“O que será será
Por Fernando Gabeira
O que será do nosso país?
Muita gente me pergunta isto, nas
ruas e nos aeroportos. Respondo que penso no tema todos os dias e um bom pedaço
das noites. Mas não cheguei a uma conclusão que pudesse ser transmitida num
diálogo telegráfico. Tudo o que consigo dizer ainda não transcende a sabedoria
de um escoteiro: estar alerta.
Não temo pela sobrevivência da
democracia brasileira, mas pelos arranhões e pancadas que pode levar no
caminho. É um perigo que ronda a democracia em quase todos os lugares onde ela
existe.
Acabamos de sair do primeiro
processo de eleições disputado principalmente no território virtual das redes.
Talvez seja mais reveladora do Brasil que as outras, marcadas por comícios,
propaganda na TV e reuniões domésticas. Muita gente participou, compartilhando
opiniões.
O processo tem alguns perigos,
que já rondaram as eleições presidenciais norte-americanas. O principal deles
são as fake news, cada vez mais intensas.
Fake news sempre existiram. No
passado as chamávamos de boatos. Na década dos 70 o escritor alemão Hans Magnus
Enzensberger escreveu um livro de ensaios com o título Política e Crime. Um dos
mais interessantes capítulos é dedicado aos boatos e sua capacidade destruidora
em certos momentos políticos. A diferença essencial é que o boato hoje não só
circula entre milhões de pessoas, mas o faz numa rapidez incomparável com
outras fases históricas.
As fake news não seriam tão
assustadoras para mim se houvesse uma vontade genuína de filtrá-las. O perigo
apresenta-se no fato de que para muitas pessoas a distinção entre fake news e
realidade não interessa mais. E essa indiferença diante de boatos espalhados
por máquinas eficazes acaba sendo uma porta aberta para o totalitarismo.
Tanto no Brasil como nos Estados
Unidos, um presidente não escreve o destino do país como se estivesse diante de
uma folha em branco. Há instituições, às vezes precárias, é verdade, mas
representam um contraponto ao poder.
Conheço as posições de Bolsonaro
e seus aliados em relação ao meio ambiente. Será um osso duro de roer. Mas,
ainda assim, creio que há um horizonte para o movimento ambiental. Na minha
opinião, ele terá de rever suas alianças preferenciais. Foi mais fácil buscar a
esquerda, sempre aberta para absorver lutas contra o sistema.
No entanto, a ciência, a grande
aliada estratégica, foi subestimada. O verdadeiro encontro a ser buscado é o da
ecologia com a ciência. Não importa a resistência que as ideias encontrem.
Apoiadas numa lógica científica têm chance maior de se expandir na sociedade.
Marina teve uma votação muito
pequena. No dia seguinte à apuração, dois economistas ganharam o Nobel com
trabalhos sobre o desenvolvimento sustentável. O tema continua importante,
sobretudo no mundo. A votação de Marina não expressa a irrelevância ambiental
na cabeça dos eleitores brasileiros.
O momento histórico, as
circunstâncias tornaram a luta contra a corrupção sistemática e a insegurança
nas cidades o que realmente importava agora. No campo da segurança pública,
outro osso duro de roer. Não só Bolsonaro, mas também parte de seus eleitores,
aposta na posse de armas. Vejo isso de uma forma diferente, mas não tão
contraditória.
Jair Bolsonaro disse no Rio que
gostaria de ver a segurança funcionando como há 50 anos. É compreensível a
nostalgia das ruas tranquilas. No entanto, o esforço é fazê-lo olhar para a
frente, se não 50, ao menos alguns anos adiante.
As experiências que fortalecem a
minha tese estão aí: a tecnologia e a ciência também são aliadas da segurança
pública. No Piauí, um aplicativo trouxe mais segurança às mulheres ameaçadas.
No momento em que escrevo, estou partindo para a cidade de Guararema, no
interior de São Paulo. Ali vou documentar o trabalho de uma verdadeira muralha
de câmeras que protegem o lugar. São 96. Há 33 meses não há um homicídio.
Deve haver alguns problemas, como
de privacidade. Mas isso vou analisar no local. De qualquer maneira, é um
exemplo que fortalece a tese de usar o avanço tecnológico e científico como um
grande aliado da segurança pública.
Enfim teremos um novo presidente,
novo grupo no governo, mas há um caminho para contrabalançar o poder emergente.
Uma instituição com a qual se conta sempre, apesar de sua degradação, é o
Congresso. Houve uma renovação, cujos contornos qualitativos é difícil avaliar
antes de fevereiro.
A base parlamentar do governo, no
momento, são as bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Não são monolíticas, nem
necessariamente concordam em tudo.
Sempre escrevi que a chamada bancada
da bala é formada, parcialmente, por policiais experientes, que têm muito a
dizer. A repressão armada é a linguagem que melhor entendem. No entanto, uma
investigação sofisticada, um método mais científico pode despertá-los também
para outro caminho, ainda incipiente no Brasil.
Na bancada ruralista há gente com
mais intimidade com a natureza do que muitos ecologistas. Sua diferença é que
trabalha com os fatores sobrevivência e, sobretudo, lucro. Mas com a mediação
da ciência é possível algum resultado, assim como com a bancada religiosa, em
alguns temas, como meio ambiente e direitos humanos - não, porém, no sentido em
que os conheceram nos anos de PT.
Enfim, teremos muito trabalho
para tocar o barco. Mas não é impossível. Estamos diante de uma realidade, não
adianta chorar o leite derramado. O Brasil é assim, temos de nos ajeitar com
ele e dar graças a Deus, porque a alternativa do autoexílio é bastante
dolorosa, creio eu.
Tenho visto algumas críticas de
que esse raciocínio leva a normalizar o fascismo. Na verdade, o que consideram
uma aberração é resultado do voto popular. É preciso um pouco de cuidado com a
realidade.
Ainda bem que haverá muito trabalho
para todos. E pouco tempo para patrulhar uns aos outros.”
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