

Segundo pesquisa Ibope divulgada na semana passada, Bolsonaro é visto como representante dos interesses dos ricos (para 65% dos consultados), empresários (65%), bancos (54%) e jovens (46%). Essas características, embora reveladoras do perfil dominante dos eleitores do candidato favoritíssimo, ainda são insuficientes para definir o que eles esperam da sua gestão. Há, evidentemente, uma multiplicidade de expectativas da população que está fechada com Bolsonaro, como sempre acontece em mudanças de governo. Mais ainda neste momento, em que se aproxima do Planalto uma candidatura assumidamente de direita, que se apresenta como diferente, com personagens e algumas agendas fora do circuito das últimas disputas.

Na economia, por mudar “tudo que está aí”, pode-se entender, é óbvio, resgatar o Brasil do atoleiro em que se encontra -- com mais oportunidades de negócios para as empresas, dentro e fora do País, e mais oportunidades de emprego. Como o candidato pretende chegar aí, porém, é que são elas. Seja por estratégia eleitoral, seja por alguns desencontros entre os integrantes da equipe de Bolsonaro, o programa vem vindo a público aos poucos e ainda tem vazios importantes. Especialmente na área fiscal, onde, todos concordam, estão os maiores constrangimentos à atuação do próximo governo.

Aqui vão alguns pontos da reforma fiscal de Bolsonaro, que combina objetivos bastante ambiciosos, com as promessas de sempre e algumas novidades: 1) zerar o déficit primário do setor público em 2019, com ajuda da receita proveniente do leilão dos barris excedentes da cessão onerosa do pré-sal; 2) criar um imposto único federal, provavelmente com características semelhantes às da CPMF, em substituição a alguns tributos, como PIS/Cofins e IPI; 3) desonerar a folha de pagamento das empresas, de forma permanente; 4) cortar radicalmente os cargos comissionados da União, hoje na faixa de 23 mil; 5) promover uma reforma da Previdência, ainda que não se saiba exatamente qual – a proposta inicial de Guedes era parecida com a de Temer, mas o próprio Bolsonaro já confundiu o meio de campo, ao dizer (e depois desdizer) que o foco é o regime de servidores públicos.

Centro de qualquer programa para reequilibrar as contas públicas e, ao mesmo tempo, de extrema sensibilidade para o eleitorado em geral, a reforma da Previdência tem sido justamente a mais sujeita a idas e vindas, afirmações e desmentidos. Aliás, não só no programa de Bolsonaro, mas também no de Fernando Haddad (PT), cujas propostas de governo passaram nos últimos dias por procedimentos de lipoaspiração e preenchimentos, na tentativa de desempacar a candidatura.

Na edição de outubro da Carta de Conjuntura da FGV/Ibre, o economista Luiz Guilherme Schymura traça um quadro preocupante das finanças públicas no novo governo, caso o presidente não enfrente o que ele chama de “a malfadada agenda do ajuste fiscal”. A dívida bruta do setor público em cerca de 75% do PIB e o déficit primário na marca dos 2,0% são números que ainda indicam uma situação “perfeitamente administrável”, segundo Schymura, mas alertam para a necessidade de mudanças para evitar a deterioração do quadro. Se nada for feito, e principalmente se a Previdência ficar do jeito que está, em 2026, nas contas do Ibre, o déficit chegará a 3,6% do PIB e a dívida se tornará impagável.”

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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Caça às bruxas





“Caça às bruxas
        
Por Eliane Cantanhêde

A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.

A campanha de Bolsonaro acusa diplomatas de estarem por trás da avalanche de reportagens negativas ao candidato nas principais publicações da Europa, Estados Unidos e América Latina. E ressalta: elas não apenas classificam Bolsonaro como “racista”, “homofóbico” e “ameaça à democracia”, como poupam ou até enaltecem o PT.

Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.

Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.

Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.

Paulo de Oliveira Campos, o POC, chefe do Cerimonial da Presidência de Lula, é embaixador em Paris; Mauro Vieira, ex-chanceler, na ONU, em Nova York; Antonio Patriota, também ex-chanceler de Dilma, em Roma; Antonio Simões, em Montevidéu, sede do Mercosul. Eles são a elite do Itamaraty. Patriota, por exemplo, é primeiro de turma.

Apesar de listar os “inimigos” sem cerimônia, a equipe de Bolsonaro acusa “os petistas do Itamaraty” de estarem fazendo listas de colegas que tenham manifestado apoio ou simpatia pelo capitão. Grosso modo, assim como há uma guerra de guerrilhas das duas campanhas na internet, ela poderia estar ocorrendo também na Casa de Rio Branco.

A campanha de Bolsonaro também diz que o “aparelhamento” do PT na administração pública, estatais, bancos públicos e agências reguladoras se estendeu a órgãos internacionais e cita a ex-ministra de Dilma Ideli Salvatti, que ganhou uma função na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.

