Por Zezinho de Caetés
A Veja da semana anterior não trouxe nada que pudesse demitir outro ministro mas trouxe um reportagem sobre a saúde do Hugo Chaves, que se verdadeira, não o teremos por muito tempo neste mundo.
Para nós, analistas políticos, também é difícil falar sobre doenças de políticos, pois quando ele adoecem, geralmente, tornam-se quase santos, e quando morrem, ou se tornam anjos ou demônios. Mesmo assim resolvemos comentar um pouco a reportagem da revista e cumprir o nosso dever.
O faremos em forma de pastoril, sem querer menosprezar a doença de alguém, pelo qual como o pessoa, sempre desejaremos que ele viva muito para pagar os pecados seus (dele), e aqui na terra. Então, no que segue abaixo, o que está em vermelho é da revista Veja, e o que está em azul é o que eu escrevo.
Há um mês, o presidente venezuelano Hugo Chávez beijou a imagem de gesso do médico José Gregorio Hernández (1864-1919), idolatrado como santo em seu país, em agradecimento à “cura” de seu câncer. Jogo de cena. A foto acima, feita duas semanas atrás, desvela a realidade. O rosto inchado, a pele ressecada, a ausência de cabelos e o aspecto cansado compõem o retrato de um homem doente, muito doente. “Sua aparência mostra que o tratamento continua, e que o câncer ainda está ativo ou poderá voltar”, diz o oncologista Ademar Lopes, de São Paulo. Essa avaliação é reforçada por um conjunto de relatos detalhados da evolução do câncer de Chávez, produzidos por fontes da Venezuela, aos quais VEJA teve acesso. Segundo tais relatos, ele não só segue doente como seu quadro clínico se complica a cada dia. O câncer, que estava restrito à próstata e ao cólon, há muito se espalhou, com metástases nos ossos. As fontes venezuelanas, apoiadas em exames médicos, afirmam que a sobrevida de Chávez dificilmente superará um ano. O tirano, que governa a Venezuela por doze anos, amarga um crepúsculo antecipado. Nas eleições presidenciais de outubro do ano que vem, ele poderá não estar presente.
Por mais que alguém não concorde politicamente com alguém, jamais se pode desejar sua morte. A atividade política não é uma guerra e sim, talvez, a melhor forma para evitar uma. Assim como a diplomacia, a política é, ou pelo menos deveria ser, um recurso dos seres humanos para viverem em paz e com saúde. Nem sempre isto acontece, como estamos cansados de saber. Mesmo assim é muito triste ler algo assim a respeito do Hugo Chaves. Preferimos analisar o caso, como se ele fosse se afastar do governo venezuelano e de influir na política latino-americana. E vendo assim, seu afastamento seria bom. Não podemos ser hipócritas nem no câncer. Hipocrisia é o câncer das relações sociais e deve ser evitada a qualquer custo, principalmente, no campo político.
O primeiro a alertá-lo sobre a gravidade de seu problema de saúde foi um médico espanhol, em janeiro. Na ocasião, Chávez já convivia fazia mais de um ano com sintomas que apontavam para a existência de um tumor na próstata. O venezuelano, contudo, postergou a realização dos exames sugeridos. Em maio, o primeiro sinal de saúde frágil se tornou visível. Chávez apareceu em público apoiado em uma muleta. De acordo com a versão oficial, a causa era uma lesão no joelho. A dificuldade para andar tinha outro motivo, segundo os relatos obtidos por VEJA: o avançado estágio do câncer nos ossos. No mês seguinte, Chávez foi internado em um hospital de Havana, em Cuba, para extirpar o tumor na próstata. A intervenção cirúrgica, não recomendada para casos de neoplasia nessa glândula com metástase, pode ter sido um erro médico gravíssimo que acelerou a disseminação do câncer. Uma segunda cirurgia foi feita dez dias depois, conforme disse o próprio Chávez. Desse ponto em diante, a terapia passou a ser comandada por médicos europeus, com equipamentos importados. Os cubanos foram relegados ao papel de observadores.
