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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Criminalidade e democracia




“Criminalidade e democracia
        
Por Fernão Lara Mesquita

Em todos os tempos e todos os lugares essa gente do poder voa quando o povo lhe dá asas.

O que leva o ser humano ao crime é uma questão controvertida, mas a da segurança pública é bem mais objetiva. Nós com 29,5, eles com 4,2 assassinatos por 100 mil habitantes, apesar de todas aquelas armas, as idas e vindas dos Estados Unidos no tratamento desse problema podem ter algum valor didático.

Na esteira da luta pelos direitos civis nos anos 50 e 60 a Suprema Corte, refletindo a “narrativa” política dominante na época, aprovou medidas para reforçar os direitos dos condenados. Sendo o crime “consequência da má distribuição de renda” e a política penal “enviesada por preconceitos de classe e raça”, era hora de o sistema se voltar precipuamente para a reabilitação das “vítimas da sociedade”.

A nova orientação resultou num declínio acentuado da população carcerária, mas a partir do meio da década as taxas de crimes violentos (incluem mais que assassinatos) começaram a subir. Foram de 200,2 por 100 mil em 1965 para 363,5 no fim da década e 487,8 por 100 mil em 1975.

O movimento pelos direitos das vítimas do crime decolou junto com o de libertação feminina, que denunciava as Cortes por culparem as vítimas nos crimes de estupro. Mas muito mais gente se sentiu embarcada nessa inversão. Surgiam associações por todos os lados exigindo o fim do prende e solta do Judiciário. Os “Pais de Crianças Assassinadas”, as “Mães Contra a Direção Alcoolizada”, a “Organização Nacional de Assistência às Vítimas do Crime” (NOVA)...

No mesmo 1975, Robert Martinson, do New York City College, publicou a primeira pesquisa nacional séria de resultados de programas de reabilitação. Eram praticamente nulos. Os fatos diziam que era impossível prever racionalmente a periculosidade futura de alguém pelo seu comportamento na prisão e que a reincidência era praticamente a norma para os criminosos que tinham tido penas encurtadas. Àquela altura, com todos os mecanismos de redução e de “penas alternativas” os condenados estavam cumprindo apenas 37% de suas sentenças na média nacional. O movimento focou, então, no conceito de “Veracidade das Sentenças”. Tanto para dar satisfação às vítimas quanto para desincentivar o crime, dizia-se, era necessário deter o prende e solta e o faz de conta do Judiciário e fazer com que as sentenças expressassem as penas que de fato seriam cumpridas.

Mas a execução foi mais difícil que a formulação da ideia. A discussão arrastava-se ainda quando em 1981, com Reagan presidente, os instrumentos de democracia semidireta, que andavam meio esquecidos, voltaram triunfalmente à cena com a revolta nacional contra impostos iniciada pela Proposition n.º 13 (dê um google que o caso é ótimo), uma lei de iniciativa popular contra um aumento abusivo do imposto sobre propriedade (IPTU) na Califórnia. Rapidamente o exemplo migrou para a área da segurança pública. Em 1982 os eleitores da Califórnia aprovaram, com a Proposition n.º 8, uma “Carta dos Direitos das Vítimas do Crime”. Ela começava por afirmar oficialmente que “a prisão serve para punir os criminosos”. Além de baixar a idade para tratar como adultos os criminosos juvenis violentos, ela estabelecia o conceito “Três Crimes e Você está Fora” (“Three Strikes and You’re Out”), dobrando a pena para o segundo e dando prisão perpétua a quem cometesse o terceiro. Na sequência, 21 Estados passaram leis populares impondo sentenças mínimas e critérios rígidos para a progressão de penas. “Comitês de sentença” independentes e instâncias de recurso contra reduções determinadas por juízes foram tentados. E a população carcerária começou a aumentar.

Com a “Epidemia do Crack”, que lá ocorreu nos anos 80, a situação tornou-se explosiva. Antigos hospitais, quartéis e depósitos foram transformados em presídios, às pressas. Estados como Michigan e Iowa passaram problemas tão graves que acabaram por criar mecanismos de “progressão de pena de emergência”, libertando prisioneiros escala de crimes acima toda vez que os níveis máximos de lotação dos presídios eram ultrapassados.

O movimento de refluxo teve início com a diferenciação entre traficantes e usuários e o estabelecimento de penas alternativas só para estes. Passo a passo, anos 80 afora, a nova tendência – “a segurança da sociedade vem em primeiro lugar e a conveniência do infrator deve estar subordinada a ela” – foi-se firmando com as penas de reclusão aumentando para crimes violentos e as alternativas se generalizando preferencialmente para crimes contra a propriedade.

Reconhecendo que o pêndulo tinha ido longe demais na volta do excesso de leniência, os californianos, em reformas sucessivas, também acabariam por revogar definitivamente a regra dos três crimes, em 1996. Mas com as experiências acumuladas o país chegou, em 1994, ao Violent Crime Control and Law Enforcement Act, assinado por Joe Biden, que recomendava 60 reformas incorporando o conceito de “Veracidade das Sentenças”, criando restrições mais bem definidas para a progressão de penas, institucionalizando os comitês de condicional para substituir a solitária discrição do juiz nessa tarefa, criando um fundo nacional para a construção de prisões e contratação de policiais, definindo crimes de ódio e dando outras providências.

As reformas nos Estados e nos municípios prosseguiram, então, a partir de um novo patamar mais claro e seguro para todos, pois o sentido do sistema de democracia semidireta é imitar a condição humana de mobilidade e ajuste permanente. O que ele tem de melhor é a força para trazer de volta à Terra as autoridades que o poder sem limites põe voando na estratosfera e obrigá-las a atacar os problemas que afligem a população pela vertente que lhes for indicada por ela. O resto acontece por ensaio e erro, como é adequado à nossa espécie, que, para além de estar sempre mais propensa ao erro do que ao acerto, vive num ambiente tão dinâmico que cada “solução” é sempre apenas o início do próximo problema.”

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Dois importantes pronunciamentos



        
Por Bolívar Lamounier

Na semana passada e na anterior tivemos dois importantes pronunciamentos: o de Xi Jinping, primeiro-ministro chinês, e o de Tiririca, deputado federal brasileiro. A importância do primeiro decorreu mais do peso econômico e político da China no mundo que de seu conteúdo. Afirmo isso porque a substância do pronunciamento é bem conhecida.

Em sua fala de três horas e meia, o mandatário chinês reafirmou que a China é hoje uma superpotência econômica e política e fadada a um importante protagonismo no cenário mundial. E não precisou bater no peito para indicar que ele, como líder do Partido Comunista, está próximo de atingir uma estatura política comparável à de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping.

Mantidas as devidas proporções, Tiririca também disse uma coisa relevantíssima, embora desconhecida da maioria dos brasileiros. Anunciando que não pretende se recandidatar no ano que vem, ele afirmou: “Vim para cá pensando em aprovar projetos, mas a coisa aqui é muito complicada”. Para bom entendedor, pingo é letra.

A referência principal de sua curta sentença é, sem dúvida, o poder absurdo que as Mesas do Senado e da Câmara detêm. Nenhum senador ou deputado consegue aprovar projeto algum se elas não quiserem, só com uma paciência de Jó e puxando bastante o saco dos respectivos presidentes.

Esse mecanismo explica um dos maiores paradoxos do Legislativo, dois traços perversos que qualquer cidadão percebe a olho nu: de um lado, o governismo sem-vergonha que reduz as duas Casas a uma quase total impotência, fraudando a estipulação constitucional do equilíbrio de Poderes e desestimulando carreiras políticas sérias; do outro, revoltas inesperadas, surtos de rebeldia, notadamente no chamado “baixo clero”, cujo objetivo é invariavelmente aumentar o custo do apoio às Mesas e, por via de consequência, ao Executivo. Há quem singelamente acredite que a debilidade e a mediocridade do Legislativo sejam como uma danse sur place, um ponto de equilíbrio muito ruim, mas estático. Ledo engano.

O que se passa no Brasil, mercê do equivocado conjunto de engrenagens que compõe nosso sistema político, é um paulatino deslocamento para um equilíbrio cada vez pior. Uma das faces mais visíveis desse processo é a incapacidade do Legislativo, evidente já há muitos anos, de recrutar bons candidatos. Por que cargas d’água uma pessoa apta a desempenhar cá fora um papel de relevo vai se meter numa máquina de moer carne como aquela?