É desses órgãos, segundo bolsonaristas, que saem as notícias negativas não apenas contra Bolsonaro, “mas contra o Brasil”, desde atribuir o impeachment de Dilma a um “golpe” até a manifestação de dois integrantes de um comitê da ONU “determinando” que Lula tinha de concorrer às eleições, mesmo preso em Curitiba.

A intenção de Bolsonaro, caso vença as eleições, é trazer de volta esses técnicos, fazer uma dança de cadeiras nas embaixadas e principais consulados, cancelar postos abertos por Amorim em pequenos países – que considera ser de alto custo e baixo retorno para o Brasil – e, principalmente, mudar a política externa.

Principais objetivos: “recuperar o pragmatismo, a liderança natural do Brasil na América do Sul e os parceiros tradicionais, como os EUA”. O primeiro alvo é a Venezuela. Com Bolsonaro na Presidência, será o fim da aliança com Nicolás Maduro, como na era PT, e da “leniência” com o regime dele, no governo Temer. Falta descobrir os “bolsonaristas do Itamaraty”. Até agora, estão por baixo dos panos.”

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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O que será será





“O que será será
        
Por Fernando Gabeira

O que será do nosso país?

Muita gente me pergunta isto, nas ruas e nos aeroportos. Respondo que penso no tema todos os dias e um bom pedaço das noites. Mas não cheguei a uma conclusão que pudesse ser transmitida num diálogo telegráfico. Tudo o que consigo dizer ainda não transcende a sabedoria de um escoteiro: estar alerta.

Não temo pela sobrevivência da democracia brasileira, mas pelos arranhões e pancadas que pode levar no caminho. É um perigo que ronda a democracia em quase todos os lugares onde ela existe.

Acabamos de sair do primeiro processo de eleições disputado principalmente no território virtual das redes. Talvez seja mais reveladora do Brasil que as outras, marcadas por comícios, propaganda na TV e reuniões domésticas. Muita gente participou, compartilhando opiniões.

O processo tem alguns perigos, que já rondaram as eleições presidenciais norte-americanas. O principal deles são as fake news, cada vez mais intensas.

Fake news sempre existiram. No passado as chamávamos de boatos. Na década dos 70 o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger escreveu um livro de ensaios com o título Política e Crime. Um dos mais interessantes capítulos é dedicado aos boatos e sua capacidade destruidora em certos momentos políticos. A diferença essencial é que o boato hoje não só circula entre milhões de pessoas, mas o faz numa rapidez incomparável com outras fases históricas.

As fake news não seriam tão assustadoras para mim se houvesse uma vontade genuína de filtrá-las. O perigo apresenta-se no fato de que para muitas pessoas a distinção entre fake news e realidade não interessa mais. E essa indiferença diante de boatos espalhados por máquinas eficazes acaba sendo uma porta aberta para o totalitarismo.

Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, um presidente não escreve o destino do país como se estivesse diante de uma folha em branco. Há instituições, às vezes precárias, é verdade, mas representam um contraponto ao poder.

Conheço as posições de Bolsonaro e seus aliados em relação ao meio ambiente. Será um osso duro de roer. Mas, ainda assim, creio que há um horizonte para o movimento ambiental. Na minha opinião, ele terá de rever suas alianças preferenciais. Foi mais fácil buscar a esquerda, sempre aberta para absorver lutas contra o sistema.

No entanto, a ciência, a grande aliada estratégica, foi subestimada. O verdadeiro encontro a ser buscado é o da ecologia com a ciência. Não importa a resistência que as ideias encontrem. Apoiadas numa lógica científica têm chance maior de se expandir na sociedade.

Marina teve uma votação muito pequena. No dia seguinte à apuração, dois economistas ganharam o Nobel com trabalhos sobre o desenvolvimento sustentável. O tema continua importante, sobretudo no mundo. A votação de Marina não expressa a irrelevância ambiental na cabeça dos eleitores brasileiros.

O momento histórico, as circunstâncias tornaram a luta contra a corrupção sistemática e a insegurança nas cidades o que realmente importava agora. No campo da segurança pública, outro osso duro de roer. Não só Bolsonaro, mas também parte de seus eleitores, aposta na posse de armas. Vejo isso de uma forma diferente, mas não tão contraditória.

Jair Bolsonaro disse no Rio que gostaria de ver a segurança funcionando como há 50 anos. É compreensível a nostalgia das ruas tranquilas. No entanto, o esforço é fazê-lo olhar para a frente, se não 50, ao menos alguns anos adiante.

As experiências que fortalecem a minha tese estão aí: a tecnologia e a ciência também são aliadas da segurança pública. No Piauí, um aplicativo trouxe mais segurança às mulheres ameaçadas. No momento em que escrevo, estou partindo para a cidade de Guararema, no interior de São Paulo. Ali vou documentar o trabalho de uma verdadeira muralha de câmeras que protegem o lugar. São 96. Há 33 meses não há um homicídio.

