“Os bonecos e os ventríloquos
Por Flávio Tavares
A sucessão de escândalos é tanta
que já nada escandaliza e o absurdo desfila à nossa frente como rotina do
cotidiano. Mais que perigoso, isso é deformante. Além de nos fazer perder a
visão crítica, leva-nos a não saber distinguir o preto do branco, o amargo do
doce ou o sal do açúcar.
É deformante porque, ao ver tudo
igual e confuso, perdemos a ideia concreta do mundo e facilmente assimilamos a
maldade para entronizá-la na vida como algo mais atraente e mais atrativo que a
bondade. O Brasil talvez resista, pois – ao longo de séculos, desde a
existência – tem resistido à sanha predatória dos donos do poder.
Mas, e se pudéssemos construir e
somar (tal qual outros povos), e não apenas resistir, como se nosso destino
fosse a defesa por sermos assediados, atacados, invadidos e desmantelados por
nós próprios?
Como compreender, porém, que a
ideia inicial de construir um futuro comum nasce sempre de uma elite, mas é
tarefa de todo o povo? Como fazer? Não temos elites. E com as elites que temos,
fúteis ou corrompidas, por acaso podemos ter povo? Se as elites se portam como
chusma ávida e ignorante, podemos pretender que o povo (ignorado e levado à
ignorância) se porte como nobre e altruísta elite?
Isso, porém, não é nosso “pecado
original” por sermos brasileiros, nem marca congênita, como a cor dos olhos. De
fato, é algo imposto pelo uso e pelo hábito. Ou, mais do que tudo, imposto por
nossa inércia, preguiça ou medo de gritar “não” quando há que dizer “não”. Ou
dizer “sim” quando assim há que dizer.
Nos últimos anos, um quadro
estarrecedor veio à tona no Brasil. Passamos a descobrir tudo aquilo de que já
desconfiávamos há décadas ou séculos – os grandes atos não são decididos pelos
governantes, que mais parecem bonecos de ventríloquos. Quando abrem a boca,
quem em verdade diz o que pensa é o antigo ventríloquo, que maneja uma cordinha
e fala pela comissura dos lábios, acionando o esôfago.
Na era eletrônica, esses bonecos
de antes já não alegram a criançada. Passaram a ser de carne e osso e, com
nosso voto, ocupam postos de governo. Os ventríloquos, porém, subiram na vida
e, hoje, governam em vez dos governantes.
Alguma dúvida?
Quem, entre nós, mandava ou
talvez ainda continue a mandar? Os governantes ou gente alheia aos governos? Os
Odebrechts, pai e filho, a OAS e outras grandes empreiteiras de obras públicas?
As montadoras, comprando “medidas provisórias”? Os irmãos da Friboi, de
estranhos nomes e mil habilidades, que (com dinheiro do BNDES) transformaram um
açougue num império industrial com reinos espalhados pela Europa e Norte
América?
Mais estarrecedoras são as somas
de centenas de milhões de dólares, ou bilhões de reais, distribuídos pelos
ventríloquos a governantes e políticos. Que não haja surpresa, porém! Os
bilhões do suborno e das propinas não pesam no bolso dos ventríloquos, pois não
vêm deles. São recursos públicos, carreados e distribuídos pelo BNDES. Ou seja,
vêm do FGTS, o fundo de garantia de quem trabalha.
Por isso os ventríloquos são
dadivosos e facilmente repassam milhões aos bonecos que exigem suborno para
continuar bonecos.
A Procuradoria-Geral da República
vem demonstrando que tanto a organização criminosa montada pelo PMDB, e
encabeçada por Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco, quanto a similar que
Lula da Silva, Palocci e seus asseclas montaram no PT (ou as incrustadas no
PSDB, no PP e noutros partidos) têm com os corruptores uma intimidade absoluta.
Mais do que uma relação “de pai para filho”, o comportamento se assemelha ao
das gangues, em que todos têm consciência do crime e da bandidagem, mas agem
como nobres cavalheiros.
Se, porém, um dos lados arranha o
acordo, o outro se vinga com crueldade. Assim parece ter ocorrido com o que
Joesley Batista e o doleiro Funaro revelaram sobre Temer, Eduardo Cunha e o
PMDB. Ou no que Palocci, em ansiosa busca de benefícios na prisão, contou sobre
Lula, seu chefe e guia de ontem.
A prática é antiga e proliferou
escondida na ditadura militar. Mas só pôde ser desnudada há pouco, quando
tivemos consciência de viver num regime de liberdade, com um Judiciário
independente e uma imprensa sem travas e sem medo.
O Brasil, porém, prescinde de
interpretações. Entre nós, as análises pouco valem e as previsões são apenas
uma forma de comentar o passado, nunca de antever o amanhã. A razão principal é
que nosso futuro é decidido pelo suborno.
E não só no conluio entre os
grandes do setor público e privado. Entre os pequenos, e no dia a dia, quem não
terá, pelo menos, pensado em subornar o guarda de trânsito para que a multa não
suje a carta de motorista? Ou o instalador da antena de TV, telefone e
internet, para “navegar” rápido pelo mundo?
O pequeno deslize é a miniatura
do delito maior. Nos últimos tempos, a orgia da sociedade de consumo faz com
que tudo se permita. A permissividade manda e desmanda. A realidade passou a
ser tão rica em absurdos que o fato de ontem é superado pelo de hoje, o qual –
por sua vez – será ultrapassado pelo de amanhã, como se um revogasse o outro. É
difícil, quase impossível, sequer interpretar o presente, quanto mais o futuro.
Aqui, as ciências sociais (que já
têm pouco de ciência e muito de pitonisa) falham completamente. Sociólogos,
politólogos, economistas (também jornalistas) podem analisar e prever apenas o
passado. E mesmo assim com dificuldade, pois tudo se esconde e a realidade se
oculta.
Tal qual, por anos a fio, exímios
ventríloquos esconderam o horror bilionário do PMDB de Sérgio Cabral, no Rio,
ou o que o PP de Maluf comandou na Petrobrás por indicação do PT de Lula. E
centenas de outros já descobertos ou a descobrir, todos na mão dos
ventríloquos.”
------------
AGD comenta:
Sem comentários
Nenhum comentário:
Postar um comentário