Tiririca disse que não vai se recandidatar, e eu acredito nele. Tem toda a razão: entre ser figurativo ou de verdade, é melhor sê-lo de verdade, cá fora. Circo por circo, os de cá são mais engraçados.

Claro, o deslocamento do equilíbrio para pior deve-se à operação de outros mecanismos, não só ao poder das Mesas. A proliferação desordenada de partidos carentes de identidade é um deles. É mais ou menos assim que a coisa se passa: um aventureiro ou um grupelho qualquer funda um partido e obtém no Tribunal Superior Eleitoral o devido reconhecimento. Só com esse passo ele (aventureiro ou grupelho) já se habilita a participar dos recursos do Fundo Partidário. Se conseguir eleger um punhado de deputados ou senadores, habilitar-se-á a vantagens não menos suculentas: entrará no universo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, usando seus votinhos como poder de chantagem para integrar a maioria governista, que cedo ou tarde, no limite, vai precisar deles. A contrapartida do Executivo pode ser em cargos nos ministérios ou nas estatais, mas, em caso de necessidade, há quem a aceite em moeda sonante, como ocorreu abundantemente no “mensalão” arquitetado pelo ex-presidente Lula.

Claro, a proliferação de agremiações acirra a disputa na arena eleitoral. Em cada Estado, um número cada vez maior de pretendentes começa a dar cotoveladas, a azeitar o caixa 2 e a clamar por “chances” proporcionais à contribuição que haverão de prestar à jovem democracia brasileira. Foi assim que, pela Constituição de 1988, deixamos para trás aquele saudável teto de 400 e poucos deputados e passamos aos 513 que integram atualmente uma Câmara proporcionalmente muito maior que a dos Estados Unidos!

Sejamos francos: para que tantos deputados e senadores? Por que não estabelecemos um mínimo de seis (em vez de oito) deputados e dois (em vez de três) senadores por Estado?

Mas seria ainda o caso de rir, e não de chorar, se nossos parlamentares fossem totalmente cínicos, defendendo tais disparates tão somente como uma engrenagem apta a acomodar seus interesses. O problema é que muitos não são cínicos. Muitos há para os quais esses mecanismos são o alfa e o ômega da sabedoria política, a estrada real que levará nosso país ao que chamam de “verdadeira democracia”. Para esses, quanto mais assentos no Legislativo e quanto mais partidos, melhor. Ora, se assim é, por que não uma Câmara com cinco ou dez mil parlamentares, cada um com seu próprio partido? Os que assim pensam não percebem que um corpo superdimensionado é uma forma de debilitar, não de fortalecer o Legislativo, uma forma de desnaturá-lo e castrá-lo, transformando-o num apêndice (é certo que barulhento!) do Executivo.

No Paper Federalista n.º 51, um dos estudos que elaborou como contribuição à Constituição americana, James Madison escreveu: “Se a assembleia de Atenas tivesse dez mil membros, com certeza deveríamos vê-la como uma horda de arruaceiros, não como um corpo deliberativo sério”. Eu só faria um pequeno acréscimo: uma horda formada por um baixo clero de uns nove mil e novecentos, precariamente controlados por uma elite de talvez cem.”

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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A Gazeta Digital (AGD) viajando




Por Zé Carlos

Hoje estou quase só neste veículo de comunicação voltado para Bom Conselho e considerado também de Bom Conselho. Reconheço, ele era mais animado na época em que tínhamos nossos eternos amigos, como Zezinho de Caetés, Jameson Pinheiro e Lucinha Peixoto, como seus colaboradores. No entanto, e de uma forma bastante diferente, ele vem sobrevivendo.

Acontece que na próxima semana eu irei viajar, com o intuito principal de matar a saudade dos meus netos, que estão nos Estados Unidos. E, apesar daquele país ser provido de todos os aparatos tecnológicos, eu não sei se será possível manter o ritmo constante das publicações no período que deve durar um mês.

E também tem o fato de, nos últimos tempos, quando fui “abandonado” pelo Zezinho de Caetés, tive que voltar a AGD para a política nacional. Sempre digo que sou um político frustrado, pois nunca entrei diretamente na atividade, mas, acompanho e admiro quem o faz. A Política é essencial para que sobrevivamos com as aspectos de civilização. E lá, não sei se terei notícias tão quentes como as tenho aqui.

Já pensei que, se não tiver notícias da “saúde” do presidente Temer eu abordarei a saúde do presidente Donald Trump, que meu neto chama de Pato Donald. Tentarei também abordar, como já fiz em outra viagem, aspectos da própria, pelo menos mostrando fotos em que não apareçam os tiroteios da Favela da Rocinha. Aliás, até agora, eu não sei qual dos dois países é mais eficiente em matéria de tiroteios.

Mas, espero que possa manter o mínimo de produção deste veículo, e dando notícias positivas da política brasileira. Quem sabe a imprensa americana não ver com bons olhos o que aqui se passa? Talvez, seja a proximidade dos nossos olhos que nos torne pessimistas em relação ao Brasil.

E aqui, a AGD sempre foi otimista, pelo menos em relação à seleção brasileira que já está classificada para a Rússia e que Deus nos livre de pegar a Alemanha outra vez, pois se o futebol estiver igual à nossa política o placar anterior de 7 x 1, vai ser pequeno. Aliás, falando de futebol, é mais fácil encontrar jogadores brasileiros nos Estados Unidos do que aqui. Aqui agora só ficaram os velhos e os americanos do sul.


Bem, de uma forma ou de outra mantenha-se antenados lendo a AGD, pois suas leituras são o nosso grande estímulo. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Sem saudades do comunismo




“Sem saudades do comunismo
        
Por Aloísio de Toledo César

Cem anos já se passaram desde aquele dia de outubro de 1917 em que, na Rússia, os bolcheviques, marxistas ortodoxos, assumiram o poder, depuseram o czar e organizaram a Guarda Vermelha, dando início à implantação do comunismo no país, sob o lema de “paz, terra e pão”.

Ainda hoje, a despeito do desfecho sem aplausos daquele regime na Rússia, há pessoas (não muitas, é verdade) que se mostram empolgada pela sedução marxista, sobretudo no ponto em que prometia a destruição de tudo o que é mesquinho, egoísta e indigno, sendo substituído por justiça, liberdade e harmonia.

Com paixão e sabor literário, Karl Marx (1818-1883) oferecia mesmo um sonho ao homem, isso num momento em que na Europa, saindo de sangrenta guerra, a maioria das pessoas enfrentava humilhação, fome e miséria. O grande erro de Marx em sua utopia talvez tenha sido prometer que, com a destruição do capitalismo, desapareceriam não só as diferenças de classe, mas também as nacionais, de tal forma que os homens viveriam como irmãos, sem fronteiras.

Ele parece não ter desejado o Estado totalitário em que se converteu a Rússia com a implantação do comunismo. Sob esse regime, a submissão absoluta imposta à população fez nascer um Estado rico constituído por famílias pobres, muito pouco melhor do que nos 300 anos de império dos Romanov. A igualdade forçada entre pessoas que não são iguais expurgou a riqueza e negou a irmandade e harmonia sonhada por Marx.

A defesa do ideário político marxista refletia influência de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1779-1831), filósofo prussiano que sustentava estar a vida em constante fluxo e que o momento da criação dá início a um processo que termina com dissolução e morte. Hegel acrescentava que toda ideia (tese) é inevitavelmente contrariada por um conceito oposto (antítese) e de sua luta surge a síntese. E que a História é impulsionada em seu curso pelo inexorável conflito de ideias, que levaria, ao final, àquilo que, para ele, seria o Estado.

Esse processo recebeu o nome de dialética, ou seja, o caminho em que a vida segue e deve continuar a seguir. Contaminado por essas ideias, Marx passou a pregar como essencial a presença de luta em todo estágio de desenvolvimento, de tal forma que o novo sempre substituiria o velho, assim como o capitalismo venceu o feudalismo e socialismo substituiria o capitalismo.

Naquele mês de outubro de 1917 a Rússia vinha de três séculos de escravidão sob o domínio dos Romanov, com a vergonhosa exploração dos homens do campo e atraso no processo industrial em relação à Alemanha, à França e à Inglaterra.

