“Discurso para governar
Por William Waack
Tem um discurso para ganhar
eleição e tem um discurso para governar. Dizem que a frase é de Tancredo Neves.
Diante de uma eleição que as
pesquisas de intenção de voto apontam como decidida já desde o primeiro turno,
resta saber que outro discurso Jair Bolsonaro está disposto a empregar. O de
ganhar a eleição deu certo.
Talvez alguns gestos de quem – se
as pesquisas estão certas – vai ser o novo presidente brasileiro permitam
vislumbrar que ele sabe a diferença entre realidade e retórica. A intenção por
ele manifestada de preservar alguns quadros da atual equipe econômica, por
exemplo. Faz supor que reconhece a existência de funcionários públicos que
servem ao Estado e não ao governo da vez.
Ou a articulação de um apoio
amplo para eleger um presidente da Camara dos Deputados saído não
necessariamente das hostes do chefe do executivo, o que sugere o alguma ideia
de que o Legislativo precisa de independência e não de controle pelo Planalto.
Tome-se também a manifestada
disposição de rever a pretendida fusão do Meio Ambiente com Agricultura —
aliás, o moderno setor agropecuário brasileiro compete internacionalmente dentro
de reconhecidos padrões de sustentabilidade. Ou a de voltar atrás no anúncio de
subordinar o Ministério da Indústria e Comércio à super pasta da Fazenda –
países modernos e avançados separam finanças e economia.
Note-se, porém, que esses são
mecanismos para governar, mas ainda não indicam em que eixos se dará a atuação
do governo. Da mesma maneira, permanecem nebulosas as declarações de que a
política externa será desvinculada de apegos ideológicos.
Nesse sentido, tenho chamado a
atenção para o fato de que a imagem no exterior do provável novo presidente
brasileiro é muito ruim, e não adianta dizer que é culpa de esquerdismo da
“mídia internacional” – embora as esquerdas brasileiras tivessem mobilizado que
laços existissem lá fora com o mundo diplomático, acadêmico, dos partidos e
instituições internacionais pintando o Brasil como uma masmorra do apartheid
social (e, agora, fascista). O fato é que a imagem ruim existe.
Mandatários de vários países
formam opiniões sobre colegas de outros países também a partir do que recebem
da própria mídia local. Parte substancial desses órgãos de imprensa (e,
reitero, nada a ver com “esquerdistas”) considera Bolsonaro um risco à
democracia ignorando as evidências de que a escolha que está sendo feita pelo
eleitorado brasileiro é antes de mais nada a manifestação de profunda
desconfiança e descrédito nas instituições existentes (como STF, partidos,
imprensa) – “clima” do qual Bolsonaro é consequência e não causa.
O assalto às instituições começou
muito antes dele. A corrupção é entendida pelos eleitores como a mais evidente
e palpável expressão de degradação do funcionamento de todo o arcabouço
jurídico-normativo-político. No fundo não deveria causar surpresa alguma a
maneira como o pêndulo oscilou agora contra as forças políticas (não só o PT,
evidentemente) que se apoiaram sobretudo na mentira, roubalheira e populismo
fiscal irresponsável. Antes de surgir um Bolsonaro, já existia um enorme
cansaço de “tudo isto aí”.
A ideia propagada por Bolsonaro
de que ele é capaz de limpar o jogo sujo, e enfrentar tudo o que está
corrompido (começando pela restauração de valores tradicionais), acabou sendo
um grande triunfo eleitoral.
Mas apenas esse discurso, diria
Tancredo, não lhe permitirá governar.”
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