“País dos privilégios
POR MÍRIAM LEITÃO
O Brasil cria mais privilégios a
cada semana. Na quarta-feira o STF demonstrou que se for o senador Aécio Neves
que estiver em questão pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os
poderes do Supremo. Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a
prisão após a condenação em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos
anos sobre o velho problema do país.
O tratamento desigual é o centro
dos erros brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos
vão presos após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa
formada. Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do
processo. O caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso,
em crime premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação —
pela força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF
decidiu que após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda
instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos
integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns
ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio
para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou
ao STF manifestação a favor da revisão.
No Brasil, se o criminoso fez
ensino superior tem direito à cela especial. Se for político, pode cometer
crime comum porque é protegido por imunidade parlamentar. Se for militar,
cumpre pena e fica ao abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e
condenou civis durante a ditadura, mas que protege os seus na democracia. O
almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43
anos por corrupção, exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu.
Agora já está solto na onda recente que houve de liberação de condenados nos
vários processos contra a corrupção que o país tem assistido.
O que houve no STF na
quarta-feira mostrou até que ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no
país para se confirmar a ideia da “A revolução dos bichos”, de George Orwell,
de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os
outros. Parlamentares já foram afastados de seus mandatos por decisão do STF,
como Delcídio Amaral e Eduardo Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo
dividido decidiu de maneira diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja
a prisão, afetar o mandato, o Congresso tem que ser ouvido antes. A última
palavra cabe ao Congresso e não ao Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que “o mandato é o que
está sendo protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o
político represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A
imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo o
que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi
escrito na Constituição porque em períodos autoritários os parlamentares eram
cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se
escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar não se pensava,
evidentemente, em crime comum.
A questão da quarta-feira não era
sobre o senador Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e
o voto da presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o
senador representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que
apresentou na campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado
em cinco operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um
enviado especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os
poderes que Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato
é do povo, e o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta:
qual poder foi delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de
cometer crimes.
Esse tem sido nosso vício desde o
início. O país dos fidalgos, do “sabe com quem está falando" não aceita o
“erga omnes". A revolução que está sendo feita no processo de combate à
corrupção é a de que a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios
resiste.”
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