"Que verdade nos libertaria?
Por Fernão Lara Mesquita
Sobre a semana de “Desespero” que
passou, nada mais a dizer. Sobre “ameaças à democracia” no país que caminha
para os finalmentes de uma lição exemplar sobre a real proporção da viagem na
maionese de quem quer que acredite que pode se tornar dono dele e ditar-lhe
regras, não há mais qualquer preocupação.
Arrancamo-nos do século 20 e,
dele, ninguém nos pega mais. Podemos voltar a dar-nos o luxo de pensar o
futuro.
A verdade nos libertará?
Sem dúvida somente a verdade nos
poderá libertar. Mas se será desta vez ou não que a “conheceremos”, essa é a
dúvida que, resolvida a eleição, ainda remanesce. Ha uma promessa de olhar para
o quadrante onde os problemas de fato estão na economia e em outras vertentes
não totalmente desprovidas de importância no espaço aberto entre a história
real e a narrativa do drama brasileiro. Não é pouco, considerado o ineditismo e
a distância que tomamos da realidade, mas é só o que há.
Atacar questões como as da
previdência e do resto do sistema de privilégios e colonização do estado que
puseram o Brasil na miséria não é mais uma questão de escolha, é um imperativo
de sobrevivência. Os 0,5% da população empregados pelo estado que os outros
99,5% sustentam, consomem integralmente os 40% do PIB que o estado toma à nação
e mais o que contrata de dívida por ano nas costas dela sem nenhuma
contrapartida de merecimento. A coleção de “direitos” que se auto-atribuem à
custa da “desaquisição” dos mais básicos do resto dos brasileiros garante a
expansão continuada desses privilégios por mero decurso de prazo. Os 63 mil
assassinados por ano são a forma final que essa fatura assume depois de vir
espalhando miséria no corpo e na alma do Brasil pelo caminho afora.
Isso vai ter de parar. Vai ter de
voltar para traz. Não ha mais escolha.
Mas tudo isso ainda são efeitos.
A causa é a política. Tudo o mais que nos atropela é decorrência direta da
inexistência de um sistema real de representação do país real no país oficial e
da inexpugnavel blindagem dos mecanismos de decisão contra qualquer
interferência da massa dos excluídos, da plebe, da ralé também dita
“eleitorado”.
Os países são feitos para quem
tem a última palavra no seu processo de tomada de decisões. E muito pouca coisa
para além dessa verdade é verdade no bla-bla-blá com que nos engambelam desde
Tiradentes. Existe democracia se e quando há uma ligação aferível dos
representados com cada representante eleito e estes dispõem de instrumentos
efetivos para impor a sua lei a aqueles. É simples assim. Tem o poder quem tem
o poder de demitir. É isso que decide se o país será construído pelos
representantes eleitos para eles próprios e para “os seus” ou para o povo, para
os eleitores.
Hoje a dúvida sobre para quem é
feito o Brasil é zero. É dado à plebe, à ralé, ao eleitorado ir às urnas a cada
quatro anos como irá mais uma vez domingo mas, daí por diante e até a próxima
eleição ele estará totalmente excluído da discussão do seu próprio destino.
Qualquer ascensorista do Congresso Nacional, qualquer “massoterapeuta” de
nossos egrégios tribunais – que os há em todos e pagos com dinheiro da favela!
– o mais reles dos auxiliares de coisa nenhuma com acesso ao pé do ouvido das
“excelências” da corte tem muito mais poder de influir e de “adquirir direitos”
nessa ordem legal espúria que distribui os ônus e os bônus de ser brasileiro
que os milhões de eleitores que permanecerão amordaçados até a próxima eleição.
Tem muito mais poder de influência que os milhões de brasileiros a quem, a cada
quatro anos, é concedido fazer “a sua escolha” entre as escolhas deles e depois
penar calados as penas de manter o desfrute da “privilegiatura”.
Dez milhões contra 200 milhões.
E, no entanto, passa batida como a expressão da mais pura verdade estabelecida,
a afirmação diariamente repetida pela situação e pela oposição e amplificada
pelos “contra” e pelos “a favor”, de que tocar em qualquer desses privilégios
seria “altamente impopular”. É um resumo eloquente da extensão da
imunodeficiência nacional à mentira.
A mera exposição honesta e
didática das parcelas que compõem a conta da miséria do Brasil desfaria o nó
cego de mentiras que mantêm atadas as contas públicas. Nada poderá deter a
força dos 99,5% lesados apenas se lhes for dado conhecer os números exatos
sobre quem, entre os 0,5% restantes está levando quanto, e quais as
alternativas para ir buscar a diferença que mede o desastre humanitário nacional
em outros bolsos senão os que estão sendo injusta e indecentemente recheados
com dinheiro independente de suor.
Mas até aí estaremos falando
apenas de manter viva a galinha dos ovos de ouro. E de assegurar a disputa pelo
“direito” de ser o primeiro a colhe-los.
O lugar de honra do panteão dos
heróis da História do Brasil continuará vago até que chegue quem seja honesto o
bastante para fazer a reforma política que tornará impossível que, “como regra
a mentira esteja acima de tudo no nosso meio político”, seja quem for o eleito
da vez para fazer o seu turno “lá”. Para fazer a reforma que tornará os
representantes eleitos dependentes dos seus eleitores antes, durante e depois
de cada eleição e lhes dará a última palavra em cada uma das decisões que
afetarão o seu futuro; a reforma que emancipará os brasileiros e porá
diretamente nas mãos deles a busca das soluções possíveis, na velocidade que
lhes convier, para limpar e reconstruir este país, cada pedaço dele à sua
imagem e semelhança, e faze-lo avançar daí por diante sem compromisso com a
petrificação do “erro” em privilégio, sem medo de experimentar como a vida pede
a cada um de nós que façamos.
Voto distrital puro para garantir
a fidelidade da representação do país real no país oficial e para tornar
operacional mudar com segurança no ritmo da necessidade, direito de retomada de
mandatos e referendo das leis dos legislativos a qualquer momento para lembrar
sempre quem é que manda, eleições de retenção de juízes para prevenir
marchas-à-ré.
Eis a verdade que nos libertaria."
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