“O ocaso do poder civil
Por Ruy Fabiano
Em 1985, os militares deixaram o
poder e voltaram aos quartéis; em 2017, os políticos temem deixar o poder e ir
para a cadeia. É um desfecho patético para 32 anos de governo civil, o mais
longo período de democracia desde a proclamação da República.
Mas, goste-se ou não, é o que há.
O ciclo civil corre o risco de interrupção pela rejeição crescente que provoca
na opinião pública. Pesquisas diversas atestam a descrença da população em seus
representantes, na escala dos 80% a 90%, sem distingui-los.
A descrença derivou dos políticos
para a política. E é disso que se nutrem os que postulam uma intervenção
militar, como em 1964. Ocorre que, se há muita coisa em comum entre um período
e outro – corrupção, desordem, subversão, desemprego -, há também muitas
diferenças. Nestes 53 anos, o mundo mudou radicalmente.
No tempo da Guerra Fria, era
menos complexo. O mundo estava dividido em dois, EUA e URSS; ou se estava de um
lado ou de outro, capitalismo ou comunismo. A Igreja Católica, que era
anticomunista – e hoje não é mais –, fazia toda a diferença: tinha presença
forte na cena pública, inclusive na esfera intelectual.
Seu apoio foi decisivo - e não
era isolado. Empresários, profissionais liberais, imprensa, intelectuais,
artistas, entidades como ABI, OAB e Fiesp, para citar só algumas, estavam
perfiladas contra o governo João Goulart, cuja posse, três anos antes, em face
da renúncia de Jânio Quadros, já fora cercada de grande resistência e quase
desemboca em guerra civil.
Foi preciso improvisar uma
solução parlamentarista, que durou um ano. O retorno do presidencialismo
acirrou os ânimos e a crise econômica fez o resto. Havia ainda sinais claros de
que Jango (ou o seu entorno) preparava um golpe. Brizola, que era o Lula de
então, dizia que o Congresso era um clube e que precisava ser fechado.
O Congresso, pois, em sua imensa
maioria, apoiava a queda do governo – e, após decretá-la, votou maciçamente no
marechal Castello Branco. Entre outros, Ulysses Guimarães, Franco Montoro e
Juscelino Kubitschek. Hoje o quadro é outro. A globalização pulverizou os
antagonismos. Os atores da geopolítica internacional são mais numerosos – e o
Brasil saiu da esfera de alinhamento automático com os EUA e diversificou seus
parceiros.
A China é, hoje, seu principal
mercado. Os próprios EUA vivem divisão ideológica interna sem precedentes, de
que dão testemunho a tumultuada eleição e o risco de ingovernabilidade de
Donald Trump.
Os militares brasileiros,
pressionados por grupos civis de intervencionistas, estão cientes dessa
complexidade, que imporia ações diplomáticas difíceis, com riscos de retaliação
externa e luta interna aguerrida, como assinalou o general Hamilton Mourão.
Jango governou menos de três
anos; não teve muito tempo para organizar o seu exército revolucionário. O PT
governou quase 14 anos; teve mais tempo e meios de aparelhar a máquina estatal
e costurar alianças que tornam mais cruenta a perspectiva de reação às Forças
Armadas – e poriam o país diante de uma guerra civil.
Em 1964, não havia uma entidade
como o Foro de São Paulo, que há 27 anos planeja – e executa - a ocupação
ideológica do continente pela esquerda. Se não concluiu a obra, o Foro
estabeleceu avanços consideráveis, que não são subestimados pelos militares.
Há ainda o crime, que naquela
época não era organizado, nem dispunha do arsenal propiciado pelos bilhões do
narcotráfico – e nem estava articulado com alguns partidos políticos do
continente.
Nada disso, dizem as mais graduadas
patentes do Exército, impedirá uma ação, desde que o clamor da sociedade se
mostre nítido e insofismável. Até aqui, as manifestações intervencionistas, nos
seus melhores dias, reúnem no máximo 30 mil pessoas. É pouco.
A mídia investe na solução política
da crise e ignora a movimentação dos que defendem a ruptura - e que têm seu
protagonismo restrito às redes sociais. Ali fazem muito barulho, mas nas ruas
pouco. E é ali que a política trava suas batalhas decisivas.
A chave, no entanto, está com o Judiciário.
O clichê segundo o qual as instituições estão funcionando, em face das prisões
que alguns poucos juízes, como Sérgio Moro, têm decretado a figurões da
política e do empresariado, é o que sustenta a normalidade.
Mas também aí o protagonismo do STF,
em regra visto como negativo mesmo quando tem razão, dá substância à teoria das
aproximações sucessivas, do general Mourão. O STF tem sido visto como uma
espécie de coveiro da Lava Jato.
A semana se encerrou com a
leitura de um parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de
autoria do deputado Bonifácio de Andrada, propondo o arquivamento da segunda
denúncia de corrupção contra o presidente Temer.
O STF, por sua vez, reconheceu,
por 6 a 5, que não pode suspender mandatos de parlamentares – prerrogativa do
Congresso. Está na Constituição e não se refere apenas a Aécio Neves.
A esta altura, no entanto, o
público não consegue dissociar na verborragia jurídica o que é legal do que é
cumplicidade. E aposta na cumplicidade. Nesses termos e nesse ritmo, o desgaste
do poder civil, no país que mata mais civis no mundo – cerca de 70 mil por ano
-, avança cada vez mais. E a dúvida permanece: chegaremos a 2018?”
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AGD comenta:
O Brasil deixou o mês do cachorro
louco, agosto, e já estamos em outubro e o cachorro continua solto. E desta vez
sua decisão mais importante era morder o Senado ou morder o STF. Foi aí que
Carmém Lúcia, presidente do STF, tentou conversar com ele.
Ela não foi experiente para saber
que não se pode confiar em cachorro louco, principalmente quando tem a boca
preta. Mas, ela tentou e o resultado vimos que por 6 votos a 5, na votação na
qual o STF julgava se a corte poderia suspender um parlamentar de suas funções,
ganhou o Parlamento, com o voto de Carmem Lúcia, de minerva, agora estão livres
do Supremo, a não ser em casos onde o crime é cometido e pega com o
Parlamentar, ainda enxugando o sangue de faca, na gravata.
Como se sabe muito bem que este
tipo de crime só é cometido uma vez na vida outra na morte, como aquele
deputado que usava uma serra elétrica para cortar os adversários, vai ser muito
difícil ter um parlamentar preso.
Isto tem uma consequência grave
na chamada Operação Lava Jato, no que se refere aos julgados pelo STF pelo foro
privilegiado. Este instituto é a excrecência da justiça brasileira. Ela surgiu
com a melhores das intenções para garantir os mandatos dos poderes contra
decisões arbitrárias. Mas, desde que se diga o que é uma decisão arbitrária, levam-se
anos e anos para decidir.
É por isso que parlamentar foge
do juiz Sérgio Moro como o diabo foge da cruz. Lá, com os mortais, sem fora
privilegiado, é cana dura.
Portanto, talvez a Carmem Lúcia
tenha tido as melhores das intenções no seu voto, mas, atirou no que viu, a
possível crise entre os poderes, e matou o que não viu, a Lava Jato. Se o
Brasil vai perder o ganhar com isto ninguém
sabe.
Eu preferia que, da próxima vez, ela
leve um veterinário quando for tentar conversar com cachorros, eles podem ser
perigosos.
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