“O mal em estado bruto
O Estado de S. Paulo
O cidadão norte-americano Stephen
Craig Paddock, de 64 anos, de Mesquite, no Estado de Nevada, não tinha
antecedentes criminais e tampouco histórico militar. Não era tido por parentes,
amigos e vizinhos como um sujeito aficionado por armas de fogo.
Portando pelo menos sete delas,
sendo uma automática, de acordo com o jornal The New York Times, hospedou-se em
um apartamento no 32.º andar do Mandalay Bay Resort and Casino, em Las Vegas,
e, da janela do quarto, abriu fogo na direção de uma ampla área aberta próxima
ao hotel, onde 22 mil pessoas assistiam a um show de música country na noite de
domingo.
Antes de cometer suicídio,
Stephen Paddock assassinou 58 pessoas e feriu mais de 500, no que está sendo
tratado pela imprensa local e pelas forças de segurança como “o maior ataque a
tiros da história dos Estados Unidos”.
Embora as investigações iniciais
ainda não indiquem a motivação para o crime ou apontem para qualquer vinculação
entre o massacre e possíveis afiliações do assassino com extremistas religiosos
e grupos terroristas, em menos de 24 horas o Estado Islâmico (EI) reivindicou a
autoria do ataque.
Em comunicado divulgado na manhã
de segunda-feira, o grupo terrorista alegou que o atirador era “um soldado que
havia se convertido ao Islã” há alguns meses e que o massacre perpetrado por
Paddock “foi realizado em resposta ao chamado para que alvos da coalizão sejam
atacados”.
Não é improvável que o EI esteja
sendo oportunista e busque a associação entre o grupo e mais este ataque
ignóbil com repercussão internacional apenas como peça de propaganda de seu
proselitismo assassino, no afã doentio de cooptar ainda mais adeptos entre uma
massa acéfala e desiludida disposta a tudo para preencher o vazio existencial.
Durante uma entrevista coletiva
na tarde de segunda-feira, Aaron Rouse, agente especial do FBI encarregado das
investigações, descartou, a priori, qualquer ligação do atirador com grupos
terroristas internacionais. As autoridades, que ainda trabalham no levantamento
da motivação para o atentado, acreditam tratar-se de um ataque isolado.
Diante de atos de tamanha
violência, como o havido em Las Vegas, os seres humanos mentalmente sadios
tendem a buscar explicações imediatas porque a banalidade do mal, não obstante
o tempo que já vem sendo dedicado a seu estudo, ainda é uma ideia por demais
angustiante. O fato é que, seja por distúrbios mentais, seja pela ausência dos
mais elementares sentimentos humanos, como empatia e compaixão, há gente capaz
de cometer as piores atrocidades.
Para lidar com este tipo de
violência, insidiosa e gratuita, o Estado deve lançar mão de todos os meios de
que dispõe para fazer valer o seu monopólio do emprego da violência legal. No
caso dos Estados Unidos, a questão passa por um maior controle da venda de
armas de fogo aos cidadãos comuns. Ainda que não esteja confirmado o uso de uma
arma automática – único tipo de armamento cuja venda é proibida no país – no
ataque em Las Vegas, o fato de qualquer cidadão submetido a um controle
meramente superficial poder comprar outros tipos de armas com alto poder de
fogo é muito perturbador.
O massacre de domingo ensejará
mais um amplo debate acerca do tema. De um lado, os que veem na liberdade para
se armar uma condição fundamental para a construção da própria identidade
norte-americana. De outro, os que acreditam que uma nação mais segura só haverá
de surgir caso as restrições ao acesso às armas de fogo sejam ampliadas.
É possível que seja mais um
debate de muito calor para pouca energia transformadora. Medidas que restrinjam
a aquisição de armas de fogo não devem prosperar, não obstante o choque
provocado por mais este ataque. A base de apoio ao presidente Donald Trump é
formada, majoritariamente, por cidadãos identificados com um ideário mais
conservador, o que no tocante às armas de fogo significa a defesa de um baixo
grau de exigência para sua aquisição.”
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