Deve haver alguns problemas, como de privacidade. Mas isso vou analisar no local. De qualquer maneira, é um exemplo que fortalece a tese de usar o avanço tecnológico e científico como um grande aliado da segurança pública.

Enfim teremos um novo presidente, novo grupo no governo, mas há um caminho para contrabalançar o poder emergente. Uma instituição com a qual se conta sempre, apesar de sua degradação, é o Congresso. Houve uma renovação, cujos contornos qualitativos é difícil avaliar antes de fevereiro.

A base parlamentar do governo, no momento, são as bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Não são monolíticas, nem necessariamente concordam em tudo.

Sempre escrevi que a chamada bancada da bala é formada, parcialmente, por policiais experientes, que têm muito a dizer. A repressão armada é a linguagem que melhor entendem. No entanto, uma investigação sofisticada, um método mais científico pode despertá-los também para outro caminho, ainda incipiente no Brasil.

Na bancada ruralista há gente com mais intimidade com a natureza do que muitos ecologistas. Sua diferença é que trabalha com os fatores sobrevivência e, sobretudo, lucro. Mas com a mediação da ciência é possível algum resultado, assim como com a bancada religiosa, em alguns temas, como meio ambiente e direitos humanos - não, porém, no sentido em que os conheceram nos anos de PT.

Enfim, teremos muito trabalho para tocar o barco. Mas não é impossível. Estamos diante de uma realidade, não adianta chorar o leite derramado. O Brasil é assim, temos de nos ajeitar com ele e dar graças a Deus, porque a alternativa do autoexílio é bastante dolorosa, creio eu.

Tenho visto algumas críticas de que esse raciocínio leva a normalizar o fascismo. Na verdade, o que consideram uma aberração é resultado do voto popular. É preciso um pouco de cuidado com a realidade.

Ainda bem que haverá muito trabalho para todos. E pouco tempo para patrulhar uns aos outros.”

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sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O pecado da omissão





“O pecado da omissão
        
POR ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

No formoso Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado na Capela Real em Lisboa, no ano de 1650, advertiu o padre Antonio Vieira: “A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece; e o que mais facilmente se comete e dificultosamente se conhece raramente se emenda”.

A frase do santo jesuíta, a mais poderosa inteligência de Portugal de todos os tempos, deve servir de alerta a quem decidiu conservar-se omisso e indiferente às eleições do próximo dia 28, quando estará em jogo o futuro da democracia brasileira. Frente a frente, submetendo-se ao escrutínio de 147 milhões de eleitores chamados a decidir o futuro da República, estarão o deputado federal Jair Bolsonaro, oficial da reserva do Exército, e Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, advogado, porta-voz e alter ego de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidiário de Curitiba.

O aparentemente impossível aconteceu. No primeiro turno Bolsonaro quase alcançou maioria absoluta; Fernando Haddad, na última semana correndo por fora, conseguiu a segunda colocação. Alguns dos supostos favoritos, como Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva, foram avisados de que pertencem ao passado e devem abandonar antigos projetos de exercer a suprema magistratura da Nação.

Aos eleitores, antes de se decidirem, compete examinar o currículo dos dois finalistas e o histórico dos respectivos partidos. Jair Bolsonaro candidatou-se pelo Partido Social Liberal (PSL), em aliança com o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), ao qual coube indicar o candidato à Vice-Presidência, Hamilton Mourão, general da reserva. Fernando Haddad, apesar de relativamente jovem, tem longo passado como militante do Partido dos Trabalhadores (PT). Sua candidata à Vice-Presidência é Manuela d’Ávila, filiada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fundado em fevereiro de 1962 por João Amazonas, Diógenes Arruda, Pedro Pomar, Maurício Grabois. Desligando-se voluntariamente, ou afastados compulsoriamente, alguns dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) criaram o PCdoB com o objetivo de “promover a derrubada do sistema capitalista e, através da revolução proletária, realizar a passagem para o socialismo”, conforme se lê no Dicionário Histórico Geográfico Brasileiro Pós-1930 (Ed. FGV-Cepdoc, 2.ª edição, 2001, vol. IV, pág. 4.280). Quem duvidar consulte o livro Combate nas Trevas - A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada, de Jacob Gorender (Ed. Ática, 1987).

A história do PSL e do PRTB poderia ser escrita, até as eleições deste ano, numa única página. Passaram despercebidos, como meros figurantes, até o primeiro turno destas eleições. Seus dirigentes nunca foram protagonistas principais no teatro da política brasileira dos últimos anos. O mesmo não se poderá dizer do PT e do PCdoB. Fundado em 1980, por reduzido grupo de sindicalistas, o PT nasceu com a pretensão de monopolizar a representação das classes trabalhadoras. Seria uma espécie repaginada do antigo PCB, ou do fisiológico Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Durante anos seduziu a classe média alta, artistas, intelectuais, picaretas e oportunistas, com o discurso do combate à corrupção, ao fisiologismo, à pobreza, às desigualdades regionais e sociais. Não escondia forte pendor à violência, como instrumento de conquista do poder. Já o PCdoB assumia, ao lado de outros extremistas, a posição de partido revolucionário inspirado no velho stalinismo maoista. Rapidamente se tornou uma espécie de vanguarda do atraso.

