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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Calma, que o Brasil é nosso!





“Calma, que o Brasil é nosso!

Por José Nêumanne

Comemorar a vitória do adversário não é usual na natureza humana. Vencedores festejam e derrotados tomam fel no velório. Mas a Nostradamus de xepa de feira e bruxas de Macbeth de hoje em dia convém receitar boas doses de Rivotril e baldes de suco de maracujá. Esta não terá sido a última eleição do século: o mais tardar em dois anos serão disputados pleitos municipais, nos quais mais uma vez o ânimo popular será testado e nenhum eleitor será obrigado a contrariar seus interesses votando em quem não atender à vontade comum. Quem chora agora pode comemorar em outra ocasião, pois, todo mundo sabe, um dos maiores e mais ministrados tônicos da velha democracia é o rodízio do poder.

Convém, de início, reconhecer que poucas disputas mobilizaram o ímpeto bélico da cidadania brasileira como esta. Mas um curso bem frequentado de História do Brasil bastará para esclarecer que a polarização nunca foi algo tão inusitado assim. Em 1930, no meu Estado natal, a Paraíba, liberais queimaram lojas de “perrepistas” depois do assassinato do presidente do Estado, João Pessoa, no Recife. Suicida vocacional, Getúlio Vargas disparou contra o próprio coração, parte por não suportar o opróbrio do “mar de lama” de que era acusado pelos inimigos da UDN, parte por saber que o tiro de seu revólver levaria seus devotos à rua para evitar a subida ao poder dos desafetos. E assim foi: jornais da oposição foram empastelados e uma multidão seguiu o féretro pelas ruas da então capital federal, do Catete ao aeroporto, onde o cadáver pranteado como nunca nenhum outro antes embarcou para a última morada, em São Borja. Entrou em meus compêndios escolares o tiroteio na Praça da Bandeira, em Campina Grande, em 1950, em que se enfrentaram antigos correligionários, os amarelos de José Américo, fundador da UDN e candidato do PSD, contra os brancos do ainda udenista Argemiro de Figueiredo. Dois operários e um bancário morreram na refrega. Não foram os únicos imolados nas disputas políticas brasileiras. Baleado por João Dantas, João Pessoa, candidato a vice na chapa derrotada de Getúlio na eleição de 1930, inspirou hino, deu nome à capital de nosso Estado e a muitas ruas e avenidas de cidades brasileiras, depois de seu corpo inanimado ter animado a revolução dos tenentes, que virou nossa política de pernas para o ar.

Pode-se dizer ─ e quem o disser não mentirá ─ que a polarização se tornou mais aguda com o segundo turno, que privilegia o “ele não” desde sempre. E que se fez odienta com a campanha do “nós contra eles”, tática de Lula para reduzir o impacto do mensalão contra sua reeleição, repetida desde então na versão maniqueísta de romance de capa e espada.

O pleito do mês passado introduziu um elemento novo no panorama, antes controlado de cima da ponte que dá acesso ao castelo do poder: o poder da cidadania, usando um instrumento da velha-guarda, à qual a esquerda se associou gostosamente na rapina do erário com o baronato político, contra os manipuladores de sempre. Refiro-me à democracia dita direta. Ludibriada no desgoverno de nosso chefe de Estado menos aquinhoado de inteligência desde Tomé de Souza, governador da Bahia, a classe média, após ter ocupado as ruas para reclamar da desídia do Estado, recorreu às mídias eletrônicas não convencionais para dar o drible da vaca nas organizações criminosas, ditas partidárias. Estas recorreram aos truques mais sórdidos para se manterem no topo. Primeiramente, patrocinaram candidatos exclusivos das legendas, financiamento público bilionário das campanhas pagas por propinas desmedidas, foro de prerrogativa de função e outros truques canalhas.

Depois, veio a guerra ideológica. Um best-seller do New York Times, Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt, socorreu ignorantes que chamaram a tomada de poder pelo cidadão de “neofascismo” e “protonazismo”. Com a desastrada adesão do fake Pink Floyd Roger Waters, mexendo Mussolini, Hitler, Trump, Putin e Bolsonaro no mesmo caldeirão. O povo nem ligou e demoliu a farsa, que fez da intelligentsia a versão acadêmica e artística da “jumentice”, e sapecou na farsa o peso de quase 58 milhões de votos para o capitão deputado.