Nada indica que Marx tenha desejado um Estado totalitário de trabalhadores, tão arbitrário e opressivo nos seus métodos de governo quanto o fascismo. Ele chegou a falar em “ditadura do proletariado”, mas constituída da classe operária sobre os remanescentes da burguesia.

Quem de fato instituiu a ditadura de uma elite, de uma minoria selecionada sobre a maioria, foi seu seguidor Lenin, que desenvolveu a filosofia do bolchevismo. Marx acreditava que na maioria dos casos a revolução seria necessária, mas parecia inclinar-se mais a deplorar o fato do que a aplaudi-lo. Lenin pensava e fez o contrário.

Sob o bolchevismo, a manufatura e o comércio privados foram abolidos, fábricas, minas, estradas de ferro passaram a ser propriedade exclusiva do Estado e a agricultura foi completamente socializada, ou seja, impedido o lucro que move as pessoas.

Os bolchevistas ainda toleraram o cristianismo, mas as igrejas ficaram impedidas de qualquer papel beneficente ou educacional. Na implantação forçada de uma nova ética, imposta de cima para baixo, o Partido Comunista passou a exigir que todos os seus membros fossem ateus – isso num país que vivera grande religiosidade ao longo de séculos.

Aquele momento extraordinário da revolução na Rússia repercutiu em todo o planeta, num misto de entusiasmo, entre os intelectuais, e de medo, entre aos empresários. O Brasil viveu desde o início forte repulsa ao comunismo e aos comunistas, a ponto de a ditadura militar iniciada em 1964 proibir e combater a existência de agremiações políticas com essa característica.

Era tão grande a obsessão contra os comunistas naqueles tempos que prevaleceu a impressão de serem muitos, muitos mesmo, mas depois se viu que em número eram insignificantes. Por serem estridentes, pareciam ser muitos, mas, ao ser autorizada a criação e atuação do Partido Comunista em solo brasileiro, viu-se que eram e continuaram a ser um grupo numericamente pouco expressivo.

Os comunistas, para não serem presos ou perseguidos, precisavam disfarçar suas convicções, inscrevendo-se em outros partidos políticos. Os militares no poder pareciam ver comunistas até debaixo das camas, mas ao final da ditadura, quando se tornou legal a criação do Partido Comunista, viu-se que seus adeptos eram poucos, muito poucos.

O malogro do regime comunista na Rússia, e também em vários outros países europeus sob o seu domínio, parece ter ocorrido por não reconhecer o valor primordial do individualismo e impedir o lucro no trabalho. Mais espertos que os russos, os chineses somente cresceram economicamente a partir do momento que o líder Deng Xiaoping, décadas atrás, passou a remunerar melhor os trabalhadores que produzissem mais.

Aquele líder comunista chinês percebeu que a igualdade da democracia é uma igualdade de diferenças, e não de uniformidades. A China pagava a todos os seus trabalhadores o mesmo salário, mas Deng, esse incrível visionário, “descobriu” o lucro, ou seja, passou a remunerar melhor os que mais produziam e com isso seu país se tornou a segunda maior potência econômica da atualidade.”

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A Constituição de 1988 na visão de Roberto Campos




“A Constituição de 1988 na visão de Roberto Campos
        
Por Ney Prado

Neste centenário, em que Roberto, Por sua pátria é reverenciado, Tudo se torna presente, Mesmo o tempo que é passado

A esta altura, após 29 anos de vigência, o texto constitucional já recebeu abundantes apreciações de vários segmentos da sociedade brasileira e avaliações críticas dos setores político, econômico e jurídico, dando-nos um panorama razoavelmente diversificado de seus aspectos, tanto os positivos quanto negativos. Para atender a propósito do tema, julgo importante mencionar frases extraídas de algumas obras de Roberto Campos que retratam sua visão sobre a Carta de 1988.

“O problema brasileiro nunca foi fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las. Já demonstramos à saciedade, ao longo de nossa história, suficiente talento juridicista – pois que produzimos sete Constituições, três outorgadas e quatro votadas – e suficiente indisciplina para descumpri-las rigorosamente todas!”

“A Constituição brasileira de 1988, triste imitação da Constituição portuguesa de 1976, oriunda da Revolução dos Cravos, levou ao paroxismo e mania das Constituições dirigentes ou intervencionistas. Esse tipo de Constituição, que se popularizou na Europa após a Carta Alemã de Weimar de 1919, representou, para usar a feliz expressão do professor Paulo Mercadante, um avanço do retrocesso.”

“Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero; é, ao mesmo tempo, um hino à preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social; é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela.”

“No texto constitucional, muito do que é novo não é factível e muito do que é factível não é novo”.

“Da ordem social – exibem-se duas características fundamentais do socialismo: despotismo e utopia. (...) Exemplos de despotismos são os dispositivos relativos à educação e à previdência social. Quanto à educação, diz-se que ela é dever do Estado, com a colaboração da sociedade. É o contrário. Ela é dever da família, com a colaboração do Estado. (...) Outro exemplo de despotismo é a previdência estatal compulsória. Todos devem ser obrigados a filiar-se a algum sistema previdenciário, para não se tornarem intencionalmente gigolôs do Estado.”

“Na ordem econômica, nem é bom falar. Discrimina contra investimentos estrangeiros, marginalizando o Brasil na atração de capitais. Na Constituição de 1988, a lógica econômica entrou em férias.”

“A cultura antiempresarial subestima a importância fundamental do empresário na criação de riquezas. Para os constituintes, o trabalhador é um mártir; o empresário um ser antissocial, que tem de ser humanizado por imposição dos legisladores; o investidor estrangeiro, um inimigo disfarçado. Nada mais apropriado para distribuir a pobreza e desestimular a criação de riqueza. A Constituição promete solução indolor para a pobreza.”

“É difícil exagerar os malefícios desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos. Esse país ideal é aquele onde é mais fácil divorciar-se de uma mulher do que despedir um empregado.”

“No plano político, há o hibrismo entre presidencialismo e parlamentarismo. No plano congressual, levou a um anárquico multipartidarismo.”

“Aos dois clássicos sistemas de governo – o presidencialista e o parlamentarista – o Brasil acaba, com originalidade, de acrescentar mais um – o promiscuísta.”

“A Constituição dos miseráveis, como diz o dr. Ulysses, é uma favela jurídica onde os três Poderes viverão em desconfortável promiscuidade.”

“Os estudiosos do Direito Constitucional aqui e alhures não buscarão no novo texto lições sobre a arquitetura institucional, sistema de governo ou balanço de Poderes. Em compensação, encontrarão abundante material anedótico.”

“Aliás, a preocupação dos Constituintes não foi facilitar a criação de novos empregos, e sim garantir mais direitos para os já empregados.”

“O modelo monopolista sindical que temos é fascista. Conseguimos combinar resíduos de corporativismo fascista com o mercantilismo colonial, e acabamos reduzidos à condição de súditos, não de cidadãos.”

“A palavra produtividade só aparece uma vez no texto constitucional; as palavras usuário e eficiência figuram duas vezes; fala-se em garantias 44 vezes, em direito, 76 vezes, enquanto a palavra deveres é mencionada apenas quatro vezes.”

“Segundo a Constituição, os impostos são certos, mas há duvidas quanto à morte, pois o texto garante aos idosos o direito à vida. (...) “Diz-se também que a saúde é direito de todos. Os idosos, como eu, sabem que se trata de um capricho do Criador...”

“Que Constituição no mundo tabela juros, oficializa o calote, garante imortalidade aos idosos, nacionaliza a doença e dá ao jovem de 16 anos, ao mesmo tempo, o direito de votar e de ficar impune nos crimes eleitorais? Nosso título de originalidade será criarmos uma nova teoria constitucional: a do progressismo arcaico.”

“Essas rápidas pinceladas talvez nos deixem realmente convencidos de que o País tem pendente uma questão de urgência urgentíssima: reformar a Constituição e retirar o País do claustro, a fim de que os brasileiros respirem os ares do novo mundo em gestação.”