A ascensão do PT ao governo revelou-lhe a verdadeira face e confirmou a frase de Pítaco de Mitilene: a ambição é insaciável. Com insaciável ambição de dinheiro, o PT e seus aliados investiram contra os cofres públicos, conforme revelariam os processos referentes ao mensalão e à Operação Lava Jato.

Durante 12 anos e alguns meses de regime petista a economia foi desbaratada; a política, aviltada; o País, desindustrializado; o Tesouro Nacional, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás e os fundos de pensão, saqueados. Torrentes de dinheiro foram canalizadas para apoiar ditaduras africanas e latino-americanas. Não satisfeito, usou e abusou do aparelhamento do Estado para se consolidar no governo, ao qual procura retornar com o propósito de arrebatar definitivamente o poder, como declarou José Dirceu.

O apego ao crime pode ser aferido pelo asilo concedido ao terrorista italiano Cesare Battisti pelo presidente Lula. Relembro que o facínora, natural de Sermoneta, na Itália, onde nasceu em 1954, depois de preso várias vezes como ladrão, em 1976 passou a integrar o grupo Proletários Armados do Comunismo (PAC), surgido das Brigadas Vermelhas. Acusado de assassinar quatro pessoas - Antonio Santoro, Pierluigi Torregiani, Lívio Sabatini e Andrea Campagna - e de deixar o filho deste último paraplégico, foi condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua. O processo correu à revelia, em razão da fuga de Battisti. Após se esconder em vários países, foi preso no Brasil em 2007. Antecipando-se à decisão do pedido de extradição no Supremo Tribunal Federal, formulado pelo governo de Roma, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, conferiu ao criminoso o benefício de asilado político, confirmado por Lula.

O segundo turno deverá determinar o fim do PT como força política, com a derrota do binômio Fernando Haddad-Manuela D’Ávila. Aos brasileiros respeitáveis não restará alternativa senão derrotá-lo, ainda que o remédio a alguns possa parecer amargo. Diante da urna eletrônica não nos esqueçamos de que o PT nunca se alinhou com países democráticos. As alianças que perpetrou foram com a Cuba de Fidel Castro, a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a Bolívia de Evo Morales e ditaduras africanas corruptas.”

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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Chororô de vencidos desrespeita o eleitor





“Chororô de vencidos desrespeita o eleitor
        
POR JOSÉ NÊUMANNE

Embora ainda não tenha sido decidida em vários Estados e na principal disputa, pela Presidência da República, a eleição de 2018 já desmascarou muitas farsas e desmanchou vários mitos de pés de barro, que terminaram sucumbindo a novos parâmetros, até então desconhecidos.

O título e a linha fina da coluna do colega Celso Ming na Economia & Negócios do Estado de sábado, 13, são de uma abrangência e de uma síntese notáveis - A grande indignação: alcance da comunicação instantânea mudou tudo. Os chefões das organizações partidárias não contavam com a volta dada pelo povo à sua imposição de regras adotadas para garantir a reeleição e a consequente impunidade. O ano eleitoral começou com uma onda de “não reeleja ninguém”, mas ela foi invertida com a perspectiva de um duelo final entre grandes e tradicionais coalizões partidárias, que manejaram os instrumentos de sempre: a obrigação da filiação partidária antecipada dos candidatos, a distribuição continuísta do tempo na propaganda das legendas nos meios de comunicação de massa e, sobretudo, o financiamento público das campanhas. Neste caso, a proibição de doações de pessoas jurídicas deteve a marcha sem freios dos gastos e, em consequência, da corrupção no financiamento de palanques, contaminados pelo despudor da propina negociada com fornecedores de obras e serviços públicos. Mas o cinismo dos “donos do poder” (apud Raimundo Faoro) não conhece limites e chegou ao ponto de obrigar o cidadão a bancar os gastos de grupos políticos que, na exata (e humilde) definição do senador José Agripino Maia (DEM-RN), derrotado nas urnas, “não os representam mais”.

A renovação das bancadas da Câmara e do Senado (52%) ainda não permite pôr fim às relações promíscuas entre Legislativo e Executivo. Mas sendo a maior dos últimos 20 anos e representando um “quem avisa amigo é” por parte da opinião pública, permite, no mínimo, reduzir a condição de mercado de barganha explícita entre governo e Congresso.

Com oito segundos, quase a metade dos 15 no horário eleitoral no rádio e na TV usados pelo dr. Enéas em 1989, afastado da campanha, hospitalizado após ter sido esfaqueado em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), e, portanto, também faltando aos debates, Jair Bolsonaro chegou a 49 milhões 387 mil e 416 votos em 7 de outubro, ou seja, 46,05%, a menos de quatro pontos de atingir a maioria absoluta. Seu adversário no segundo turno, Lula/Fernando Haddad, do PT, chegou a 31 milhões 361 mil e 213, ou seja, 29,24%. Na onda de saco cheio com o PT, não de direita “radical”, foram eleitos 52 deputados do PSL, que na atual legislatura conta com um membro só, como a nota do “sambinha” de Tom Jobim.