O primeira obrigação de um político ou homem público com o seu povo é tratar de sua saúde, pois não há como liderar os outros quando não há controle sobre seu próprio corpo. Temos muitas notícias de governantes que adoeceram no poder e até morreram nele, mas evitar o que se pode evitar de mau para todos, inclusive ele, é o dever de todo governante. Muitos alegam legitimamente os deveres do Estado para assim se comportarem, e talvez seja este o motivo do Chaves ter assim se comportado mas, só complicou as coisas para ele mesmo, e dentro do seu ponto de vista de ser eterno no poder para servir ao seu povo, foi uma atitude equivocada.
O visual inchado de Chávez dos últimos dias, com o queixo emendando no peito, pode ser lido como uma evidência de que o tumor da próstata já teria alcançado o reto (a parte final do intestino), comprimindo as vias urinárias, ou como um efeito dos corticoides usados na quimioterapia. O urologista Fernando Almeida, da Unifesp, e os oncologistas Sergio Azevedo, da UFRGS, e Samuel Aguiar Junior, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, fizeram uma análise crítica dos relatos obtidos por VEJA. De acordo com eles, alguns procedimentos citados não condizem com o tratamento-padrão de um câncer de próstata. Tumores originados nessa glândula, por exemplo, não requerem quimioterapia - e Chávez já enfrentou quatro sessões. Segundo as fontes da Venezuela, o uso da quimioterapia se deve ao aparecimento de um câncer no cólon, que perfurou a parede do intestino e provocou uma infecção. O tumor no cólon também explica a segunda cirurgia. A possibilidade de aparecerem dois tumores simultaneamente é rara, mas não impossível. Como os sintomas foram menosprezados por mais de um ano, as células do câncer de próstata se espalharam para os ossos, o que foi detectado numa análise citológica. Em agosto, os médicos concluíram que o tratamento em duas frentes, com quimioterapia e radioterapia, fracassou. Cogitou-se, então, a transferência de Chávez para um centro de oncologia na Europa. Ele recusou a proposta. Em setembro, fez sessões em uma clínica montada na ilha La Orchila, onde está localizada uma casa de praia da Presidência.
Não posso e não devo entrar aqui nos aspectos técnicos da doença. Mas vale um comentário sobre o progresso da ciência médica no mundo. Todos sabemos que este progresso é mal distribuído e sua existência depende muito da difusão do conhecimento técnico e inovador em cada área. Evitar um tratamento em uma região por motivos políticos, é por si só uma forma de irresponsabilidade, na maioria da vezes. Mas, o Hugo Chaves é conhecido por suas bravatas políticas, e não poderia deixar de agir assim, mesmo em vista de seu estado de saúde já se agravando. Muitos podem dizer que é um ato de bravura, mas pelas consequências pessoais do seu projeto de poder, acho que foi apenas burrice, a recusa em se tratar na Europa.
No fim de outubro, Chávez tomou uma decisão surpreendente, segundo as fontes da Venezuela. Informado da gravidade de sua doença, preferiu não se submeter a um tratamento mais agressivo, que certamente o tiraria das atividades públicas. Optou por receber uma terapia mais leve. Ainda assim, teve de abandonar o programa dominical Alô Presidente e os discursos intermináveis. Agora, raramente sai de Caracas. Prevendo não concorrer às próximas eleições por motivo de saúde, Chávez escolheu como substituto o chanceler Nicolás Maduro. Ele é o único integrante do governo que conhece toda a verdade sobre a doença do chefe. Em 2012, Maduro deparará com uma oposição organizada e vigorosa. Sete candidatos na casa dos 40 anos participarão de uma eleição primária em fevereiro, para a escolha do nome a enfrentar o chavismo. Embora a doença tenha elevado em oito pontos porcentuais a popularidade do governo, a empatia não se converteu em apoio político. Para 52% dos venezuelanos, o preferido no próximo pleito é um opositor.
