“O novo governo
Por Denis Lerrer Rosenfield
O governo de Jair Bolsonaro
começa sob a égide do novo. O novo a ser entendido não como uma mudança
qualquer de governo, mas como uma diferente forma de exercício do poder,
fundamentado no exercício da autoridade. Novo também no que diz respeito a uma
recuperação das ideias de direita, seja em sua vertente liberal ou
conservadora, relegando a segundo plano a oposição direita/esquerda.
Nos últimos anos, o petismo e sua
herança consistiram numa dança à beira do precipício. A inflação estourou, o
desemprego atingiu mais de 12 milhões de trabalhadores, o PIB afundou, os juros
ganharam as alturas, a criminalidade tomou conta das cidades e do campo e a
insegurança, em todos os sentidos, se generalizou. Neste último ano eleitoral,
Lula ainda tentou, mesmo condenado e preso, ser candidato a presidente da
República, utilizando-se da mentira como forma de conquista do poder. Uma séria
crise institucional esteve muito próxima.
Nas peripécias dos últimos meses,
constatou-se que a democracia terminou por adotar a forma de uma defesa de
privilégios, cujo melhor exemplo talvez seja a resistência dos estamentos
estatais à reforma da Previdência, como se o jogo político devesse ficar à
mercê do arbítrio dos que têm mais condições de exercer influência e pressão. A
população de baixa renda e os desempregados carecem desses instrumentos de
pressão.
A criminalidade, em expansão,
mostrou igualmente as dificuldades de exercício da autoridade, como se combater
a bandidagem fosse uma questão de direitos humanos. Da mesma maneira, questões
educacionais foram fortemente submetidas ao politicamente correto, como se toda
a sociedade devesse submeter-se ao que intelectuais esquerdistas apresentavam
como “progressista”, seja lá o que isso signifique.
A autoridade estatal foi
substancialmente enfraquecida, com o sociedade clamando por seu
restabelecimento, sem que isso signifique autoritarismo, que desconhece limites
institucionais e constitucionais.
Logo, é nesse contexto que se
deve compreender o novo governo, nas figuras do presidente eleito, Jair
Bolsonaro, e de seu vice, general Hamilton Mourão.
Primeiro, o núcleo militar. Ele
representa o compromisso com a autoridade estatal, cuja preocupação central
consiste em que o Brasil não caia na anomia, que poderia comprometer o futuro
da democracia. Tanto o general Mourão quanto o general Heleno, ministro-chefe
do Gabinete de Segurança Institucional, são pessoas altamente qualificadas,
comprometidas com a existência do Estado e a luta contra a corrupção. Ambos
terão papel importante na orientação do novo governo, agindo dentro do próprio
Palácio do Planalto. Se o vice-presidente vier, por delegação do presidente, a
exercer a coordenação dos ministros, o ganho do novo governo será enorme na
implementação das novas políticas e no restabelecimento hierárquico da
administração.
Segundo, a Lava Jato. A nomeação
do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça segue outra linha de campanha
do presidente eleito, a do compromisso com a honestidade no tratamento da coisa
pública e do comprometimento no combate à corrupção. Responde igualmente a um
clamor da sociedade por mudanças na condução dos negócios públicos. O então
juiz, no exercício de suas funções, deu provas cabais de seu comprometimento
com a verdade, não se submetendo a pressões ideológicas e partidárias.
Terceiro, a política econômica. O
novo ministro da Economia representa um inequívoco compromisso com a economia
de mercado, o direito de propriedade e a redução do poder de intervenção do
Estado. Ao escolhê-lo e dar-lhe plenos poderes, o novo presidente assumiu um
compromisso com o liberalismo, vital para o ajuste fiscal e o equilíbrio das
finanças públicas, bases do crescimento econômico e do distributivismo social.
A nova equipe, muito qualificada, está seguindo os passos da política econômica
do presidente Michel Temer, ampliando-a.
Quarto, as frentes parlamentares.
O sucesso do governo depende em grande medida de sua capacidade de aprovação de
leis e, sobretudo, de emendas constitucionais na Câmara dos Deputados e no
Senado. De nada adiantam belos planos de reformas se eles não conseguirem a
aprovação no Legislativo. Seria um enorme impasse. O novo presidente aposta
suas fichas no novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deputado que
conhece bem o Congresso, e na escolha de ministros que representem frentes
parlamentares importantes, como as da agricultura e pecuária, da saúde, da
segurança pública, da construção civil e material de construção e dos
evangélicos. Há aqui uma mudança relevante em relação ao governo Temer, que
atuou com os partidos políticos e os líderes partidários. O desafio é interessante,
porém não isento de riscos. Resta saber se conseguirá, com ela, alcançar os
seus objetivos. A escolha para a pasta da Agricultura da deputada Tereza
Cristina, pessoa competente, sinaliza para essa política de frentes
parlamentares, assim como a do novo responsável pela Saúde.
Quinto, a concepção conservadora.
A escolha dos novos ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indicam, por sua vez, outro ponto de
campanha, assentado nos valores conservadores, de compromisso com a família, a
pátria e a religião. Coloca-se aqui uma questão espinhosa, a de saber se esses
valores são de natureza a orientar a relação entre Estados, baseada nos
interesses particulares de cada um, segundo seus objetivos geopolíticos. No que
toca à educação, o novo ministro é um intelectual respeitado, com livros
importantes de filosofia e de história das ideias no País. A caricatura que
dele foi feita em alguns jornais não guarda correspondência com a verdade.
Por último, assinale-se que o
novo governo está se organizando de forma coerente, fiel a suas ideias
eleitorais, numa síntese de valores conservadores e liberais, democracia e
exercício da autoridade. Eis a aposta.”
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