O candidato do PSL comunicou à Justiça Eleitoral ter desembolsado R$ 1,2 milhão na eleição: R$ 0,03 por voto. Seu adversário petista investiu R$ 12.019.711,45, o equivalente a R$ 0,38. O valor, porém, sobe para R$ 0,99 - 33 vezes mais do que o do adversário, se adicionados os R$ 19.118.635,26 gastos pela campanha do ex-presidente Lula, cuja candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral. São despesas muito menores do que os R$ 600 milhões (atuais R$ 741 milhões) que teriam sido usados para a vitória de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014, de acordo com delação premiada do coordenador da campanha da ex-presidente petista em 2010, Antônio Palocci. Ou seja, a dobradinha PT-PMDB gastou 740 vezes mais do que a chapa Bolsonaro-Mourão e 37 vezes mais do que Lula-Haddad agora, se for levada em conta a desvalorização do real nos últimos quatro anos (23,62%).

Por uma questão de coerência, o presidente a tomar posse em 2019 terá a obrigação moral de conseguir a aprovação no Congresso da extinção do Fundo Partidário e de medidas que impeçam a derrama de recursos públicos que tornam proibitivos os custos de eleição e estimulam a corrupção.

Os valores citados justificam a “pré-racionalidade” do povo, que meu saudoso amigo Mauro Guimarães enxergava nos resultados eleitorais de antanho. E que hoje explica, só para dar um exemplo à mão, a derrota de Dilma Rousseff numa eleição para dois senadores em seu Estado natal, Minas Gerais, e os 2 milhões de votos para a Assembleia paulista de Janaína Paschoal, autora do processo do impeachment dela.

Antes de decidir, definitivamente, quem ocupará o cargo mais poderoso da República, daqui a dois domingos, num processo democrático e, até prova em contrário, limpo, o sofrido cidadão brasileiro, vítima dos recentes desgovernos, deixou nas urnas lições que não podem ser omitidas. As férias forçadas de Romero Jucá, Lindbergh Farias, Roberto Requião, Beto Richa, Darcísio Perondi, Lúcio Vieira Lima e outros próceres punidos na urna são exemplares.

Mas esse não é o único motivo pelo qual manifesto em tinta sobre papel profunda repugnância pelas manifestações de desprezo que a maioria espetacular da cidadania tem sofrido por ter resolvido afastar do poder chefões partidários que abusaram da “regra três” cantada por Vinicius e Toquinho. No chororô desesperado da humilhação pelo voto, esses profissionais da política falam em “marcha da insensatez” e em “bloco de sensatez” para detê-la, na tentativa de desqualificar como neofascista a opção contrária à manutenção das velhas práticas da gastança e da leniência com a corrupção.

Ciro Gomes, do PDT de Brizola, pretensa terceira via, foi terceiro lugar, com 12,47% dos votos. Geraldo Alckmin, cujo partido, o PSDB, ocupou por 24 anos o governo do maior Estado do Brasil, obteve 4,76%. Marina Silva, 1% (!), menos do que João Amoedo (2,51%), Cabo Daciolo (1,26%) e Henrique Meirelles (1,20%). Nada disso é desonroso: o dr. Ulysses Guimarães também foi humilhado assim. Mas nem por isso insultou de cego, nazista ou insensato quem ele próprio chamou de “sr. cidadão”. Perder dói, mas em dois anos tem outra.”
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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A onda da renovação




        
Por Denis Lerrer Rosenfield

A onda da renovação atingiu profundamente a vida política brasileira. Os sismógrafos, a saber, os institutos de pesquisa, não conseguiram captar a intensidade das mudanças em curso, seja por instrumentos inadequados ou por viés ideológico. É como se houvesse uma torcida a orientar as análises e enquetes, cegando ou obscurecendo a irrupção que estava por vir. Quando não é a verdade o objetivo, a tendência consiste em ficar na superfície das coisas, numa espécie de acomodação ao politicamente correto, à esquerda tida por “boa” opção. Se assim foi até agora, por que não continuar?

Para tais posições, seria quase impensável sair da alternativa esquerda/centro-esquerda, PT e PSDB, como se esta falsa polarização fosse de natureza a satisfazer o pensamento (ou sua ausência), num jogral que terminou por produzir fastio à sociedade. Pela primeira vez desde o referendo sobre o Estatuto do Desarmamento - et pour cause -, os cidadãos foram chamados a outra opção, a de uma escolha que pudesse abandonar a falsa polarização existente, em proveito de outra posição, a de uma alternativa clara de direita.