Em conclusão, gostaria de enfatizar minha plena identidade com o pensamento liberal de Roberto Campos por seus incontáveis méritos, de forma e conteúdo. Acrescento, todavia: nossa Constituição tem reconhecidamente vícios e virtudes. Mas, necessária ou não, progressista ou retrógrada, boa ou má, bem-vinda ou não, estamos diante de um fato jurídico inarredável, qualquer que seja a avaliação de seu conteúdo e a inclinação política do intérprete.”

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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Vamos ser otimistas?




“Uma agenda para o centro político
        
Por Sergio Fausto

À direita se escuta: é preciso aumentar a produtividade da economia. À esquerda se ouve: é necessário reduzir a desigualdade social. As duas afirmações são verdadeiras. Longe de serem incompatíveis, o aumento da produtividade e a redução da desigualdade constituem objetivos que se podem reforçar mutuamente. Devem constar como prioridade em qualquer programa de candidato(a) que queira ocupar o centro do espectro político e na agenda de governo de qualquer presidente que pretenda impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento para o País.

O pífio aumento da produtividade explica em larga medida o medíocre crescimento da economia brasileira nos últimos quase 40 anos. Nesse período investimos de maneira insuficiente em capital físico e capital humano para acompanhar a transformação produtiva e o progresso técnico das economias mais avançadas. Embora tenha havido uma importante queda da pobreza desde o Plano Real, a desigualdade social brasileira, como revela estudo recente, não retrocedeu desde então. Uma das mais altas do mundo, ela não apenas compromete o crescimento da economia, porque, entre outras razões, rebaixa o potencial produtivo de uma imensa parcela da população, como também impede a formação de relações de confiança que estão na base do desenvolvimento de uma sociedade civilizada e democrática.

Mais do que prioridades, entre outras, o aumento da produtividade e a redução da desigualdade devem ser adotados como critérios para definir as políticas cruciais para o próximo mandato presidencial. Cumpre escolher preferencialmente as que atendam simultaneamente aos dois objetivos ou, pelo menos, atendam a um deles sem prejudicar o outro. Se traduzidos para uma linguagem adequada, esses dois objetivos podem constituir o eixo de uma narrativa eleitoralmente competitiva.

Dada a gravidade do quadro fiscal, nada é mais urgente para criar as condições da retomada dos investimentos, e por essa via para o aumento da produtividade, do que ajustar as contas públicas em bases sustentáveis. Como as despesas com pensões e benefícios não param de crescer e já representam mais de 50% dos gastos correntes do governo federal, a reforma da Previdência é inadiável. Não apenas por questões fiscais e para agradar ao chamado mercado. Também, diria mesmo que sobretudo, para reduzir desigualdades sociais, em particular as que separam o funcionalismo público, especialmente os de mais altos salários, do grosso da população trabalhadora, que recebe pensões e benefícios equivalentes a um salário mínimo.

O mesmo critério pode ser aplicado à reforma tributária. Sabemos de cor e salteado as distorções e os custos que o sistema tributário atual gera para as empresas, levando a decisões irracionais do ponto de vista da alocação eficiente do capital e tolhendo o potencial de crescimento das micro e pequenas. Igualmente conhecidas são as causas da regressividade do sistema tributário, que pesa mais sobre o orçamento dos mais pobres do que sobre o dos mais ricos, mais sobre o investimento e a produção, que criam riqueza para o País, do que sobre o patrimônio, a herança e as altas rendas, que em geral se traduzem na ostentação de um nível de consumo acintoso diante das condições sociais do País.

O País não se pode dar ao luxo de reduzir a carga tributária total. Dada a gravidade do quadro fiscal, no curto e no médio prazos isso é inviável. Dizer o contrário é fazer demagogia. Não há nenhuma razão técnica, porém, que impeça uma reforma tributária de atender ao mesmo tempo aos objetivos de aumentar a produtividade e reduzir as desigualdades, melhorando a qualidade dos tributos indiretos e aumentando a participação dos tributos diretos (sobre rendas altas, patrimônio e herança). A reforma pode e deve ser feita gradualmente, para minimizar os riscos de perda de arrecadação no meio do caminho, mas deve ser apresentada ao País na campanha eleitoral dentro de uma visão mais ampla do desenvolvimento.

De modo mais pontual, cabe dar respostas claras a questões que normalmente permanecem encobertas aos olhos do eleitor. Faz sentido manter subsídios a empresas e setores que, mesmo protegidos, mal conseguem competir, em detrimento de gastos sociais que teriam retorno, até econômico, muito maior e mais amplo? Haverá aplicação de recursos públicos escassos que simultaneamente mais reduzam a desigualdade e aumentem a produtividade do conjunto da economia do que investimentos em educação, saúde e saneamento básicos?

De maneira igualmente clara é preciso responder a quem estigmatiza privatizações e concessões, defendendo interesses corporativos e eleitorais em nome do bem do País. Se bem feitas, elas podem contribuir muito para o aumento da produtividade, com efeitos, no mínimo, neutros sobre a desigualdade.

Não é trivial criar uma narrativa eleitoralmente competitiva em torno das ideias de aumento da produtividade e redução da desigualdade. Trabalho para profissionais da comunicação. Mais importante, no entanto, é a disponibilidade de lideranças com coragem para escapar às fórmulas fáceis e vazias do marketing eleitoral, não raro descaradamente mentirosas, como vimos em 2014.

Ante a gravidade dos desafios que o Brasil enfrenta, quem vier a ser eleito(a) deverá chegar à Presidência da República não apenas com o mínimo de 50% mais um dos votos válidos, como manda a Constituição, mas com um mandato claro extraído das urnas. Para isso precisa dizer com nitidez o que pretende fazer e persuadir a maioria do eleitorado, pelo uso público da razão, de que tem capacidade para fazê-lo. Os objetivos devem corresponder a valores. Especialmente num país como o Brasil, a justiça social não pode faltar. Não é preciso escolher entre uma sociedade justa e uma economia produtiva. Podemos e devemos lutar pelas duas.”

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AGD comenta:

O texto acima foi aqui transcrito, menos pelo seu realismo e mais pelo seu otimismo. Estudei Economia um dia e naquilo que aprendi, a divisão entre produtividade e desigualdade é quase o foco central desta lúgubre ciência.

Vivi várias épocas no Brasil, e em uma delas diziam que “primeiro ter-se-ia que produzir” (produtividade) na outra diziam “temos que distribuir o que já temos e acabar a pobreza” (desigualdade). O texto acima reza para que o lema seja: “Vamos produzir e distribuir ao mesmo tempo”.

Como vivemos num país capitalista (embora no Brasil isto só se aplique em parte), a parte produtiva só pode vir aliada com medidas contra desigualdades através do Estado. Nos países ditos socialistas (cada vez menos em número atualmente) através de planejamento e políticas públicas isto poderia ser feito de uma maneira mais fácil (apenas em teoria pois não deu certo).

Por isso, hoje quem é de direita, no campo político, é associado ao “aumento de produtividade” e que é de esquerda à “diminuição das desigualdades”. Tal qual em Economia, entre uma e outra posição há várias possibilidades que foram sendo adotadas ao redor do mundo.

Aqui no Brasil, política de direita foi dada ênfase no período militar, enquanto a parte da esquerda foi adotado como mote, em governos posteriores, uns mais outros menos. A ênfase maior do lado da esquerda foi adotada nos governos de Lula (segundo mandato) e Dilma. E hoje, pelo menos em teoria o governo Temer deu uma guinada para direita, mas, como vimos, havia um Joesley no meio do caminho.


E hoje, com a paralisia total do governo federal devido às denúncia contra o presidente, corremos o risco não irmos a lugar nenhum. O centro proposto pelo articulista, hoje, é apenas um sonho bom.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Síndrome do pato manco




“Síndrome do pato manco

POR MERVAL PEREIRA

O presidente Michel Temer, mesmo que se confirme hoje, como tudo indica, a maioria necessária para superar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele, não escapará de ser um “pato manco” até o fim de seu governo, o que muito o constrange neste momento em que as forças políticas se mobilizam para sua sucessão.

  "Pato manco" (lame duck), é uma expressão usada principalmente na política norte-americana que define o político que continua no cargo, mas por algum motivo não pode disputar a reeleição e perde a expectativa de poder. A expressão nasceu na Bolsa de Valores de Londres, no século XVIII, em referência a investidor que não pagou suas dívidas, e ficava exposto à pressão dos credores. A ave (e o político) com problemas torna-se presa fácil dos predadores.

