“O elo perdido
Por Ana Carla Abrão
A beleza da democracia se assenta
no respeito ao resultado soberano das urnas. Por meio delas, milhões de
brasileiros se pronunciaram. Boa parte desses pode até não se ver representado
no presidente eleito (nem tampouco no derrotado), mas foi ele quem recebeu o
mandato da maioria da população para nos guiar pelos próximos 4 anos.
Finalizada a contagem dos votos no domingo, agora é hora de enfrentar a
realidade e encarar o dia a dia de um país complexo, dividido e marcado
econômica e socialmente pela maior recessão de todos os tempos.
Não precisamos aqui requentar os
números das nossas mazelas. Esses foram muitas vezes repetidos ao longo do
período eleitoral, mas quase nada influenciaram nas escolhas feitas ou
rejeitadas. Mas, passada a campanha e conhecido o resultado, vale listar os
temas que deverão estar no foco das políticas públicas e das decisões do novo
presidente, da sua equipe e dos novos, muitos inexperientes, congressistas.
A lista é longa: déficit fiscal,
elevado endividamento do setor público, Estados em colapso fiscal, orçamento
engessado, carências profundas na área de infraestrutura, investimento público
reduzido, produtividade estagnada, desemprego elevado, baixo crescimento,
mercado de crédito caro e retraído, distorções microeconômicas. Além dessas
graves questões, há um problema ainda maior: uma enorme dívida com a educação
básica de qualidade, com a saúde e com a segurança públicas que, de forma mais
direta, sacrificam as atuais e as próximas gerações de brasileiros.
Mas esses dois conjuntos de
problemas são faces da mesma moeda. O colapso fiscal e a captura do Estado por
grupos de interesses, quer seja pela corrupção, pelo loteamento de cargos e
ministérios ou pelo domínio do corporativismo na defesa de seus privilégios, se
refletem, invariavelmente, na nossa falência em atender o cidadão. Nossa
incapacidade de planejar ações públicas, de formular uma agenda de Estado, de
avaliar se os resultados das ações de governo estão chegando ao cidadão, ou se
os benefícios estão apenas sendo apropriados por alguns, são a face abstrata da
nossa impossibilidade concreta de garantir aos brasileiros o mínimo que se
espera do Estado.
E o maior dos desafios do novo
governo será justamente o de fazer essa conexão e convencer toda a sociedade e
a classe política, que as reformas necessárias são a nossa única chance de
resgatar a confiança, a serenidade e o sentimento de cidadania da população.
Uma multidão foi às ruas em 2013
e protestou. Agora em 2018, se manifestou, mais do que escolheu, em favor de
renovação e contra a corrupção. Mas o que essa população de fato sente, no seu
dia a dia, é o ônibus lotado, são as escolas que não ensinam e os hospitais sem
remédios. Boa parte dos cidadãos que foram às urnas no domingo não tem acesso a
esgoto tratado, não consegue colocar os filhos pequenos numa creche e fica
horas nas filas de oferta de emprego, na esperança de finalmente voltar a ter
uma renda estável. Essas pessoas, que representam a grande maioria dos
brasileiros, não sabem bem em que optaram ao definir seu voto, mas sabem o que
sofrem e o que lhes falta, diariamente. A aprovação das reformas tem, no meio
do caminho, a dificuldade das pessoas em associarem o seu sofrimento e a sua insatisfação,
além de à corrupção, também a um sistema que direciona recursos públicos aos
que menos precisam. A maior parte delas não percebe que a gestão pública, ao
não ser capaz de formular políticas de investimento de longo prazo, ao
privilegiar o acordo partidário na definição de investimentos em habitação e
infraestrutura, ao ceder às pressões por benesses setoriais e ao proteger os
privilégios de categorias específicas, está nos tirando a oportunidade de
construção de um país melhor para todos.
Esse é o diálogo difícil que
precisa ser feito. Esse é o elo perdido que precisa ser resgatado. Sem ele, o
novo governo dificilmente conseguirá neutralizar as pressões corporativistas e
os movimentos de proteção partidária que já se consolidaram na administração
pública brasileira para aprovar as urgentes e necessárias reformas que o Brasil
tanto precisa.”
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