A sociedade brasileira decidiu dizer não. Não a ser governada por PT, Lula e assemelhados. O antipetismo é uma resposta aos desmandos do partido. Não a ser governada da prisão, num modelo oriundo do PCC. Não à corrupção. Não a uma classe política que buscou seus próprios privilégios em lugar de trabalhar para o bem comum. Não à criminalidade e à insegurança que tomaram conta das cidades e do campo. Não aos tucanos que se resignaram ao muro e a um “diálogo” com os petistas, cessando de ser uma alternativa eleitoral.

O voto pró-Bolsonaro encontra forte enraizamento na sociedade brasileira. Ele encarnou o não em suas distintas significações, vindo a representar um forte anseio social pela mudança. A esta altura, querer desconstruir a sua imagem é um empreendimento hercúleo, pois significaria poder oferecer uma alternativa palatável ao “não”, algo que os petistas não podem apresentar, precisamente por serem o símbolo daquilo que não é querido nem almejado pelos cidadãos.

A narrativa petista no primeiro turno, totalmente orientada por Lula na condição de presidiário, consistiu num discurso voltado para o gueto. Visou aos seus, como se estivesse a congregar tropas, embora pudesse apresentar-se enquanto opção coletiva. É dificilmente concebível - salvo na anomia brasileira e petista em particular - que um candidato a presidente da República vá todas as semanas ao cárcere buscar orientação, como se fosse um menor de idade que não sabe caminhar sozinho. Imaginem na Presidência!

Pior, trata-se de uma pessoa condenada por corrupção e lavagem de dinheiro, tendo já passado por todas as instâncias do Judiciário brasileiro, exercendo, até abusivamente, seu direito de defesa com recursos semelhantes, recorrentes e sistemáticos, procurando ditar os rumos do País. Impensável, fossem a democracia e as instituições republicanas respeitadas.

Ora, são essas mesmas pessoas, totalmente desorientadas pelos resultados das urnas, que procuram agora posar como “democratas”, numa suposta frente contra o “fascismo”. Não faltam colaboradores de plantão no campo dos tucanos, presos a um ideal há muito ultrapassado de aliança com seus “irmãos” social-democratas. O tempo passou. O sonho do passado esfacelou-se no pesadelo do exercício de poder de um partido que erigiu a corrupção, a apropriação das empresas públicas e a destruição da economia e dos benefícios sociais em projeto de governo. É essa a aliança “social-democrata” perseguida?

Credenciais democráticas o PT não tem. Lula considerava - e o PT continua a considerar - a Venezuela “socialista” uma democracia. O ex-presidente rasgava-se em elogios ao já ditador Chávez. Agora sustentam Maduro, com seus assassinatos sistemáticos, a asfixia das oposições e destruição das instituições. Era o modelo que tencionavam instalar no Brasil. Já antes sustentaram a ditadura dos irmãos Castro, financiada com polpudos créditos do nosso BNDES. A ditadura de Ortega na Nicarágua é outra excrescência dos petistas, que apostam nesse tipo de “democracia”.

Se houve uma invenção histórica realizada pelo “socialismo do século 21” foi a de substituir a tomada violenta do poder, no modelo leninista ou castrista, pela apropriação perversa dos mecanismos democráticos. Ou seja, o processo eleitoral é utilizado para subverter a própria democracia. Foi a estratégia de Chávez na Venezuela, recorrendo a eleições e referendos para sufocar a própria democracia, destruindo suas instituições - a exemplo da eliminação da independência do Poder Judiciário e da asfixia completa do Legislativo, culminando com sua substituição por uma Assembleia Constituinte fajuta.

Na verdade, apropriaram-se do apelo da democracia na opinião pública para amordaçá-la. Dizem, então, respeitar a democracia com o intuito de aniquilá-la. O programa petista de governo, esse que está sendo oferecido aos cidadãos, abunda em expressões do tipo “conselhos populares”, novas instâncias “democráticas”, “movimentos sociais”, “democracia participativa” e “Assembleia Constituinte”, entre outras. São nada mais que palavras para enganar incautos, tendo como meta sufocar a democracia representativa, considerada “liberal”, “burguesa” na acepção marxista.

O recente palavreado social-democrata nada mais é que um engodo. Se fosse verdade, teriam adotado essa orientação em seus longos 13 anos de governo. Em vez de recorrerem aos pais da social-democracia, como o teórico Eduard Bernstein no início do século 20 e o ex-primeiro-ministro alemão Willy Brandt no pós-Guerra, retomaram a “luta de classes” em sua forma canhestra do “nós contra eles”.

Faça a sua escolha. Vote no Brasil ou compre sua passagem para a Venezuela (tendo Cuba como opção). Com direito só de ida!”

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terça-feira, 16 de outubro de 2018

O formidável ritual democrático




        
Por Roberto DaMatta

Quando Max Weber fala de poder ele faz distinções importantes para a compreensão da democracia. Um regime político centrado numa premissa revolucionária, pois é o único que periodicamente confirma pessoas em seus cargos, o que produz uma instabilidade estrutural paradoxalmente regulada.