A expressão surgiu de um velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead duck, isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”. Temer, a exemplo de Sarney no final de seu governo, não terá mais força política para levar adiante seu projeto econômico, embora vá tentar evitar a síndrome do "pato manco", justamente para não se tornar um presidente sem influência na sua sucessão.

O governo quer voltar à agenda econômica depois da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, mas reformas como a da Previdência, que precisam de um quorum mais alto para serem aprovadas, vai ser muito difícil passar. Talvez o governo consiga aprovar outras medidas que podem ser feitas por projetos de lei, como controle de gastos.

Mas a um ano da eleição - quinta-feira já entramos no ano eleitoral - nenhum político vai querer entrar em algum assunto polêmico, que possa prejudicar uma reeleição. Nada que provoque muita discussão vai passar no Congresso. Antes da crise política que paralisou o governo Temer, com a gravação de sua conversa com o empresário da JBS Joesley Batista, já estava muito difícil aprovar a reforma da Previdência, a joia da coroa da proposta econômica do governo.

 Agora, provavelmente não haverá mais tempo útil nem meios para negociar o apoio necessário à sua aprovação. É possível que a fixação de uma idade mínima acabe sendo aprovada, pois já existe um consenso na sociedade em torno desse item da reforma. Mas a complexidade da reforma integral da Previdência não tem mais espaço político para uma negociação exitosa.

Além da dificuldade crescente que o governo tem para pagar dívidas contraídas nas duas votações para livrar Temer do processo no Supremo Tribunal Federal, há necessariamente o receio do contágio da impopularidade do presidente na próxima eleição geral de 2018.

Na tramitação inicial do projeto de emenda constitucional havia ainda o argumento político de que a aprovação da reforma alavancaria a economia, fazendo com que a eleição de 2018 fosse disputada em um ambiente econômico mais promissor, ajudando a melhorar a imagem do governo e, consequentemente, a de seus aliados.

Já não há mais tempo útil agora para esse tipo de especulação, e ninguém vai querer arriscar um movimento tão polêmico sem a garantia de que haverá uma reviravolta na economia. O presidente Temer tem toda razão de tentar até o fim, assim como o ex-presidente Lula também insiste em uma candidatura presidencial praticamente inviável.

 Mas os dois jogam seus futuros nas eleições. Se Temer ganhar musculatura para se tornar um eleitor de peso da sua própria sucessão, pode ter esperança de apoio do futuro presidente para se salvar do processo a que responderá sem o foro privilegiado. Foi-se o tempo em que era possível cogitar ele próprio como o candidato à reeleição.

Uma anistia direta, ou mesmo indireta, com alguma decisão que atinja todos os ex-presidentes (beneficiando até mesmo Lula) pode ser uma saída. Assim como Lula vê na presidência a salvação pessoal e de seu projeto político.

Os dois correm o risco de morrer na praia.”

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AGD comenta:


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Uma andorinha só não faz verão, mas...




“Erro de cálculo
        
O Estado de S. Paulo

Políticos vivem de votos. Por essa razão, à medida que uma eleição se aproxima, quem depende de voto procura não melindrar seu eleitor. É natural, portanto, que as avaliações políticas a um ano da próxima eleição para a Câmara dos Deputados levem em conta, como sempre, o eventual desgaste causado pela aprovação de medidas consideradas impopulares. Assim, como mostrou recente reportagem do Estado, os líderes dos principais partidos da base do governo ponderam que, daqui para a frente, será muito difícil votar projetos destinados a melhorar o estado lastimável das contas públicas, pois acreditam que, se o fizerem, perderão votos. Trata-se de um gritante erro de cálculo.

É improvável, a esta altura do campeonato, que uma parte considerável do atual Congresso consiga sobreviver ao teste das urnas mesmo que se empenhe em aprovar matérias de forte apelo popular, como na área de segurança pública, por exemplo. Não é despropositado presumir que a taxa de renovação da Câmara será alta, em razão dos muitos escândalos de corrupção e da deterioração acentuada da confiança dos cidadãos em seus representantes. Mesmo que prometam os céus e se entreguem ao populismo desbragado na campanha, os políticos com mandato terão considerável dificuldade para convencer seus eleitores de que merecem continuar no Congresso.

Nem é preciso perguntar como o Congresso chegou a esse ponto. O País parece ser a última das preocupações de uma grande parcela dos deputados e senadores, hoje muito mais empenhada em se safar do torvelinho de denúncias e em manter seus feudos de influência na máquina pública do que em discutir e aprovar as matérias que poderiam ajudar a reduzir o descalabro econômico legado pelas irresponsáveis administrações lulopetistas.

Esses parlamentares, pela força do hábito, parecem incapazes de pensar em outra coisa senão em obter vantagens do governo em troca de seus votos. A um ano da eleição, contudo, nem o costumeiro fisiologismo parece suficiente para fazer os políticos da base aliada votarem nos projetos de interesse do governo que formalmente dizem apoiar.

Entre essas medidas estão, por exemplo, o aumento de alíquota da contribuição previdenciária para servidores e o adiamento do reajuste do funcionalismo público. “Para essa pauta de desgaste, vai ser muito difícil ele (o presidente Temer) contar com número suficiente da base para aprovar. Os partidos podem até encaminhar a favor, mas não terá correspondência nas bancadas”, disse o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA).

Já o líder do PRB, deputado Cleber Verde (MA), disse que “essa agenda impopular é ruim para o deputado” e que os parlamentares já enfrentarão desgaste suficiente derrubando a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Temer, como se prevê que aconteça em votação na próxima quarta-feira.

Diante dessa resistência, não se espera nem mesmo que a mais tímida das reformas da Previdência – que, segundo pretende o governo, estabeleça uma idade mínima para as aposentadorias – venha a ter apoio neste momento. Até o líder do PMDB – partido de Temer – na Câmara, Baleia Rossi (SP), considera que essa “reforma enxuta” é “apenas uma das medidas que têm de ser adotadas, mas não é a mais importante, aquela que, se não votar, o País acaba”.

Como se observa, esses políticos parecem não ter entendido o gravíssimo momento que o País vive. Muito tempo já foi perdido pelo governo e por sua base no Congresso em razão da paralisia gerada pelos escândalos de corrupção, e agora que, finalmente, se pode retomar a agenda de interesse nacional, os parlamentares avisam que só estão pensando nas urnas.

Se esses políticos acreditam que podem reconquistar seus eleitores por meio da demagogia de sempre, estão enganados. Hoje, a única coisa que poderia melhorar a imagem dos parlamentares – e render os tão desejados votos – seria a conscientização de que o País não suporta mais tanta irresponsabilidade.”

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AGD comenta:

O que é realmente difícil hoje, no Brasil, é sair do assunto das eleições de 2018. Para alguns ela pode ser a panaceia para todos os males brasileiros e para outros poderá levar o país a uma situação pior.

O texto que acima transcrevemos é um editorial de domingo do Estadão. Penso que por muito tempo ele poderia ser reproduzido sem perder a atualidade. Os nossos parlamentares agora só “pensam naquilo” como diria aquela personagem da Escolinha do Professor Raimundo, ou seja, se reeleger e manter o foro privilegiado.

E o que se prever, como já vem ocorrendo com a guerra à Operação Lava Jato, eles serão contra a tudo que possam mexer nos seus privilégios. Se assim continuar e tiverem êxito só entrará na cadeia quem tiver um contracheque de baixo valor, e bem pequeno. E, para os políticos a palavra prisão sairá do vocabulário.

E eu como cidadão, o que posso fazer além de reclamar da situação. Bem, a nossa única arma nesta briga é o voto, mas, não só o nosso voto individualmente, pois uma andorinha só não faz verão. Mas, se juntarmos as andorinhas em cima do Congresso, Palácios e Assembleias Legislativas, poderemos fazer um barulho capaz de fazer despertar esta instituições para o que estão fazendo com o Brasil.

O grito da andorinha é não votar em ninguém que tiver movido uma palha indo contra a luta contra a corrupção. Sei que é um grande problema encontrar um parlamentar atual que possa ser votado, mas, para ser justo, como sempre tento ser, existem. Ou seja, quanto maior o barulho das andorinhas maior a taxa de renovação dos postos eletivos.


