“O plano de Lula para o Lulil
POR FERNÃO LARA MESQUITA
Programa de governo é como termo
de uso de aplicativo. Ninguém lê. Mas esse “O Brasil feliz de novo” é uma
declaração à praça que não pode passar em branco. Embora políticos,
intelectuais, artistas e até a maior parte dos jornalistas se mostrem
firmemente decididos a não acreditar no que ele diz, Lula nunca escondeu o que
quer ser quando crescer. Depois da esfrega do 1.º turno ele ordenou ao
candidato laranja que se faça de bonzinho e renegue tudo, mas a coisa já está
registrada no TSE como o programa oficial do governo ... de quem mesmo? É a
terceira vez que eles tentam cravar esse punhal nas costas da democracia brasileira.
A primeira foi na véspera do Natal de 2009, no apagar das luzes do governo
Lula, quando ela foi batizada de “Plano Nacional de Direitos Humanos”; depois
em 2014, na véspera da Copa e de um recesso extraordinariamente longo do
Congresso quando Dilma o rebatizou de “Decreto 8.243”. Não vão desistir nunca.
Essa é a receita oficial de golpe do Foro de São Paulo que fez o seu début
mundial com Hugo Chávez “tomando o poder” na Venezuela com ele, à la José
Dirceu.
“O Brasil feliz de novo” não
especifica se manterá o Congresso aberto, mas é certo que ele deixaria de ter
qualquer função, pois tudo passaria a ser decidido por “plebiscitos convocados
pelo presidente da República” e decididos por “novos mecanismos deliberativos”
a cargo de “movimentos sociais” e “representantes da sociedade civil
organizada”. “Todos os poderes da União e do Ministério Publico”, assim como os
do Judiciário, estariam submetidos a esse tipo de “controle social”. Todos os
instrumentos da Lava Jato (delações premiadas, prisão na 2.ª instância, etc.)
seriam revogados e o “controle da mídia” se faria “com a atuação da Anatel e da
Polícia Federal para impedir perseguições”. Todas as “reformas do golpe”
aprovadas pelo Congresso seriam revogadas. Haveria um “novo pacto federativo”
em que literalmente todas as entidades municipais e estaduais passariam a ser
subordinadas a entidades nacionais. Todos os insumos, indústrias e estruturas
básicas seriam estatais, ficando para o “empreendedorismo” apenas o que é
“micro”. O “grande agronegócio” passaria por reforma agrária. A política
externa seria “altiva e ativa” significando privilegiar, inclusive com
financiamentos, países da América Latina, do Caribe, da África e do Oriente
Médio.
“A juventude” seria objeto de
“direitos universais, geracionais e singulares que buscarão permanentemente a
autonomia”. Quer dizer, da escolha dos banheiros na primeira escola dos seus
filhos à reeducação dos professores, da água da bica ao petróleo, dos povos das
florestas aos povos das metrópoles, da polícia única prendendo menos às
penitenciárias soltando mais, do esporte à programação de shows, da contenção
de encostas aos furacões do Caribe (!), para tudo e para cada coisa, para todos
os brasileiros e para cada um, e não só para eles (a lista acima é literal, mas
está longe de ser completa), haverá um “plano nacional”, acoplado a um “sistema
único” e a um “novo marco regulatório” aprovado por gente que não elegemos que
terá por referência “transversal” “o privilégio dos povos da floresta, dos
quilombolas, dos negros e das negras, e o combate à LGTBIfobia”, em nome dos
quais toda violência moral ou institucional será justificada.
Todo esse discurso delirantemente
sinistro começa com a frase “Lula é uma ideia e agora um programa”, e repete
150 vezes que, nesse Lulil que já não seria Brasil, ele cuidaria pessoalmente
de tudo.
E, no entanto, o País atravessou
o 1.º turno inteiro assombrado pela ameaça à democracia encerrada na
candidatura Bolsonaro sem que ninguém interrogasse o candidato laranja sobre
essa preciosidade. Mas como o Brasil é bem melhor que suas elites, a decisão do
1.º turno deu-se totalmente à revelia dos debates. Eles simplesmente deixaram
de interessar porque todo mundo - menos o intuitivo Jair Bolsonaro - fingia que
a natureza do regime é uma questão resolvida, quando absolutamente não é.
Planos de gestão da economia e da
administração pública, mesmo os sérios, são luxos para quem já tem o principal
resolvido, e aqui, como no resto do planeta, é meio grau mais para a direita ou
meio grau mais para a esquerda ou você cai no caos, como nós caímos. Por isso
nem os mais patéticos entre os candidatos patéticos que tomaram nosso tempo nos
debates conseguiram inventar coisa muito diferente nessa matéria.
Na falta de melhor tudo passou,
então, a girar em torno da corrupção. Mas também o combate à corrupção está
corrompido. Todo mundo sabe que existe uma diferença e todo mundo sabe que
diferença é essa, mas é impossível traduzi-la numa tipificação jurídica. É por
isso que nas democracias dignas do nome só quem elege tem o poder de deseleger
e, então, entregar o ladrão à Justiça comum, que é igual para todos. Se for só
juiz - e ainda por cima intocável - a controlar essa porteira, mais bandido
municiando a imprensa para atingir outro bandido em disputas pelo controle de
“bocas”, vira o Brasil...
O 2.º turno permitirá que o País
se interrogue sobre onde é que vai parar o governo que promete começar
revogando todo o Poder Judiciário que prende ladrão que resta, soltando Lula da
cadeia, para ficarmos só com aquele que só solta, criado por ele, e que já vive
anulando “monocraticamente” votações do Congresso Nacional inteiro.
Como faremos para que cada Poder
da República volte aos seus limites? Que limites são esses, que nós já nem
lembramos? Quem poderá restabelecê-los depois do estrago feito pelo lulismo? E
como fazer isso com o próximo governo instalando-se à sombra do vulcão de um
déficit explosivo por baixo da espada do crime de responsabilidade e sob a sede
de vingança da seita que pediu impeachment de todos os governos desde a
redemocratização, menos o seu próprio?
Tirar o lulismo do caminho é a
condição para essa conversa começar. Mas o Brasil que sangra vai precisar da
união de todo o campo democrático - o da esquerda inclusive - para sair dessa
enrascada.”
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