Tanto isso é verdade que, quando se dá um golpe, se fala em tudo, menos em eleição. Esse grande rito garantidor de mudanças por dentro, esse formidável teste que une pessoas comuns a altos cargos necessários à administração pública. Política e sociedade estão juntas nas democracias e divorciadas nas ditaduras.

Weber é claro quando distingue poder de dominação. Algo básico para entender o governo dos humanos pelos humanos – esses bichos cujo programa é não ter programa sendo, por isso mesmo, dependente do que Weber chamou de legitimação. A dimensão que domestica o monopólio da força, justificando-a e racionalizando-a numa autoridade o que evita o caos ou, como dizia um outro clássico, a “guerra de todos contra todos”.

A dominação comunica quem manda e quem obedece. A passagem da força bruta para a dominação mediada e racionalizada por um sistema religioso ou jurídico é o que chamamos de sistema cultural – uma ordem capaz de lidar com suas diferenças, tomando-as como “naturais”.

Se o rei é ungido por Deus e se não existe dúvida sobre a existência de que as relações humanas são um produto de ancestrais míticos, que as criaram e engendraram os “costumes” com os quais vivemos, então a obediência não é devida à pessoa, mas ao papel que as pessoas desempenham, o qual tem uma chancela como divina ou legal.

O poder tem sempre o seu lado arbitrário e opressivo, mas a dominação é fundada em normas e gestos originários de narrativas sagradas ou de códigos ancestrais ou de leis naturais, fundadores da ordem humana. É assim que ela escapa da história e passa a impressão de eternidade.

O poder depende da força. A dominação requer acordos. “Tomar o poder” como querem os imbecis é uma banalidade; atingir – entretanto – um sistema razoável de dominação requer senso de justiça entre o mandante e o obediente. Pois entre eles existem normas e rituais que legitimam suas diferenças e podem revertê-las.

Tudo isso nos leva além de Weber para Arnold Van Gennep – o revelador da estrutura elementar dos rituais, essa base comportamental da legitimidade. Ele diz:

1. Os estágios críticos do ciclo de vida que começa com o nascimento, passa pela puberdade, casamento, paternidade, e, finalmente, chega com a morte; ainda que estejam relacionadas a eventos fisiológicos, são definidos socialmente;

2. A entrada e a saída desses estágios críticos são sempre marcadas por rituais e cerimônias não apenas nas “sociedades primitivas”, mas também na civilização cristã e nas civilizações da antiguidade;

3. Esses “ritos de passagem” incluem sempre três fases: separação (que remove os sujeitos do seu campo social rotineiro), transição ou margem e, finalmente, incorporação num novo campo e papel social.

Nas democracias, essas passagens ocorrem de tempos em temos naquilo que chamamos de eleição – esse grandioso processo cerimonial no qual legisladores e executivos são substituídos numa ampla competição determinada pelo “voto”. Por uma promessa representativa de lealdade e confiança.

Nesse sentido, a eleição é um ritual cujo objetivo explícito é a renovação – essa marca registrada do viés democrático. Ela é também uma ocasião na qual a sociedade pode reclamar aquilo a que aspira e ver-se a si mesma como um feixe de opiniões divergentes. Pode também servir como correção para governantes que traíram a confiança dos seus eleitores.

Foi exatamente a isso que assistimos tranquilamente neste último domingo e que iremos assistir novamente no “segundo turno” quando será finalizada a associação de um candidato (que passa) ao cargo de presidente da República (que permanece).

Temos hoje uma conjuntura eleitoral marcada por divergências somadas a ressentimentos que impedem agir com a tal racionalidade que o campo do político dizia possuir na sua definição moderna. Que Deus, esse representante de tudo o que tentamos enxergar, nos ajude e nos livre da violência, da extorsão e da impostura em nome da democracia.”

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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O plano de Lula para o Lulil





“O plano de Lula para o Lulil
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

Programa de governo é como termo de uso de aplicativo. Ninguém lê. Mas esse “O Brasil feliz de novo” é uma declaração à praça que não pode passar em branco. Embora políticos, intelectuais, artistas e até a maior parte dos jornalistas se mostrem firmemente decididos a não acreditar no que ele diz, Lula nunca escondeu o que quer ser quando crescer. Depois da esfrega do 1.º turno ele ordenou ao candidato laranja que se faça de bonzinho e renegue tudo, mas a coisa já está registrada no TSE como o programa oficial do governo ... de quem mesmo? É a terceira vez que eles tentam cravar esse punhal nas costas da democracia brasileira. A primeira foi na véspera do Natal de 2009, no apagar das luzes do governo Lula, quando ela foi batizada de “Plano Nacional de Direitos Humanos”; depois em 2014, na véspera da Copa e de um recesso extraordinariamente longo do Congresso quando Dilma o rebatizou de “Decreto 8.243”. Não vão desistir nunca. Essa é a receita oficial de golpe do Foro de São Paulo que fez o seu début mundial com Hugo Chávez “tomando o poder” na Venezuela com ele, à la José Dirceu.

