“Brasil agoniza na jaula ao
relento
José Nêumanne
Nos dias anteriores à votação
pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da necessidade de aval do
Legislativo para a aplicação de sanções em medidas cautelares a seus cada vez
menos nobres membros, o Brasil viveu uma crise institucional tão falsa quanto
uma cédula de três reais entre dois Poderes da República, em conflito de meras
aparências. Vendeu-se à sociedade a ilusão de que o Judiciário violaria a
autonomia do Legislativo caso não submetesse a decisão da Primeira Turma do STF
ao veredicto dos senadores, que exigem tratamento de varões de Plutarco, embora
grande parte deles se comporte com a sordidez própria dos escroques.
De fato, tudo não passou de uma
farsa, na qual se inverteu a célebre máxima de Karl Marx parodiando o conceito
de Hegel de que a História sempre se repete. Na abertura de O 18 Brumário de
Luis Bonaparte, o filósofo asseverou que ela acontece como tragédia e se repete
em tom de farsa. Cá entre nós, a comédia precedeu a bufonaria, que pode
descambar numa tragédia institucional: a perda pelo Congresso Nacional da
condição de verdadeiro representante da cidadania. Tal como ocorre aqui, sob o
cínico controle dos hierarcas partidários, o Parlamento representa somente essa
elite política dirigente e marcha rumo à subserviência a seus chefes.
O que viu a Nação, bestializada,
para repetir a dura expressão usada pelo historiador e acadêmico José Murilo de
Carvalho sobre o ato criador da própria República, foi a sessão de uma Suprema
Corte transformada em mera sucursal das cumbucas no centro da Praça dos Três
Poderes. Consagrou o privilégio de casta de alguns tranchãs sobre a plebe. O
tema específico do julgamento não podia ser mais simbólico: o que o placar de 6
a 5, com o voto de Minerva (embora nada sábio) da presidente Cármen Lúcia,
assegurou foi o direito do presidente nacional “afastado” do PSDB, o senador
mineiro Aécio Neves, à farra ampla, geral e irrestrita, “diuturna e
noturnamente” (apud Dilma).
Trata-se de um vício de origem.
Os membros da grei que se julga suprema agem como avalistas jurídicos de
trapaças e trampolinagens do chefe do Executivo, que indica seus 11 membros
conforme as próprias conveniências, e do Legislativo, que finge sabatiná-los
antes de avalizá-los. O STF de hoje resulta do projeto de demolição do Estado
burguês empreendido pelo líder máximo da socialização da gatunagem, Luiz Inácio
Lula da Silva, e por sua sequaz Dilma Rousseff. O primeiro nomeou um reprovado
serial em concursos para o exercício da magistratura. E a segunda, uma protégée
do ex-marido. Não inovaram: Fernando Collor promoveu o primo e José Sarney, o
então jejuno cumpridor de tarefas de seu advogado do peito.
Até recentemente se discutia à
boca pequena nos meios forenses qual o prazo médio da gratidão dos membros do
colegiado ao dono da caneta que lhes deu o poder. Na República dos
compadrinhos, onde os votos do nobre instituto do habeas corpus são discutidos
em convescotes à beira do lago, essa é uma questão da velha ordem. E são dados
de acordo com interesses negociais de garantistas que só zelam pela boa saúde financeira
de seus estabelecimentos privados ou de seus partidos, que fazem de campanhas
perdulárias fonte bilionária de furtos e doações.
Ao desmascarar o enriquecimento
geral dos chefes de bando do Planalto e da planície, a Lava Jato provocou os
acordões suprapartidários como o que antes engaiolou o carta fora do baralho
Eduardo Cunha e agora o que liberou o garoto dourado Aécio Neves para pecar na
“naite” sem punição. Os tucanos Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram
acompanhados pelos petistas Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, com a adesão de
Marco Aurélio Mello, um espalha-brasas fiel às origens. O voto, não de Minerva,
mas de misericórdia, de Cármen Lúcia acabou com a batalha judicial de Itararé,
a que não houve.
A nova ordem resume-se ao voto lotérico
na coluna do meio, inventado pela presidente do STF: mandato de senador
suspeito não pode ser interrompido, pois não pertence ao parlamentar, mas ao
cidadão, condenado à pena perpétua por ter votado mal. Atingimos a perfeição da
condição revolucionária celebrada por Che Guevara, morto há meio século num 9
de outubro: “Podemos ser gatunos, mas nunca perder a pose”. Nem as posses!
O sinal de que a zelite previu o
recado a ser dado por seus supremos garantistas foi o tríduo em que comemoraram
o máximo despudor. De quarta 4 a sexta 6 de outubro, eles passaram por cima de
toda a vergonha e de todos os princípios, assegurando a corrupção na próxima
eleição e o perdão de suas dívidas com a União, ou seja, com o populacho que os
elegeu. Numa evidência de que perderam de vez o pudor, aprovaram um fundo de
campanha com piso, mas sem teto, a ser debitado ao erário em bilhões. E,
depois, cancelaram as próprias dívidas, assim como seus eleitores são
incomodados dia e noite pelo Fisco inclemente, que não dá a mínima folga à
plebe ordinária.
A farra dos privilégios continua
à tripa forra. A Lava Jato é sabotada ferozmente pelo delatado Michel Temer e
seu anspeçada Torquato Jardim, à sombra da procuradora-geral Raquel Dodge,
abençoada por deus Michel e pelo espírito santo de orelha Gilmar. Sobre a
primeira instância, que condenou 116 réus e mantém 27 deles presos em Curitiba,
pende a espada de Dâmocles da Suprema Tolerância Federal, que ocupa o topo do
castelo judiciário com condenação zero. E sigilo para senadores liberarem as
baladas de Aecim sem serem vigiados pela opinião pública contra, que vai ao
Hermitage, em São Petersburgo, vaiar acusados de furtar a previdência de
servidores sob sua chefia. No país do bebê fuzilado no ventre da mãe e do
comerciante que agonizou em jaula ao relento, quem sai aos seus não regenera,
quem pode se sacode e quem não pode vai pro diabo que o carregue.”
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AGD comenta:
Não há outra forma de comentar a
não ser dizendo: É triste, muito triste! Realmente foi uma semana triste com
descrita, com apenas alguns fatos e seus consequência, pelo José Nêumane acima.
E o pior é que, não tendo mais o
que comentar termino cantarolando o que uma canção que é bastante adequada ao
Brasil de ou hoje: “Tristeza não
tem fim, felicidade sim...”.
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