“Página virada
POR ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
Acabamos de participar de disputa
eleitoral encerrada com a derrota do radicalismo petista. Mais de 147 milhões
se manifestaram em clima de franca liberdade. Por expressiva maioria o País
aprovou a deposição de Dilma Rousseff, como ré de crime de responsabilidade, e
apoiou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sentenciado por
corrupção passiva e ativa e recolhido à prisão em Curitiba. Foi a derradeira
página do último capítulo da novela cujo fim só deverá ser conhecido dentro de
quatro anos. Os grandes embates estão por acontecer.
A campanha adquiriu
características de plebiscito nacional. A disputa ultrapassou os limites da
Presidência da República. No flanco direito, Jair Bolsonaro procurou ser visto
como representante do bem, da ordem, da legalidade; alguém, enfim, capaz de
retirar o Brasil do purgatório. Na extremidade esquerda, Fernando Haddad foi
apresentado como o político apto a cumprir a pesada tarefa de recuperar o
Partido dos Trabalhadores (PT), tendo como meta remir Lula da cela onde cumpre
pena.
Ambos os perfis não correspondiam
à realidade. Jair Bolsonaro não deve alimentar a pretensão de ser o estadista
dotado de poderes excepcionais que lhe permitam desagravar, com a rapidez
desejada, prejuízos causados durante 13 anos e meio de petismo. Fernando
Haddad, por outro lado, não estava à altura da tarefa que lhe foi entregue. Não
nos esqueçamos do minguado resultado alcançado quando, há dois anos, perdeu a disputa
pela reeleição como prefeito de São Paulo. Tentou, mas não conseguiu
desempenhar o papel reservado a Lula, com resultados superiores, contudo, aos
esperados.
Não surpreendeu a derrota do PT.
Era inevitável. Para surpresa geral, entretanto, a votação superou a casa dos
47 milhões, ou 44,8% dos votos válidos. Como entendê-los após a cassação de
Dilma, a condenação de Lula e de integrantes da cúpula do PT por desvios de
dinheiro e crimes de corrupção ativa e passiva, cometidos com a cumplicidade de
grandes empresários? É a pergunta que devemos fazer.
Reputo impossível que alguém
dotado de razoável equilíbrio ponha em dúvida a idoneidade de sentenças de
primeiro grau, confirmadas em segunda instância, em ações penais que obedeceram
aos princípios constitucionais do devido processo legal e do amplo direito de
defesa. Tomada por sentimento de perplexidade, a Nação observou Fernando Haddad
alcançar o segundo turno, enquanto candidatos com apreciável currículo e boa
reputação eram barrados no primeiro.
A elevada concentração de votos
nas camadas pobres das Regiões Norte e Nordeste sugere forte influência de
programas assistencialistas e do pagamento de Bolsa Família àqueles que nunca
antes haviam conhecido a cédula de R$ 100. Li em algum lugar acerca da importância
da memória do bolso na escolha do candidato e ouvi de alguém a respeito da
inutilidade de argumentar, com a Constituição nas mãos, sobre democracia,
honestidade, igualdade de direitos para quem está desempregado e cuja família
passa necessidades.
Não são esses, porém, os aspectos
mais preocupantes no sectarismo lulista. Não me surpreende, também, a presença
do PT nos meios artísticos ou entre intelectuais de esquerda. Exige, todavia,
particular atenção a crescente onda lulista em meio a estudantes de classe
média alta nos cursos de nível médio e universitários, admiradores de Che
Guevara. O lulismo parece-me carecedor de ideias consistentes e de bases
doutrinárias. Tem, entretanto, distante parentesco com o marxismo-leninista.
Ignora o que se passou com a extinta União Soviética, a dissolução do bloco
comunista, o destino de Stalin, o fracasso da Alemanha Oriental, as ditaduras
dos irmãos Castro, de Evo Morales, de Hugo Chávez, de Nicolás Maduro, a
violência e a corrupção presentes em governos africanos admirados por Lula e
Dilma.
Seria consequência da indignação
provocada pelo fracasso de políticos surgidos durante o regime militar, os
quais, nestes 30 anos de crise, espalharam desconfiança e decepção entre os
jovens? Seria forma de protestar contra a onda recente de corrupção?
Convivi com Lula desde o início
da década de 1970, quando comecei a trabalhar como advogado do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo. Defendi a entidade nas históricas greves de 1978,
1979, 1980, 1982. É indesmentível que a vida sindical passou por radical
transformação sob a sua liderança. Após ter o mandato cassado em abril de 1980
por decisão arbitrária do Ministério do Trabalho, Lula não voltou ao emprego na
Villares, onde teria breve período de estabilidade. Deixou de ser operário para
enveredar pela política. Fundou o Partido dos Trabalhadores e a Central Única
dos Trabalhadores (CUT).
Como escrevi anteriormente, a 2.ª
edição do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (DHBB), publicada em 2001
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), traz o verbete Lula
no Volume III sem registros desabonadores (páginas 3.330-3.336). O que
aconteceu nos anos que se seguiram? Essa é a pergunta que repetidamente ouço.
Não me sinto em condições de responder. Aprendi, porém, com a vida, que cobiça
é doença contagiosa, contra a qual muitos não conseguem proteger-se.
Com a experiência acumulada em
anos de advocacia e de integrante do Tribunal Superior do Trabalho, posso
afirmar que condenações em raríssimos casos surgirão do nada. Para belicosas
legiões petistas, todavia, Lula é inatacável. Jair Bolsonaro que se acautele.
Alimentadas pelas chamas dessa crença, persistirão pelejando com o objetivo de
reaver, até 2022, o poder que o povo lhes arrebatou.”
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