É óbvio que isto não funcionará para as andorinhas viciadas e um ou outro escapará do barulho, mas, não nos custa nada tentar. Mesmo porque, dentro da nossa incipiente Democracia que deve ser aprimorada, não há outra alternativa. Ou é o voto ou o caos.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Estará a Justiça sendo justa?




“A arte de blindar no Planalto Central

Por Fernando Gabeira

Os idos de 64 já vão longe, embora existam algumas semelhanças com o presente. Hoje a situação internacional é favorável à democracia, o Brasil está mais ligado ao mundo. E a tese fundamental é de que sociedade tem a capacidade de resolver por si a grande crise em que está metida.

Essa tese é também a razão da nossa esperança, não há a mínima condição de abandoná-la. No entanto, ela sofreu um golpe no processo que envolveu o Supremo e o Senado, culminando com a suspensão das medidas cautelares aplicadas ao senador Aécio Neves.

Já é grande o número de pessoas que não acreditam em solução democrática para a crise. Quem observar o discutido discurso do general Mourão, que admitiu a possibilidade de intervenção militar, verá que ele coloca como um dos fatores que a justificariam a incapacidade da Justiça de punir a corrupção no mundo político. E a melhor maneira de negar essa perspectiva sombria é, precisamente, demonstrar o contrário: que a Justiça cumprirá o seu papel, restando à sociedade completar a tarefa com mudanças em 2018.

O Supremo ia nesse caminho quando esteve prestes a derrubar o foro privilegiado. Quem assistiu às discussões teve a impressão de que venceria a expectativa da sociedade de que a lei vale para todos. Mas o mesmo Supremo que mostrava tendência a derrubar o foro privilegiado suspendeu a decisão e, em seguida, deu um passo no sentido oposto: ampliou a blindagem dos políticos, submetendo medidas cautelares ao crivo do Parlamento.

Quem ouviu o discurso da ministra Cármen Lúcia num primeiro momento teve a impressão de que sua posição era contrária ao foro privilegiado. Na votação posterior, porém, recuou. Titubeando, mas recuou.

O Supremo decidiu abrir mão de uma prerrogativa. Afastar do mandato ou determinar recolhimento noturno não é o mesmo que prisão. É uma contingência das investigações.

Claro que, ao entregar a decisão ao Senado, as medidas cautelares seriam derrubadas. Entre todos os discursos, o mais cristalino foi o do senador Roberto Rocha. Ele citou um poema que dizia mais ou menos isto: se deixarem levar alguém hoje, amanhã levarão outro e o último estará sozinho quando vierem buscá-lo. É uma ideia interessante no contexto de países totalitários, a prisão é ameaça válida para todos os indivíduos. Mas Rocha não estava falando de um país, e sim do próprio Senado, uma Casa cheia de investigados pela Lava Jato cavando a última trincheira na areia movediça.

Outro passo atrás está a caminho no Supremo: recuar da prisão após sentença em segunda instância. Isso significa a possibilidade ser preso só depois de morto, no caixão!

Não sei como esses recuos serão metabolizados. Certamente, tornam mais difícil o caminho de uma solução democrática. Provocam indiferença enojada em muitas pessoas, em outras apenas reforçam o desejo de uma saída autoritária.

Apesar de tudo, não se pode dizer que todo o Supremo e todo o Senado tenham cavado mais um fosso de decepção. Tanto num como no outro há vozes discordantes.

No Supremo deu empate, resolvido com um hesitante voto de Minerva. No Senado, pouquíssimos entre os que votaram contra Aécio defendem a tese de que o Supremo deveria ter a decisão final, retomar o poder de definir medidas cautelares sem consultar o Congresso.

Isso significa que a maioria, incluído o PT, já considera como uma conquista irreversível o poder de dar a palavra final. Ganharam um escudo e vão usá-lo quando quiserem.

Imagino que o STF tenha tomado a decisão de abrir mão da palavra final na expectativa de evitar uma crise entre instituições, num momento de desemprego, tensões políticas. Mas certas crises têm de ser enfrentadas e vencidas. O Congresso está de costas para a sociedade. Se a Justiça, no caso de Aécio, não se impõe e, no caso de Temer, não consegue permissão para investigá-lo, acaba transmitindo a impressão de que é impossível a lei valer para todos.

O Supremo, penso eu, poderia voltar a dar um passo adiante, retomando a votação do foro privilegiado. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista. É estranho que um ministro não tenha ainda posição sobre o tema. Ele tem concedido entrevistas sobre revisar a prisão em segunda instância, o que significa caminhar no sentido inverso.

Moraes transmite a impressão de que está pronto para dar um passo atrás e precisa estudar muito ainda para votar um passo à frente. “Which side are you on?”, pergunta a canção de Dropkick Murphys.

O caminho que reforça o velho sistema político-partidário e fortalece a impunidade acaba sendo um grande obstáculo à democracia, embora se revista de uma retórica democrática, sempre defendendo a Constituição, o direito dos acusados, a liberdade. Mas algumas belas abstrações se revelam, na prática, apenas uma forma de proteger um sistema poderoso e sofisticado de corrupção.

A versão poética do senador Roberto Rocha é mais próxima da realidade. Se deixarem levar um a um, acabam levando todos. É uma variante dramática do verso “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”. Mas apenas próxima da realidade: alguns votaram com naturalidade contra a blindagem não só de Aécio, mas do conjunto dos parlamentares.

Essas batalhas, contudo, não se resolvem apenas dentro das instituições. Elas dependem da sociedade, ou pelo menos de quem compreende que e a solução autoritária é um trágico passo atrás. Um passo razoável seria acionar mais o que resta de apoio nas instituições e travar um amplo diálogo sobre como evitar o pior. No desespero da autodefesa, o sistema político-partidário não hesita em pôr em risco a própria democracia.

Gostaria de estar dramatizando. Sei que 64 está distante, todavia a conjuntura externa favorável e o nível de informação ampliado na era digital são fatores que não bastam para garantir uma saída democrática. Ela precisa de uma pequena ajuda dos amigos.

Para se defender, o sistema político não hesita em pôr a democracia em risco.”

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AGD comenta:

Texto primoroso do Fernando Gabeira. Se dissermos que o Brasil chegou ao fundo do poço seria uma alegria. Mas, pelo jeito, ainda temos muito poço pela frente na área política.

Hoje, quem disser que prever o futuro está de má fé ou mal informado. Nem a eleições de 2018, pelos candidatos que até agora apareceram, nos dar algum garantia de que nossa Democracia chegará a 2019.

E nossa justiça tem uma grande parcela de culpa em tudo isto. Talvez tenha se deixado levar tanto para o lado político que não pode voltar. E uma justiça política já não se pode chamar de justa, logo de início.

Os episódios da semana que passou aqui já abordados de alguma forma mostram que, como dizia Rui  Barbosa, “a justiça tem o direito de errar por último”, não se aplica mais. Hoje ele diria que “o Senado tem o direito de errar por último”, como o fez dando de volta o mandato ao Aécio Neves.


Se este fosse um fato isolado seria possível de consertar, mas, os erros estão acontecendo em pencas. O que eu espero é que o povo ainda possa errar por último, pois seus erros são menores do que os de outra instituição. Espero também que os “militares” não queiram errar por último, novamente, nesta onda de erros sucessivos.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Harmonia pelo avesso




“Harmonia pelo avesso

Por Ruy Fabiano

Essas prisões foram autorizadas pelo mesmo STF, há um ano, fixando a jurisprudência que agora pretende revogar. A única alteração na Corte, desde então, foi a entrada de Alexandre de Moraes, em substituição a Teori Zavaski, que, aliás, foi quem propôs essa prisão, antes do trânsito em julgado, que pode durar muitos anos, décadas mesmo. Será concretamente o fim da Lava Jato.

Nos Estados Unidos e na França, por exemplo, o condenado já começa a cumprir pena após condenação em primeira instância. Recorre às instâncias superiores de dentro da cadeia. Aqui, se voltar a prevalecer a prisão após o trânsito em julgado, a condenação prescreve sem que o condenado saia de sua rotina.

Paulo Maluf é o exemplo clássico. Todas as suas condenações prescreveram, sem que ele purgasse a cadeia. A jurisprudência do STF, prestes a ser revogada, havia estabelecido uma mudança importante para romper a cultura da impunidade no país.

