“A verdade que nos libertaria – 2
POR FERNÃO LARA MESQUITA
Funciona na Inglaterra ou no
Quênia, na Austrália ou na Índia, na Nova Zelândia ou nos Estados Unidos. Em
todas as democracias de DNA saxônico apoiadas no sistema de eleição distrital
pura, a célula básica é o school board. Esses conselhos diretores das escolas
públicas são diretamente eleitos pelos pais dos alunos do bairro ao qual cada
escola serve. Normalmente têm sete membros, eleitos de dois em dois anos de
carona nas eleições municipais ou nacionais, em grupos alternados - três numa
eleição, quatro na seguinte - para mandatos de quatro anos. Como acontece com
todo funcionário diretamente eleito nessas democracias, eles podem sofrer uma
retomada de mandato (recall) a qualquer momento se seus eleitores acharem por
bem fazê-lo.
A elo de ligação entre os
eleitores e cada membro desses conselhos é o endereço. Tanto os candidatos
quanto os eleitores têm de ser moradores do bairro. O conselho eleito nomeará o
diretor da escola e aprovará ou não os seus orçamentos anuais e os seus planos
educacionais, de forma totalmente independente do estado e do grupo político
que o estiver controlando no momento (e você sonhando com “escola sem
partido”...).
Nos EUA esses conselhos têm ainda
a prerrogativa de emitir títulos de dívida para fazer melhoramentos, comprar
equipamentos, construir novos prédios ou mesmo contratar mais professores ou
aumentar os salários deles. O estado só interfere para aumentar verbas das
escolas das comunidades sem condições de bancar as próprias melhorias.
Seguindo uma norma de alcance
nacional, a emissão de qualquer título de dívida pública tem de vir acompanhada
de um projeto mostrando quanto dinheiro vai ser captado para fazer exatamente o
quê, em quanto tempo e a que custo o título vai ser resgatado, quem e como vai
pagar a operação. Normalmente a fórmula usada para pagar investimentos em
escolas é adicionar um aumento temporário no imposto territorial do bairro
(IPTU) servido por ela. Tudo definido, o projeto aparecerá na cédula da próxima
eleição nacional ou municipal para um “sim” ou um “não” somente da comunidade
afetada (controlado pelo endereço de cada eleitor).
O mesmo princípio aplica-se aos
distritos eleitorais e às obras e serviços públicos municipais ou estaduais. No
sistema de eleição distrital pura, divide-se o número total de habitantes pelo
número de representantes desejados para cada instância - câmaras de vereadores
ou assembleias legislativas, por exemplo. A unidade contada é sempre o número
de habitantes, e não o de eleitores, porque é obrigatório que o distrito
eleitoral tenha uma correspondência com um elemento físico que possa ser
aferido. Como na média nacional a um determinado número de indivíduos, habitações
ou famílias corresponde um mesmo número médio de eleitores, o que vale é o
endereço. Um distrito eleitoral municipal será, portanto, uma soma de distritos
escolares. Uma soma de distritos municipais dará um distrito estadual e uma
soma de distritos estaduais dará um distrito nacional. Com 513 congressistas
teríamos distritos de mais ou menos 400 mil habitantes neste Brasil de 207
milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435 deputados, cada distrito federal tem
aproximadamente 700 mil habitantes. Todos esses distritos e subdistritos serão
desenhados sobre o mapa da nação e, uma vez feito isso, só poderão ser
alterados com base no censo nacional, a cada 10 anos. Cada candidato a uma
função pública - seja ao conselho diretor de uma escola, a uma câmara de vereadores,
a uma assembleia legislativa ou ao congresso nacional - só poderá concorrer por
um distrito eleitoral. E cada distrito eleitoral elegerá apenas um
representante.
Assim, cada representante eleito
saberá exatamente o nome e o endereço de cada um dos seus representados, e
vice-versa. O congressista americano não é o representante do estado fulano, é
o representante do distrito eleitoral número tal. Não há vices nem suplentes.
Em caso de vacância será convocada uma eleição extraordinária somente naquele distrito
para eleger o substituto.
Qualquer eleitor pode iniciar uma
petição de retomada de mandato (recall) do seu representante. Cada bairro,
cidade ou estado - as instâncias até onde vale esse recurso - estabelece o
número mínimo de assinaturas necessárias para qualificar uma retomada (em geral
algo entre 5% e 10% dos eleitores de um distrito). O secretário de estado
municipal ou estadual, funcionário que existe só para organizar essas “eleições
especiais” que acontecem a toda hora, confere as assinaturas. O distrito então
decide no voto, do orçamento da escola publica do bairro à construção de uma
nova estrada no seu estado, a compra de mais carros da polícia da sua cidade ou
o salário dos seus funcionários. Tudo, sempre, votado e pago diretamente só pelos
cidadãos afetados. Espaço zero para roubalheiras.
Juízes também. Ninguém é
onipotente. A cada quatro anos o nome de cada um deles aparecerá na cédula da
eleição na sua comarca com a pergunta: “O juiz fulano fica mais quatro anos?”.
“Sim” ou “não”.
Leis de iniciativa popular
cuidando desde casamento gay e maconha até leis penais ou proibição de aumento
de impostos sem aprovação de quem vai pagá-los passam por esse mesmo processo.
Coleta de assinaturas e qualificação e subida à cédula da próxima eleição para
aprovação direta.
Para a eleição de novembro agora,
quase 180 questões de alcance estadual se qualificaram para aparecer nas
cédulas de todo o país. Milhares de outras de alcance municipal - leis,
processos de retomadas de mandatos de conselheiros escolares e funcionários
eleitos (todos os que têm função de fiscalização do governo ou contato direto
com o público) também estarão nelas. O povo, senhor absoluto e irrecorrível dos
políticos, decide tudo no voto.
Assim, na próxima vez que você
vir a sua eleição nacional ser apurada em duas horas, não fique todo orgulhoso.
Você está sendo enganado. Isso que existe por aqui tem uma vaga semelhança com
democracia, mas não é.”
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AGD comenta:
(*) O texto anterior desta
matéria do Fernão Lara Mesquita já foi aqui publicado. Clique aqui
para lê-lo.
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