“A Constituição de 1988 na visão
de Roberto Campos
Por Ney Prado
Neste centenário, em que Roberto,
Por sua pátria é reverenciado, Tudo se torna presente, Mesmo o tempo que é
passado
A esta altura, após 29 anos de
vigência, o texto constitucional já recebeu abundantes apreciações de vários
segmentos da sociedade brasileira e avaliações críticas dos setores político,
econômico e jurídico, dando-nos um panorama razoavelmente diversificado de seus
aspectos, tanto os positivos quanto negativos. Para atender a propósito do
tema, julgo importante mencionar frases extraídas de algumas obras de Roberto
Campos que retratam sua visão sobre a Carta de 1988.
“O problema brasileiro nunca foi
fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las. Já demonstramos à saciedade, ao
longo de nossa história, suficiente talento juridicista – pois que produzimos
sete Constituições, três outorgadas e quatro votadas – e suficiente
indisciplina para descumpri-las rigorosamente todas!”
“A Constituição brasileira de
1988, triste imitação da Constituição portuguesa de 1976, oriunda da Revolução
dos Cravos, levou ao paroxismo e mania das Constituições dirigentes ou intervencionistas.
Esse tipo de Constituição, que se popularizou na Europa após a Carta Alemã de
Weimar de 1919, representou, para usar a feliz expressão do professor Paulo
Mercadante, um avanço do retrocesso.”
“Nossa Constituição é uma mistura
de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero; é, ao mesmo
tempo, um hino à preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertária
no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no
social; é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir
uma gazela.”
“No texto constitucional, muito
do que é novo não é factível e muito do que é factível não é novo”.
“Da ordem social – exibem-se duas
características fundamentais do socialismo: despotismo e utopia. (...) Exemplos
de despotismos são os dispositivos relativos à educação e à previdência social.
Quanto à educação, diz-se que ela é dever do Estado, com a colaboração da
sociedade. É o contrário. Ela é dever da família, com a colaboração do Estado.
(...) Outro exemplo de despotismo é a previdência estatal compulsória. Todos
devem ser obrigados a filiar-se a algum sistema previdenciário, para não se
tornarem intencionalmente gigolôs do Estado.”
“Na ordem econômica, nem é bom
falar. Discrimina contra investimentos estrangeiros, marginalizando o Brasil na
atração de capitais. Na Constituição de 1988, a lógica econômica entrou em
férias.”
“A cultura antiempresarial
subestima a importância fundamental do empresário na criação de riquezas. Para
os constituintes, o trabalhador é um mártir; o empresário um ser antissocial,
que tem de ser humanizado por imposição dos legisladores; o investidor
estrangeiro, um inimigo disfarçado. Nada mais apropriado para distribuir a
pobreza e desestimular a criação de riqueza. A Constituição promete solução
indolor para a pobreza.”
“É difícil exagerar os malefícios
desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se
transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade
social sueca com recursos moçambicanos. Esse país ideal é aquele onde é mais
fácil divorciar-se de uma mulher do que despedir um empregado.”
“No plano político, há o hibrismo
entre presidencialismo e parlamentarismo. No plano congressual, levou a um
anárquico multipartidarismo.”
“Aos dois clássicos sistemas de
governo – o presidencialista e o parlamentarista – o Brasil acaba, com
originalidade, de acrescentar mais um – o promiscuísta.”
“A Constituição dos miseráveis,
como diz o dr. Ulysses, é uma favela jurídica onde os três Poderes viverão em
desconfortável promiscuidade.”
“Os estudiosos do Direito
Constitucional aqui e alhures não buscarão no novo texto lições sobre a
arquitetura institucional, sistema de governo ou balanço de Poderes. Em
compensação, encontrarão abundante material anedótico.”
“Aliás, a preocupação dos
Constituintes não foi facilitar a criação de novos empregos, e sim garantir
mais direitos para os já empregados.”
“O modelo monopolista sindical
que temos é fascista. Conseguimos combinar resíduos de corporativismo fascista
com o mercantilismo colonial, e acabamos reduzidos à condição de súditos, não
de cidadãos.”
“A palavra produtividade só
aparece uma vez no texto constitucional; as palavras usuário e eficiência
figuram duas vezes; fala-se em garantias 44 vezes, em direito, 76 vezes,
enquanto a palavra deveres é mencionada apenas quatro vezes.”
“Segundo a Constituição, os
impostos são certos, mas há duvidas quanto à morte, pois o texto garante aos
idosos o direito à vida. (...) “Diz-se também que a saúde é direito de todos.
Os idosos, como eu, sabem que se trata de um capricho do Criador...”
“Que Constituição no mundo tabela
juros, oficializa o calote, garante imortalidade aos idosos, nacionaliza a
doença e dá ao jovem de 16 anos, ao mesmo tempo, o direito de votar e de ficar
impune nos crimes eleitorais? Nosso título de originalidade será criarmos uma
nova teoria constitucional: a do progressismo arcaico.”
“Essas rápidas pinceladas talvez nos
deixem realmente convencidos de que o País tem pendente uma questão de urgência
urgentíssima: reformar a Constituição e retirar o País do claustro, a fim de
que os brasileiros respirem os ares do novo mundo em gestação.”
Em conclusão, gostaria de enfatizar
minha plena identidade com o pensamento liberal de Roberto Campos por seus
incontáveis méritos, de forma e conteúdo. Acrescento, todavia: nossa
Constituição tem reconhecidamente vícios e virtudes. Mas, necessária ou não,
progressista ou retrógrada, boa ou má, bem-vinda ou não, estamos diante de um
fato jurídico inarredável, qualquer que seja a avaliação de seu conteúdo e a
inclinação política do intérprete.”
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