Lula, já condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, aguarda a confirmação da sentença em segunda instância, pelo TRF 4, de Porto Alegre, que o levaria à prisão. Idem José Dirceu. Se depender dos titulares dos três Poderes, não têm mais o que temer.

Há uma semana, o ministro Ricardo Lewandowski, sinalizando essa mudança, mandou soltar o ex-vereador de Goiânia, Amarildo Pereira, preso após sentença confirmada em segundo grau. Foi um dia depois de o mesmo STF transferir ao Legislativo a prerrogativa de prender parlamentares – e mesmo dia em que o ministro Luís Fux concedeu habeas corpus ao terrorista italiano Cesare Battisti.

Na sequência, o Senado, confirmando as piores expectativas, devolveu na terça-feira passada o mandato ao senador tucano Aécio Neves. E a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, na quarta, rejeitou a denúncia da Procuradoria Geral da República contra o presidente Temer e seus ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco.

Estima-se que o plenário da Câmara, na semana que se inicia, confirme aquele resultado, já que o governo é majoritário e intensifica o corpo a corpo com os aliados na base do troca-troca.

Dentro da teoria das aproximações sucessivas da crise, mencionada pelo general Hamilton Mourão, como hipótese para uma intervenção militar, não há dúvida de que essas duas semanas foram de avanços significativos. O general, em palestra na Maçonaria, um mês atrás, condicionou a defesa da normalidade institucional a que o Judiciário cumpra o papel de colocar os políticos infratores na cadeia. Não o fazendo, advertiu, “vamos ter que impor isso”.

Até aqui, o Judiciário tem feito o oposto. A primeira instância - juízes como Sérgio Moro (Curitiba), Marcelo Bretas (Rio) e Waldisney Moura (DF) - prende, mas as instâncias superiores soltam.

Anteontem, por exemplo, o desembargador federal Olindo Menezes, do TRF 1, em Brasília, suspendeu o bloqueio de parte dos bens dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O bloqueio inicial, de R$ 60 milhões (insignificante para quem opera na escala dos bilhões), fora ampliado pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal do DF.

O desembargador achou um exagero essa ampliação – e, além de liberar os bens pessoais dos dois, permitiu que suas empresas retomem normalmente suas transações financeiras. Mais um gol contra do Judiciário, dando novo passo nas aproximações sucessivas.

Enquanto isso, o ex-presidente FHC, otimista, considerou que há novidades na política brasileira. E citou o apresentador de TV, Luciano Huck, marido de Angélica e pré-candidato à Presidência da República (!!) como uma delas. Há também, e ele se esqueceu de mencionar, o treinador de vôlei Bernardinho, sem falar do craque Romário, hoje senador, que postula o governo do Rio de Janeiro.


Tiririca errou quando disse que pior não fica. Ficou.”

Voltamos às caravelas...




“O medo que nos une
        
Por FERNÃO LARA MESQUITA

Democracia é o povo no poder. Ponto.

O desastre brasileiro só se vai aprofundar se continuarmos discutindo “por que” ou “quando” a imunidade dos mandatos parlamentares deve ser suspensa. A discussão que resolve é apenas e tão somente a sobre “quem” deve ter o poder de fazê-lo, até mesmo sem ter de dar satisfação a ninguém sobre o quando ou o por que se decidiu a isso.

O “parágrafo único” do Título I, “Dos Princípios Fundamentais”, da Constituição diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Daí o texto deveria saltar para o Título II, que deveria tratar de empoderar o eleitor para fazer valer o I, se essa Constituição acreditasse em suas próprias palavras. Mas não. Há cinco “jabutis” antes e mais pelo menos uma dúzia enfileirados depois desse “parágrafo único” para negar o que ele afirma e tutelar a vontade popular, que deveria ser soberana. E do Título II em diante segue sempre assim.

Nem no STF, nem no Legislativo, nem mesmo nos debates mediados pela imprensa sobre a imunidade parlamentar, instituto que visa a proteger o representado, e não a pessoa do representante, muito menos um cargo, a palavra “eleitor”, esse tal de “povo” de quem todo poder deveria emanar, chega a ser mencionada. Os três Poderes não só estão livres para cassar representantes eleitos e inverter a seu bel-prazer até o que o eleitor afirma em plebiscitos (como o do desarmamento), eles são cobrados pelos cidadãos supostamente mais ilustrados do País a assumir o papel que deveria ser exclusivo deles de decidir quem continua e quem sai, e quando, do jogo da – é sempre bom lembrar o nome – “democracia representativa”. São os cidadãos mais ilustrados e mais genuinamente imbuídos de civismo que, reagindo uns aos outros intoxicados por ondas de indignação adrede semeadas, exigem, “em nome da democracia”... que se extinga a democracia, seja com juízes, seja com a articulação de cúmplices no crime, seja com soldados.

Em plena era da informação é difícil sustentar que essa inversão decorra apenas de falta de informação. Trata-se de um vício bem mais entranhado. A verdade é que o que irmana esquerda, direita e centro desde sempre no Brasil é a desconfiança que todos têm do povo.

Considere o Estado brasileiro. Considere a Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, o BNDES e as 150 “brases” coadjuvantes no nosso escândalo sem fim. Sai Império entra República, as gerações chegam e se vão, direita e esquerda sucedem-se no poder e as histórias são sempre as mesmas. Só muda o grau da desfaçatez, que vai ficando tanto maior quanto mais óbvia se vai tornando a coisa. O Brasil e o mundo inteiro sabem que empresa e banco estatal só existem para serem roubados. O Brasil e o mundo inteiro sabem que desenvolvimento de verdade só há onde essas excrescências que tratam de justificar-se em nome dele são proibidas. Se quisessem mesmo que o País deixasse de ser roubado, o primeiro alvo de toda essa gente que anda de dedo em riste por aí estaria pra lá de definido. Mas quanto mais roubam o País por meio delas, mais proibido se torna falar em nos livrarmos das estatais.

Qual é o mistério?

Nenhum. Ao redor das empresas estatais e de quem vive específica e confessadamente de roubá-las estão os empregos nas estatais e no serviço público que a alta classe média, “vocal” e politicamente organizada, reserva “aos seus”. Os donos do Estado estendem a ela o regime de privilégios em que vivem de modo a estabelecer a cumplicidade que lhes permite entrar e sair de seus cofres à vontade para comprar e recomprar o poder de continuar eternamente a fazê-lo. Como os empregos públicos, os das estatais também vêm com a garantia da estabilidade eterna, com muito mais salários do que há meses no ano, cercados de “auxílios” isentos de impostos extensivos a toda a raça do agraciado já nascida e ainda por nascer, com aposentadorias precoces por valores muito maiores que os comprados pelas contribuições e dispensada da corrida maluca pela apresentação de resultados. São tão sólidas as garantias de “petrificação” eterna desses “direitos” instantaneamente extensíveis a toda a “privilegiatura” assim que “aquiridos” por qualquer membro individual dela que até os banqueiros, que jamais poderão ser acusados de inclinações altruísticas, lhes concedem crédito para consumo a juros descontados, constitucionalmente assegurados que estão de que o favelão nacional será sempre chamado a pagar a conta nas marés de inadimplência.

Quanto mais miserável esse sistema medieval de servidão faz a Nação neste mundo de competição feroz, mais absolutamente o concurso público, único canal de passagem da nau dos explorados para a nau dos exploradores, afora as nomeações, que são ainda mais explícitas, passa a ser um atestado de rendição. E isso cria um Brasil oficial sem pressa e moralmente entregue desde a partida, com tempo e dinheiro bastantes para tomar de assalto todos os canais de expressão política da Nação, e um Brasil real mudo que aprende a amargas penas que nem correr muito fará qualquer diferença.

O preço disso é a guerra. 60 mil mortos por ano, por enquanto, e piorando por minuto.

Solução só tem uma. Entregar o poder a quem paga a conta. Instituições políticas são uma tecnologia como outra qualquer e a que foi batizada “democracia”, testada e aprovada, pode ser reproduzida sem pagamento de royalties. Poder absoluto para o eleitor interferir a qualquer momento em cada pequeno pedacinho do País é o remédio sem o risco da intoxicação. E isso se faz tirando os porteiros da entrada e escancarando as portas de saída tanto da política quanto do serviço público com eleições distritais, que definem quem é representante de quem, retomada a qualquer hora de mandatos concedidos e empregos contratados sem entrega de resultados e poder de referendo das leis como garantia de uma reconstrução sadia.

