“Traição
Denis Lerrer Rosenfield
A carta de Antônio Palocci ao PT,
apresentando a sua desfiliação, e a reação dos líderes partidários, acusando-o
de “mentiroso” e “traidor”, expõem um certo modo de fazer política que se
aparenta ao crime, subvertendo completamente o significado mesmo da moralidade.
O avesso da tão anunciada política petista de renovação nacional nada mais foi
do que uma demonstração de uma política criminosa. As palavras vieram a perder
o seu significado.
Quem é o traidor? Aquele que fala
a verdade e confessa os seus crimes? Aquele que rompe a lei do silêncio, não
mais seguindo o valor mafioso da “omertà”? Mais vale a coerência com os
princípios partidários ou o seu total abandono? É a traição dos princípios?
Um dos maiores ganhos
apresentados pelo PT ao País foi o de ter sido criado como um partido munido de
um corpo doutrinário que obedecia a alguns princípios básicos, como a luta pela
igualdade, a redistribuição de renda e a ética na política. Mostrava também uma
feição bolchevique em sua organização partidária que fazia par com os ares mais
abertos subsequentes à queda do Muro de Berlim. Tal aspecto foi, porém,
relegado pela opinião pública, ávida por mudança. O espírito leninista foi
mitigado pela recuperação, embora tímida, de traços social-democratas.
Acontece que o partido terminou
por adotar uma outra via, que não era a propriamente revolucionária nem a social-democrata,
com aspectos de ambas, porém estando presentes disposições como a relativização
do direito de propriedade via invasões dos ditos movimentos sociais e políticas
distributivistas que ampliaram as criadas pelo governo social-democrata anterior.
O caminho finalmente adotado foi o de cooptação do Estado à maneira de uma
organização criminosa, voltada tanto para o enriquecimento pessoal quanto para
o fortalecimento das finanças partidárias. Os princípios foram efetivamente
traídos!
Como podem, portanto, os líderes
petistas acusar Antônio Palocci de traição? Qual é a perspectiva? Por ter
desnudado outra traição, a da máquina partidária em relação aos seus próprios
princípios? Palocci está sendo acusado de não ser fiel ao partido! Mas o
partido foi fiel a si mesmo?
A moralidade, outrora princípio
partidário, tornou-se mero instrumento de manipulação, perdeu totalmente sua
universalidade. Foi utilizada, retoricamente, para uso dos incautos. Um
ex-presidente, já réu e denunciado em vários processos, com provas abundantes
contra ele, utiliza o artifício demagógico de se apresentar como o homem mais
honesto do País. O que fazem os seus companheiros, na verdade, seus cúmplices?
Não coram e o apoiam! Um caro valor partidário foi completamente abandonado em
nome da preservação da organização partidária, que surge como valor maior.
O PT revela, nesse episódio, toda
uma estrutura partidária de cunho leninista, para não dizer stalinista. O
coletivo afirma-se acima de todos os seus membros, cabendo a estes a mera
obediência. Não importam o corpo doutrinário, os princípios e os valores, mas o
ato de se curvar às diretrizes partidárias. Se o partido praticou crimes, a
ordem é: esqueçam e o defendam acima de tudo. Se o partido se desviou de seus
princípios, esqueçam e obedeçam-lhe. O partido não é lugar de pensamento e
crítica, mas de servidão aos seus dirigentes e ao seu líder maior, Lula.
Note-se que foi aberto um
procedimento de natureza “ética” em relação ao ex-ministro. Em vez de a ética
significar coerência com valores de natureza universal, em vez de significar a
retidão no comportamento pessoal, ela ganha toda uma outra conotação, a da
submissão a um comitê partidário cuja função seria apenas determinar a sua
punição por não ter seguido a lei do silêncio. A pena seria provavelmente a
expulsão. No tempo de Stalin, com o partido gozando de poder absoluto, a pena
seria a tortura, a humilhação e a morte, como foi o caso, entre outros, dos
célebres Processos de Moscou, que eliminaram a velha-guarda bolchevique.
Lula foi elevado pelo partido às
alturas do púlpito, exigindo de todos a crença absoluta nas suas palavras, como
se nelas estivesse presente a fala de um líder religioso. Diz qualquer mentira
e recebe em troca não a dúvida e a crítica, mas a devoção. Os militantes
tornaram-se devotos de um líder partidário que se apresenta como figura
imaculada. Já antes, no exercício do poder, excedia-se em suas bravatas, que
eram, porém, cordialmente aceitas como coisa de um retirante bem-sucedido.
Acontece que o sucesso
transformou aquela simpática figura do líder sindical num governante que
considerou o poder coisa sua, a ser usada a seu bel-prazer, como se limites não
existissem. A corrupção tornou-se meio de governo, inclusive sob a forma do
enriquecimento pessoal e de seus familiares e amigos. Os históricos líderes
comunistas, nessa esfera da corrupção, não ousaram tanto.
Agora, o véu dessa forma
esquerdista de fazer política foi levantado. E o que aparece é a corrupção como
forma de governo, o desmonte do Estado, a desestruturação da economia e o
fortalecimento da desigualdade social. A retórica foi a do engano e da mentira,
como se o Brasil se estivesse transformando num país de Primeiro Mundo,
socialmente justo. Um líder carismático como Lula conseguiu transmitir a sua
mensagem , ao arrepio de qualquer relação com a verdade. A prática era a
política criminal e o seu véu, a política distributivista, a qual lhe permitiu
a reeleição e a indicação de sua sucessora, que consumou o desastre da
experiência petista.
A questão que se coloca aos
petistas e seus simpatizantes é a da opção entre a crítica, com a sua
subsequente renovação, e a crença na conduta religiosa de seu líder máximo.
Devem escolher entre seguir uma seita e orientar-se segundo valores e
princípios livremente discutidos e aplicados. Dessa opção, depende a
consideração de quem é ou não traidor.”
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AGD comenta:
Já se dizia que mentira tem perna
curta. Então, vamos deixar as declarações correrem e verem quem está dizendo a
verdade. Espera-se que nossa política, pelo menos, não aumente as pernas de
mentira.
O que o articulista escreve acima
é sobre um briga de “cachorros
grandes” petistas, da qual se pode
concluir que todos mentiram. Uns se arrependeram e outros não. Mas, mesmo os
arrependidos tem que ser julgados levando em conta os motivos para desistirem
de mentir.
O Antonio Palocci se confessa um
mentiroso que agora só diz a verdade e os outros petistas dizem que ele sempre
disse a verdade e que agora está mentindo, para sair da cadeia. Quem vai saber
aqui de fora?
Só a Justiça poderá dizer alguma
coisa sobre o affair, mas, não esqueçam dos eleitores que
normalmente fazem justiça com o próprio voto. E, penso eu, será difícil o Lula
se levantar eleitoralmente desta briga, e muitos outros petistas.
Dizem que as pesquisas colocam o
Lula como favorito e ao mesmo tempo como o mais rejeitado, o que mostra a
fragilidade de tal meio para julgar resultado de urna. Não, o que decidiria de
vez esta querela, seria a justa prisão do Lula, pelo conjunto da obra. Afinal
de contas outros petistas de alto coturno estão ou estiveram na cadeia por
muito menos.
Se o Palocci vai ganhar alguma
coisa com isto em termos de pena, só a nossa morosa justiça poderá dizer. E a
briga continua, companheiros!
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