“Família vende (quase) tudo
Por Cida Damasco
Não há quem duvide do papel das concessões
e privatizações na política econômica do futuro governo. O compromisso com o
liberalismo e a necessidade de ajuste fiscal a curtíssimo prazo tornam sua
importância mais do que estratégica. Vital é o adjetivo apropriado. O perfil da
equipe econômica, completada na semana passada, prova que o chefe Bolsonaro e
seu superministro Paulo Guedes, até agora com carta branca, pretendem dobrar a
aposta na privatização. Dois polos de poder cuidarão dessa tarefa: uma
secretaria específica para desmobilização e desinvestimento sob o guarda-chuva
de Guedes, que será entregue ao empresário Salim Mattar, dono da Localiza, e
uma estrutura subordinada diretamente à Presidência, para tratar das concessões
de infraestrutura.
É verdade que as previsões sobre
desestatização divulgadas durante a campanha pecam pelo exagero, segundo
economistas dos mais variados matizes. Primeiro, Guedes falou em se desfazer de
todas as estatais – no total, são 144, sob controle direto e indireto da União
–, depois Bolsonaro falou em sair de 100 delas e, já na boca das eleições,
ambos cacifaram uma previsão de receita de R$ 2 trilhões com venda de
participações nas empresas, de ativos e renovação de concessões. Mas, mesmo
considerando que a realidade vai derrubar alguns desses “sonhos”, está claro
que levar adiante um programa parrudo de privatizações é indispensável para um
governo que precisa reduzir o endividamento e, pelo menos num horizonte
próximo, não tem como abater os gastos significativamente.
Nesta semana, uma iniciativa ainda
da gestão Temer deve criar condições para que Bolsonaro, já na chegada ao
Planalto, inicie uma ofensiva desestatizante. Está marcada para quinta-feira a
divulgação dos editais de licitação de 12 aeroportos, quatro portos e uma
ferrovia, que permitirão a realização de leilões já no primeiro trimestre – um
pacote de concessões que deve resultar numa arrecadação de R$ 1,5 bilhão e
investimentos de R$ 6,4 bilhões.
Mas, se a decisão de limpar a
carteira de empresas pertencentes ao Estado é ponto pacífico, ainda há dúvidas
sobre o destino de estatais que são ícones do patrimônio nacional. O que vai
acontecer exatamente com a Petrobrás, com a Eletrobrás e com o Banco do Brasil?
Muitos observadores ficam arrepiados só de ouvir falar na possibilidade de o
Estado brasileiro abrir mão desses ativos. Mas, aos poucos, começam a ser
estabelecidos alguns parâmetros para o “emagrecimento” dessas empresas, que
buscam conciliar os desejos dos liberais com os limites dos nacionalistas,
especialmente nas alas militares.
O BB e a Caixa deverão pôr à
venda alguns “pedaços” relativos a atividades laterais das instituições, como
já deixaram claro seus novos presidentes, Rubem Novaes e Pedro Guimarães – o
mercado dá como certa, por exemplo, a oferta da área de seguros do BB. Segundo
antecipou Novaes, essa venda em “pedaços” seria via mercado de capitais. A
Eletrobrás, cuja inclusão na lista de privatizações do governo Temer foi objeto
de grande debate, também deve seguir a linha de privatização parcial, com a
preservação da área de geração de energia em poder do Estado.
Quanto à Petrobrás, o caso mais
emblemático entre os emblemáticos, tudo indica que ficará concentrada na
atividade de exploração e o foco será o pré-sal. A julgar pelas declarações do
vice Mourão e do próprio Bolsonaro, a porta está aberta para a venda da
distribuição de combustíveis e do refino – na primeira, a participação da
Petrobrás no mercado já está abaixo de um quarto, embora, na segunda chegue à
marca de 90%. Nos últimos dias, inclusive, a movimentação das ações da
Petrobrás nas bolsas já reflete claramente essas indicações de reestruturação.
Mais uma vez, acertadas as
diferenças entre as turmas que se abrigam no governo Bolsonaro, as discussões
sobre privatização vão acabar no Congresso. E, quando se trata de estatais de
setores estratégicos, pode-se imaginar o quanto essas discussões tendem a
esquentar e, por isso mesmo, se alongar. Guardadas as devidas proporções, foi o
que aconteceu na gestão Temer. Afinal de contas, é no Congresso que interesses
de regiões e corporações se manifestam – seja por meio de partidos ou de
bancadas. Um teste decisivo para a chamada “vontade política” do novo governo.”
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