Por Roberto DaMatta
Quando Max Weber fala de poder
ele faz distinções importantes para a compreensão da democracia. Um regime
político centrado numa premissa revolucionária, pois é o único que
periodicamente confirma pessoas em seus cargos, o que produz uma instabilidade
estrutural paradoxalmente regulada.
Tanto isso é verdade que, quando
se dá um golpe, se fala em tudo, menos em eleição. Esse grande rito garantidor
de mudanças por dentro, esse formidável teste que une pessoas comuns a altos
cargos necessários à administração pública. Política e sociedade estão juntas
nas democracias e divorciadas nas ditaduras.
Weber é claro quando distingue
poder de dominação. Algo básico para entender o governo dos humanos pelos
humanos – esses bichos cujo programa é não ter programa sendo, por isso mesmo,
dependente do que Weber chamou de legitimação. A dimensão que domestica o
monopólio da força, justificando-a e racionalizando-a numa autoridade o que
evita o caos ou, como dizia um outro clássico, a “guerra de todos contra
todos”.
A dominação comunica quem manda e
quem obedece. A passagem da força bruta para a dominação mediada e racionalizada
por um sistema religioso ou jurídico é o que chamamos de sistema cultural – uma
ordem capaz de lidar com suas diferenças, tomando-as como “naturais”.
Se o rei é ungido por Deus e se
não existe dúvida sobre a existência de que as relações humanas são um produto
de ancestrais míticos, que as criaram e engendraram os “costumes” com os quais
vivemos, então a obediência não é devida à pessoa, mas ao papel que as pessoas
desempenham, o qual tem uma chancela como divina ou legal.
O poder tem sempre o seu lado
arbitrário e opressivo, mas a dominação é fundada em normas e gestos
originários de narrativas sagradas ou de códigos ancestrais ou de leis
naturais, fundadores da ordem humana. É assim que ela escapa da história e
passa a impressão de eternidade.
O poder depende da força. A
dominação requer acordos. “Tomar o poder” como querem os imbecis é uma
banalidade; atingir – entretanto – um sistema razoável de dominação requer
senso de justiça entre o mandante e o obediente. Pois entre eles existem normas
e rituais que legitimam suas diferenças e podem revertê-las.
Tudo isso nos leva além de Weber
para Arnold Van Gennep – o revelador da estrutura elementar dos rituais, essa
base comportamental da legitimidade. Ele diz:
1. Os estágios críticos do ciclo de
vida que começa com o nascimento, passa pela puberdade, casamento, paternidade,
e, finalmente, chega com a morte; ainda que estejam relacionadas a eventos
fisiológicos, são definidos socialmente;
2. A entrada e a saída desses
estágios críticos são sempre marcadas por rituais e cerimônias não apenas nas
“sociedades primitivas”, mas também na civilização cristã e nas civilizações da
antiguidade;
3. Esses “ritos de passagem”
incluem sempre três fases: separação (que remove os sujeitos do seu campo
social rotineiro), transição ou margem e, finalmente, incorporação num novo
campo e papel social.
Nas democracias, essas passagens
ocorrem de tempos em temos naquilo que chamamos de eleição – esse grandioso
processo cerimonial no qual legisladores e executivos são substituídos numa
ampla competição determinada pelo “voto”. Por uma promessa representativa de
lealdade e confiança.
Nesse sentido, a eleição é um
ritual cujo objetivo explícito é a renovação – essa marca registrada do viés
democrático. Ela é também uma ocasião na qual a sociedade pode reclamar aquilo
a que aspira e ver-se a si mesma como um feixe de opiniões divergentes. Pode
também servir como correção para governantes que traíram a confiança dos seus
eleitores.
Foi exatamente a isso que
assistimos tranquilamente neste último domingo e que iremos assistir novamente
no “segundo turno” quando será finalizada a associação de um candidato (que passa)
ao cargo de presidente da República (que permanece).
Temos hoje uma conjuntura
eleitoral marcada por divergências somadas a ressentimentos que impedem agir
com a tal racionalidade que o campo do político dizia possuir na sua definição
moderna. Que Deus, esse representante de tudo o que tentamos enxergar, nos
ajude e nos livre da violência, da extorsão e da impostura em nome da
democracia.”
----------------
AGD comenta:
Sem comentários
Nenhum comentário:
Postar um comentário