“Sem
intermediação?
Por Eliane
Cantanhêde
Presidir o País
é tomar decisões muitas vezes duras, desagradar a interesses e mediar
conflitos, ciúmes e invejas na própria equipe, o que exige força popular e
política. Logo, é preciso ter uma excelente comunicação com a sociedade e uma
negociação azeitada com o Congresso.
É estranho,
portanto, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tenha usado sua diplomação
para dar uma canelada desnecessária na mídia. No “novo tempo”, segundo ele, “o
poder popular não precisa mais de intermediação”. E fez questão de especificar
que falava das “novas mídias, que permitiram uma relação direta entre eleitor e
seus representantes”.
Jornais,
revistas, rádios e TVs são canais não só tradicionais, mas também legítimos e
de grande alcance para a mediação entre poderosos e sociedade, eleitos e
eleitores. Dispensá-los, ou desdenhá-los, é apostar numa anarquia na
comunicação entres os três Poderes e os cidadãos e cidadãs.
As “novas
mídias” são importantes e vieram para ficar, mas carregam um perigo: a difusão
rápida e irresponsável, muitas vezes paga, de mentiras, manipulações e
falsificação grosseira dos fatos, tanto a favor quanto contra. O efeito é
deletério e isso pode virar uma guerra sangrenta, num mundo paralelo de
verdades e mentiras. O “novo tempo” não pode se transformar no “paraíso das
fake news”, nem na propaganda acrítica de governos.
Bolsonaro também
está dando sinais confusos nas relações com o Congresso, essencial para sua
agenda de reformas e seu plano de governo. Ok, é compreensível que bata de
frente com Renan Calheiros e tente bombardear sua volta à presidência do
Senado, porque o senador, apesar de muito experiente e implacável, é campeão de
processos no Supremo e ele se elegeu para “mudar tudo”. Ninguém muda nada com Renan
Calheiros numa posição tão estratégica em Brasília.
Mas e Rodrigo
Maia? Por que trabalhar contra a reeleição dele à presidência da Câmara e ainda
por cima alardear publicamente? Maia é do DEM que, dos partidos médios a
grandes, é o que saiu menos chamuscado da Lava Jato. Basta comparar com o MDB
de Renan, o PT, o PP, o PTB, o PSDB... Até por isso, emplacou a Casa Civil e os
ministérios da Agricultura e da Saúde. Não por pressão ou reivindicação, mas
porque o partido tem bons quadros.
Além de a sigla
ser muito conveniente, ninguém como Rodrigo Maia reúne tantas condições para
ser uma mão na roda para o futuro governo no Congresso. Já está no cargo,
negocia bem com esquerda, centro e direita, conhece o regimento e,
principalmente, é um economista identificado com a agenda, as reformas e a
equipe de Paulo Guedes. Quem melhor do que ele para tocar a reforma da
Previdência?
Entre os erros
políticos de Bolsonaro, está desperdiçar a oferta de Michel Temer para aprovar
em dezembro a primeira fase da reforma previdenciária. Jogou fora essa chance
de dividir o ônus e ficar com todo o bônus, está descartando Rodrigo Maia e
ainda não providenciou um adversário à altura de Renan no Senado.
A reforma da
Previdência não é só a primeira nem só a mais importante. Ela é “A” reforma. Os
investidores internacionais olham para o Brasil com lupa e com a caneta na mão.
Mas só vão usá-la se essa reforma passar, sinalizando ajuste fiscal e
enxugamento do Estado. É o desafio mais dramático do novo governo, do “novo
tempo”, do “novo Congresso” e das “novas mídias”. Desprezar intermediação e
negociação pode ser uma péssima ideia.”
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AGD
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