“O Brasil feliz de novo” não especifica se manterá o Congresso aberto, mas é certo que ele deixaria de ter qualquer função, pois tudo passaria a ser decidido por “plebiscitos convocados pelo presidente da República” e decididos por “novos mecanismos deliberativos” a cargo de “movimentos sociais” e “representantes da sociedade civil organizada”. “Todos os poderes da União e do Ministério Publico”, assim como os do Judiciário, estariam submetidos a esse tipo de “controle social”. Todos os instrumentos da Lava Jato (delações premiadas, prisão na 2.ª instância, etc.) seriam revogados e o “controle da mídia” se faria “com a atuação da Anatel e da Polícia Federal para impedir perseguições”. Todas as “reformas do golpe” aprovadas pelo Congresso seriam revogadas. Haveria um “novo pacto federativo” em que literalmente todas as entidades municipais e estaduais passariam a ser subordinadas a entidades nacionais. Todos os insumos, indústrias e estruturas básicas seriam estatais, ficando para o “empreendedorismo” apenas o que é “micro”. O “grande agronegócio” passaria por reforma agrária. A política externa seria “altiva e ativa” significando privilegiar, inclusive com financiamentos, países da América Latina, do Caribe, da África e do Oriente Médio.

“A juventude” seria objeto de “direitos universais, geracionais e singulares que buscarão permanentemente a autonomia”. Quer dizer, da escolha dos banheiros na primeira escola dos seus filhos à reeducação dos professores, da água da bica ao petróleo, dos povos das florestas aos povos das metrópoles, da polícia única prendendo menos às penitenciárias soltando mais, do esporte à programação de shows, da contenção de encostas aos furacões do Caribe (!), para tudo e para cada coisa, para todos os brasileiros e para cada um, e não só para eles (a lista acima é literal, mas está longe de ser completa), haverá um “plano nacional”, acoplado a um “sistema único” e a um “novo marco regulatório” aprovado por gente que não elegemos que terá por referência “transversal” “o privilégio dos povos da floresta, dos quilombolas, dos negros e das negras, e o combate à LGTBIfobia”, em nome dos quais toda violência moral ou institucional será justificada.

Todo esse discurso delirantemente sinistro começa com a frase “Lula é uma ideia e agora um programa”, e repete 150 vezes que, nesse Lulil que já não seria Brasil, ele cuidaria pessoalmente de tudo.

E, no entanto, o País atravessou o 1.º turno inteiro assombrado pela ameaça à democracia encerrada na candidatura Bolsonaro sem que ninguém interrogasse o candidato laranja sobre essa preciosidade. Mas como o Brasil é bem melhor que suas elites, a decisão do 1.º turno deu-se totalmente à revelia dos debates. Eles simplesmente deixaram de interessar porque todo mundo - menos o intuitivo Jair Bolsonaro - fingia que a natureza do regime é uma questão resolvida, quando absolutamente não é.

Planos de gestão da economia e da administração pública, mesmo os sérios, são luxos para quem já tem o principal resolvido, e aqui, como no resto do planeta, é meio grau mais para a direita ou meio grau mais para a esquerda ou você cai no caos, como nós caímos. Por isso nem os mais patéticos entre os candidatos patéticos que tomaram nosso tempo nos debates conseguiram inventar coisa muito diferente nessa matéria.

Na falta de melhor tudo passou, então, a girar em torno da corrupção. Mas também o combate à corrupção está corrompido. Todo mundo sabe que existe uma diferença e todo mundo sabe que diferença é essa, mas é impossível traduzi-la numa tipificação jurídica. É por isso que nas democracias dignas do nome só quem elege tem o poder de deseleger e, então, entregar o ladrão à Justiça comum, que é igual para todos. Se for só juiz - e ainda por cima intocável - a controlar essa porteira, mais bandido municiando a imprensa para atingir outro bandido em disputas pelo controle de “bocas”, vira o Brasil...

O 2.º turno permitirá que o País se interrogue sobre onde é que vai parar o governo que promete começar revogando todo o Poder Judiciário que prende ladrão que resta, soltando Lula da cadeia, para ficarmos só com aquele que só solta, criado por ele, e que já vive anulando “monocraticamente” votações do Congresso Nacional inteiro.

Como faremos para que cada Poder da República volte aos seus limites? Que limites são esses, que nós já nem lembramos? Quem poderá restabelecê-los depois do estrago feito pelo lulismo? E como fazer isso com o próximo governo instalando-se à sombra do vulcão de um déficit explosivo por baixo da espada do crime de responsabilidade e sob a sede de vingança da seita que pediu impeachment de todos os governos desde a redemocratização, menos o seu próprio?

Tirar o lulismo do caminho é a condição para essa conversa começar. Mas o Brasil que sangra vai precisar da união de todo o campo democrático - o da esquerda inclusive - para sair dessa enrascada.”

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