Como se faz? Querendo. O Brasil só precisa decidir se quer mesmo democracia, ou seja, o povo no poder.”

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AGD comenta:

Ao ler um texto com o anterior eu fico com a imagem de que o Brasil só adotou à Democracia nos tempos das caravelas cabralinas, que aqui chegaram em 1500. Naquela época os visitantes tiveram que se submeter ao povo (os índios) dando-lhes quinquilharias. Mas, pelo maior número o povo ainda manda durante, talvez, uns dois ou três meses, até quando Caramuru mostrou o poder do fogo.

De lá para cá, sempre macaqueando a Democracia Americana, temos como objetivo viver num sistema democrático, mesmo quando tínhamos um imperador. E assim continua até nossos dias. Hoje, quem manda ainda é uma elite estudada, rica e letrada, mas um pouco burro de que os tempos mudaram.

Hoje, por exemplo, se sabe quase em tempo real que um candidato a presidente que teve 51 milhões de votos dos índios, digo eleitores, tratou com um bandido para receber uma propina de 2 milhões de dólares. Uma candidata a “presidenta” que teve 54 milhões de votos enganando a todos sobre a situação real das contas públicas e querendo proteger o condenado Lula nomeando-o para um cargo com foro privilegiado (excrecência brasileira) e falsificando prestação de contas.

E quando tudo isto é descoberto, o Brasil inteiro se levanta em prol de uma Reforma Política que traga os índios, digo, povo, ao poder. E o que vemos? Um arremedo de reforma que apenas beneficia os que no poder estão.


Ou seja, estamos, mais uma vez de volta às caravelas, e que o povo, digo, índios passando fome, depois de alimentarem sua elite tão estudada, tão rica e tão burra.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Tristeza não tem fim...




“Brasil agoniza na jaula ao relento

José Nêumanne

Nos dias anteriores à votação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da necessidade de aval do Legislativo para a aplicação de sanções em medidas cautelares a seus cada vez menos nobres membros, o Brasil viveu uma crise institucional tão falsa quanto uma cédula de três reais entre dois Poderes da República, em conflito de meras aparências. Vendeu-se à sociedade a ilusão de que o Judiciário violaria a autonomia do Legislativo caso não submetesse a decisão da Primeira Turma do STF ao veredicto dos senadores, que exigem tratamento de varões de Plutarco, embora grande parte deles se comporte com a sordidez própria dos escroques.

De fato, tudo não passou de uma farsa, na qual se inverteu a célebre máxima de Karl Marx parodiando o conceito de Hegel de que a História sempre se repete. Na abertura de O 18 Brumário de Luis Bonaparte, o filósofo asseverou que ela acontece como tragédia e se repete em tom de farsa. Cá entre nós, a comédia precedeu a bufonaria, que pode descambar numa tragédia institucional: a perda pelo Congresso Nacional da condição de verdadeiro representante da cidadania. Tal como ocorre aqui, sob o cínico controle dos hierarcas partidários, o Parlamento representa somente essa elite política dirigente e marcha rumo à subserviência a seus chefes.

O que viu a Nação, bestializada, para repetir a dura expressão usada pelo historiador e acadêmico José Murilo de Carvalho sobre o ato criador da própria República, foi a sessão de uma Suprema Corte transformada em mera sucursal das cumbucas no centro da Praça dos Três Poderes. Consagrou o privilégio de casta de alguns tranchãs sobre a plebe. O tema específico do julgamento não podia ser mais simbólico: o que o placar de 6 a 5, com o voto de Minerva (embora nada sábio) da presidente Cármen Lúcia, assegurou foi o direito do presidente nacional “afastado” do PSDB, o senador mineiro Aécio Neves, à farra ampla, geral e irrestrita, “diuturna e noturnamente” (apud Dilma).

Trata-se de um vício de origem. Os membros da grei que se julga suprema agem como avalistas jurídicos de trapaças e trampolinagens do chefe do Executivo, que indica seus 11 membros conforme as próprias conveniências, e do Legislativo, que finge sabatiná-los antes de avalizá-los. O STF de hoje resulta do projeto de demolição do Estado burguês empreendido pelo líder máximo da socialização da gatunagem, Luiz Inácio Lula da Silva, e por sua sequaz Dilma Rousseff. O primeiro nomeou um reprovado serial em concursos para o exercício da magistratura. E a segunda, uma protégée do ex-marido. Não inovaram: Fernando Collor promoveu o primo e José Sarney, o então jejuno cumpridor de tarefas de seu advogado do peito.

Até recentemente se discutia à boca pequena nos meios forenses qual o prazo médio da gratidão dos membros do colegiado ao dono da caneta que lhes deu o poder. Na República dos compadrinhos, onde os votos do nobre instituto do habeas corpus são discutidos em convescotes à beira do lago, essa é uma questão da velha ordem. E são dados de acordo com interesses negociais de garantistas que só zelam pela boa saúde financeira de seus estabelecimentos privados ou de seus partidos, que fazem de campanhas perdulárias fonte bilionária de furtos e doações.

Ao desmascarar o enriquecimento geral dos chefes de bando do Planalto e da planície, a Lava Jato provocou os acordões suprapartidários como o que antes engaiolou o carta fora do baralho Eduardo Cunha e agora o que liberou o garoto dourado Aécio Neves para pecar na “naite” sem punição. Os tucanos Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram acompanhados pelos petistas Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, com a adesão de Marco Aurélio Mello, um espalha-brasas fiel às origens. O voto, não de Minerva, mas de misericórdia, de Cármen Lúcia acabou com a batalha judicial de Itararé, a que não houve.

A nova ordem resume-se ao voto lotérico na coluna do meio, inventado pela presidente do STF: mandato de senador suspeito não pode ser interrompido, pois não pertence ao parlamentar, mas ao cidadão, condenado à pena perpétua por ter votado mal. Atingimos a perfeição da condição revolucionária celebrada por Che Guevara, morto há meio século num 9 de outubro: “Podemos ser gatunos, mas nunca perder a pose”. Nem as posses!

O sinal de que a zelite previu o recado a ser dado por seus supremos garantistas foi o tríduo em que comemoraram o máximo despudor. De quarta 4 a sexta 6 de outubro, eles passaram por cima de toda a vergonha e de todos os princípios, assegurando a corrupção na próxima eleição e o perdão de suas dívidas com a União, ou seja, com o populacho que os elegeu. Numa evidência de que perderam de vez o pudor, aprovaram um fundo de campanha com piso, mas sem teto, a ser debitado ao erário em bilhões. E, depois, cancelaram as próprias dívidas, assim como seus eleitores são incomodados dia e noite pelo Fisco inclemente, que não dá a mínima folga à plebe ordinária.

A farra dos privilégios continua à tripa forra. A Lava Jato é sabotada ferozmente pelo delatado Michel Temer e seu anspeçada Torquato Jardim, à sombra da procuradora-geral Raquel Dodge, abençoada por deus Michel e pelo espírito santo de orelha Gilmar. Sobre a primeira instância, que condenou 116 réus e mantém 27 deles presos em Curitiba, pende a espada de Dâmocles da Suprema Tolerância Federal, que ocupa o topo do castelo judiciário com condenação zero. E sigilo para senadores liberarem as baladas de Aecim sem serem vigiados pela opinião pública contra, que vai ao Hermitage, em São Petersburgo, vaiar acusados de furtar a previdência de servidores sob sua chefia. No país do bebê fuzilado no ventre da mãe e do comerciante que agonizou em jaula ao relento, quem sai aos seus não regenera, quem pode se sacode e quem não pode vai pro diabo que o carregue.”

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AGD comenta:

Não há outra forma de comentar a não ser dizendo: É triste, muito triste! Realmente foi uma semana triste com descrita, com apenas alguns fatos e seus consequência, pelo José Nêumane acima.


E o pior é que, não tendo mais o que comentar termino cantarolando o que uma canção que é bastante adequada ao Brasil de ou hoje: “Tristeza não tem fim, felicidade sim...”.