Dependendo do grau com que isto vem ocorrendo, isto é, o grau de influência de uma doença de um candidato sobre o eleitorado, se algum dia o Chaves pensou em esconder (ou mesmo alardear) suas condições de saúde para influir no eleitorado, a dose deve ter sido excessiva. E isto não deve ficar restrito ao caso de Hugo Chaves. Não há um automatismo entre doença e voto. Isto depende muito da percepção da população, que não chego ao exagero de dizer que pensa, mas digo que percebe até onde vai a matreirice de alguns. O tiro pode sair pela culatra.
Em Havana, Chávez recebeu tratamento no Centro de Investigaciones Médico-Quirúrgicas (Cimeq). Seus leitos são reservados para membros do Partido Comunista, militares e artistas do país. Embora seja considerado o melhor da ilha, o Cimeq tem tomógrafos com mais de dez anos de uso e outros aparelhos que são pequenos “frankensteins”, montados com peças de equipamentos antigos holandeses e franceses. Há três anos, um cardiologista do Cimeq teve um tumor no pâncreas e veio a São Paulo se tratar. Suas despesas foram pagas por um mês pelo governo da ilha. Um telegrama da missão diplomática americana de 2008, divulgado pelo WikiLeaks, afirma que o chefe do Cimeq, um neurocirurgião, foi à Inglaterra fazer uma cirurgia no olho e, desde então, retornava periodicamente para acompanhamento.
Talvez este tenha sido o principal erro do Hugo Chaves. Por sonhar com o socialismo, acreditar que a medicina socialista de Cuba pudesse fazer algo por ele. A excelência da medicina e da tecnologia médica, quase sempre fugiu dos países ditos socialistas. Dizer o contrário foi mero fruto da propaganda. Foi no mundo ocidental capitalista que a ciência mais se desenvolveu, e na área médica, isto ainda é verdade. A medicina cubana está apenas nos estertores, como qualquer outra atividade que se diz socialista naquele país. Não são só os equipamentos médicos que estão em petição de miséria. Basta ver um fotografia recente de Havana. Vejam, os carros, os prédios, as roupas, as ruas, desde que não estejam perto dos pontos turísticos, onde cubanas se vendem por um dólar a mais. Mas penso que o Hugo Chaves não foi para lá por isso, e sim pelo que o jornalista da Veja escreve no vermelho seguinte.
Como presidente da Venezuela, país com a quinta maior reserva de petróleo do mundo, Chávez encontraria tratamento adequado em seu próprio país. Ou poderia seguir o exemplo do paraguaio Fernando Lugo, que trata um câncer linfático no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desde o ano passado. No início de julho, o chanceler venezuelano Nicolás Maduro esteve no Brasil para consultar médicos brasileiros e preparar uma possível vinda de Chávez. O preço a pagar por essa opção seria que, muito provavelmente, os detalhes de sua doença não ficariam em segredo. Em uma democracia consolidada, eles quase não existem. A luta da presidente Dilma Rousseff e agora a do ex-presidente Lula são conhecidas em minúcias por todos os brasileiros. Chávez lida com sua doença da mesma maneira que administra seu país: sem transparência e ignorando os sinais de deterioração. No ano passado, a inflação foi de 28% e o PIB caiu 1,5%. Caracas tem a maior taxa de homicídios da América Latina: 122 mortos por 100.000 habitantes. Cartunistas são presos por fazer uma simples piada. Disposto a acelerar o que considera uma revolução inédita e apaixonado pela crença na própria infalibilidade, Chávez recorreu, na ideologia e na medicina, aos cubanos. Com isso, não curou seu país, nem a si próprio.
Pelo menos, neste aspecto o meu conterrâneo Lula está sendo mais esperto. Ao invés de tentar esconder sua doença por motivo políticos, ele a mostra pelo mesmo motivo. Mas, leva uma vantagem sobre o Hugo Chaves, está se tratando no Hospital Sírio-Libanês, onde tem grandes chances de ficar curado. Imaginem se ele, em solidariedade ao companheiro Fidel, tivesse ido para Cuba?! Sem desejar nada de mau para ninguém, mas, o Zé Dirceu iria, mesmo que eu o quisesse sendo tratado no SUS, por lhe desejar o bem.