Por Bolívar Lamounier
Na semana passada e na anterior
tivemos dois importantes pronunciamentos: o de Xi Jinping, primeiro-ministro
chinês, e o de Tiririca, deputado federal brasileiro. A importância do primeiro
decorreu mais do peso econômico e político da China no mundo que de seu
conteúdo. Afirmo isso porque a substância do pronunciamento é bem conhecida.
Em sua fala de três horas e meia,
o mandatário chinês reafirmou que a China é hoje uma superpotência econômica e
política e fadada a um importante protagonismo no cenário mundial. E não
precisou bater no peito para indicar que ele, como líder do Partido Comunista,
está próximo de atingir uma estatura política comparável à de Mao Tsé-tung e
Deng Xiaoping.
Mantidas as devidas proporções,
Tiririca também disse uma coisa relevantíssima, embora desconhecida da maioria
dos brasileiros. Anunciando que não pretende se recandidatar no ano que vem,
ele afirmou: “Vim para cá pensando em aprovar projetos, mas a coisa aqui é
muito complicada”. Para bom entendedor, pingo é letra.
A referência principal de sua
curta sentença é, sem dúvida, o poder absurdo que as Mesas do Senado e da
Câmara detêm. Nenhum senador ou deputado consegue aprovar projeto algum se elas
não quiserem, só com uma paciência de Jó e puxando bastante o saco dos
respectivos presidentes.
Esse mecanismo explica um dos
maiores paradoxos do Legislativo, dois traços perversos que qualquer cidadão
percebe a olho nu: de um lado, o governismo sem-vergonha que reduz as duas
Casas a uma quase total impotência, fraudando a estipulação constitucional do
equilíbrio de Poderes e desestimulando carreiras políticas sérias; do outro,
revoltas inesperadas, surtos de rebeldia, notadamente no chamado “baixo clero”,
cujo objetivo é invariavelmente aumentar o custo do apoio às Mesas e, por via
de consequência, ao Executivo. Há quem singelamente acredite que a debilidade e
a mediocridade do Legislativo sejam como uma danse sur place, um ponto de
equilíbrio muito ruim, mas estático. Ledo engano.
O que se passa no Brasil, mercê
do equivocado conjunto de engrenagens que compõe nosso sistema político, é um
paulatino deslocamento para um equilíbrio cada vez pior. Uma das faces mais
visíveis desse processo é a incapacidade do Legislativo, evidente já há muitos
anos, de recrutar bons candidatos. Por que cargas d’água uma pessoa apta a
desempenhar cá fora um papel de relevo vai se meter numa máquina de moer carne
como aquela?
Tiririca disse que não vai se
recandidatar, e eu acredito nele. Tem toda a razão: entre ser figurativo ou de
verdade, é melhor sê-lo de verdade, cá fora. Circo por circo, os de cá são mais
engraçados.
Claro, o deslocamento do
equilíbrio para pior deve-se à operação de outros mecanismos, não só ao poder
das Mesas. A proliferação desordenada de partidos carentes de identidade é um
deles. É mais ou menos assim que a coisa se passa: um aventureiro ou um grupelho
qualquer funda um partido e obtém no Tribunal Superior Eleitoral o devido
reconhecimento. Só com esse passo ele (aventureiro ou grupelho) já se habilita
a participar dos recursos do Fundo Partidário. Se conseguir eleger um punhado
de deputados ou senadores, habilitar-se-á a vantagens não menos suculentas:
entrará no universo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, usando seus
votinhos como poder de chantagem para integrar a maioria governista, que cedo
ou tarde, no limite, vai precisar deles. A contrapartida do Executivo pode ser
em cargos nos ministérios ou nas estatais, mas, em caso de necessidade, há quem
a aceite em moeda sonante, como ocorreu abundantemente no “mensalão”
arquitetado pelo ex-presidente Lula.
Claro, a proliferação de agremiações
acirra a disputa na arena eleitoral. Em cada Estado, um número cada vez maior
de pretendentes começa a dar cotoveladas, a azeitar o caixa 2 e a clamar por
“chances” proporcionais à contribuição que haverão de prestar à jovem
democracia brasileira. Foi assim que, pela Constituição de 1988, deixamos para
trás aquele saudável teto de 400 e poucos deputados e passamos aos 513 que
integram atualmente uma Câmara proporcionalmente muito maior que a dos Estados
Unidos!
Sejamos francos: para que tantos
deputados e senadores? Por que não estabelecemos um mínimo de seis (em vez de
oito) deputados e dois (em vez de três) senadores por Estado?
Mas seria ainda o caso de rir, e
não de chorar, se nossos parlamentares fossem totalmente cínicos, defendendo
tais disparates tão somente como uma engrenagem apta a acomodar seus
interesses. O problema é que muitos não são cínicos. Muitos há para os quais
esses mecanismos são o alfa e o ômega da sabedoria política, a estrada real que
levará nosso país ao que chamam de “verdadeira democracia”. Para esses, quanto
mais assentos no Legislativo e quanto mais partidos, melhor. Ora, se assim é,
por que não uma Câmara com cinco ou dez mil parlamentares, cada um com seu
próprio partido? Os que assim pensam não percebem que um corpo superdimensionado
é uma forma de debilitar, não de fortalecer o Legislativo, uma forma de
desnaturá-lo e castrá-lo, transformando-o num apêndice (é certo que
barulhento!) do Executivo.
No Paper Federalista n.º 51, um
dos estudos que elaborou como contribuição à Constituição americana, James
Madison escreveu: “Se a assembleia de Atenas tivesse dez mil membros, com
certeza deveríamos vê-la como uma horda de arruaceiros, não como um corpo
deliberativo sério”. Eu só faria um pequeno acréscimo: uma horda formada por um
baixo clero de uns nove mil e novecentos, precariamente controlados por uma
elite de talvez cem.”
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