Em plena ressaca do mau humor da derrota, a patota organizada da “resistência” contra o empurrão na velha política para fora do poder republicano por quatro anos inspirou-se nas pragas rogadas por Tirésias na Roma antiga. A executiva Mônica de Bolle clamou contra a indicação de Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central (BC) pela precariedade intelectual de seu currículo. Faltava-lhe, segundo ela, um doutorado, um mestrado que fosse. Como se Henrique Meirelles, presidente tucano do BC de sir Luiz Inácio tivesse defendido teses nos anos em que foi corretor na Bolsa de Valores de São Paulo do Banco de Boston, no qual chegou sem diploma a ocupar a presidência internacional.

Os salões e corredores do Itamaraty fervilharam de fofocas contra o embaixador Ernesto Araújo por ele não ter ocupado uma embaixada do circuito Elizabeth Arden antes de chegar à chancelaria. O primeiro ministro das Relações Exteriores da República foi Quintino Bocaiúva, político de ofício. O atual, Aloysio Nunes Ferreira, praticou a “diplomacia” como segurança do chefe guerrilheiro Carlos Marighela, no exílio em Paris e na política profissional no Estado de São Paulo. Entre outros, ilustres chanceleres não cumpriram a última condição para o cargo: os ex-presidentes Campos Salles e Fernando Henrique Cardoso, verbi gratia. E o melhor exemplo é o de Osvaldo Aranha, revolucionário de 1930, pau pra toda obra nos governos de Vargas e o maior ocupante do posto na História.

Quem não sabia fique sabendo, e para tanto, como no caso de Bolle, basta consultar o Google. Aranha fez o que nenhum outro brasileiro fez: presidiu na assembléia-geral das Nações Unidas a sessão histórica em que o território das colônias judaicas no Oriente Médio se se tornou o Estado de Israel. Cuja bandeira, aliás, o oficial presidente eleito reverencia, abrindo a exceção de único filonazista da História que é também filossionista, e não antissemita, como os citados precedentes históricos de Adolf e Benito.

Do mau humor tornado mau agouro não escapa, é claro, Sergio Moro, que ultimamente substitui, na condição de “unanimidade nacional”, Chico Buarque, protomártir da esquerda Rouanet. Como é público e notório, o juiz federal, que teve o topete de condenar o çábio de Caetés à cela “de estado-maior” na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, renunciou à carreira na magistratura para ocupar o Ministério da Justiça no futuro governo. Das trevas de seu merecidíssimo oblívio, o emérito professor José Eduardo Martins Cardozo emergiu para exigir do futuro colega na mais tradicional pasta do ministério a chamada “quarentena ética”. O rábula diplomado em questão disparou direto das sombras o seguinte petardo, em entrevista à Folha: “É uma situação que exigia dele, no mínimo, uma quarentena ética. Não é ilegal, porque não existe uma situação legal, mas deveria ter uma quarentena ética. Alguém que influencia o processo eleitoral tem que se considerar impedido de assumir cargos de livre nomeação de um governo que foi eleito a partir de decisões que ele tomou. Isso é questão de moralidade, questão de ética.”

Há apenas dois anos e meio, o referido causídico da causa perdida assomou às luzes da ribalta, como um Chaplin de picadeiro, na condição de defensor particular da acima citada Dilma no processo do impeachment, quando exercia o cargo público de advogado-geral da União. Ademais, antes de ocupar qualquer magistério de ética de mentirinha, Sua ex-Excelência deveria, explicar ao público furtado por que nem sequer lamentou ou pediu perdão pela cumplicidade exercida durante os 13 anos e meio em que seus patrões de partido executaram o maior assalto da História. Em vez disso, faz parte da patota que joga areia nos olhos dos ocupantes do poleiro do circo mambembe da velha política republicana tupiniquim a justificativa mentirosa da perseguição ao chefe do chamado “quadrilhão do PT”, ora em julgamento em Brasília. À falta de sabão, ele está convidado a lavar a língua com juá, como faziam os ancestrais de seu ídolo e padim no interior de Pernambuco.

Dou-lhes um piedoso aviso: calma, que o Brasil é nosso! Estamos todos no mesmo barco e um eventual naufrágio a ninguém poupará.”

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