“Brincando com fogo
Por Eliane Cantanhêde
Quem brinca com fogo pode se
queimar, mas quem está saindo chamuscado das propostas do presidente eleito
Jair Bolsonaro não é ele, mas o Brasil. O duro artigo do governo da China e o
duríssimo cancelamento de uma visita oficial do chanceler brasileiro ao Egito
devem acender o sinal amarelo no QG de Bolsonaro, que tem uma grande vantagem:
sabe recuar. Pois é hora de recuar.
Política externa é “de Estado”,
não “de governo”, mas é óbvio que novos presidentes têm direito de fazer
ajustes, calibrar o tom e deixar a sua marca nas relações com o mundo. Só não
podem dar cavalo de pau, porque política externa se faz com credibilidade e
estabilidade, para não atrair retaliações imediatas ou perda de imagem do País
a médio prazo.
Aliás, se Bolsonaro condena a
política externa ideológica do PT, ele não pode incorrer no mesmo erro, com uma
política externa igualmente ideológica, no sentido inverso. Também não convém
ignorar que o governo Temer já promoveu uma guinada de pragmatismo,
reaproximando Brasília de Washington e afastando de Caracas.
Entre as bombas acionadas pelas
falas de Bolsonaro na área internacional destaca-se a transferência da
embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, rompendo décadas de neutralidade do
Brasil no Oriente Médio, a favor de Israel e contra os Países Árabes, que têm
fortes laços comerciais e culturais aqui.
O Egito – um dos árabes mais
moderados – já chutou o pau da barraca, cancelando o convite para o chanceler
Aloysio Nunes Ferreira ir ao país nesta semana com dezenas de empresários que,
inclusive, já estavam no Cairo. E tudo por um voluntarismo de Bolsonaro. Mudar
a embaixada para Jerusalém não muda absolutamente nada a favor do Brasil. Muito
ônus para zero bônus. Aliás, só a Guatemala e os EUA de Donald Trump fizeram
isso. O Paraguai, que tinha feito, já voltou atrás.
Outra bomba de Bolsonaro é acenar
para Taiwan e dizer que “a China pode comprar no Brasil, mas não comprar o
Brasil”. Em texto pouco usual no Daily News, seu porta-voz extraoficial, o
governo chinês ameaçou retaliar e lembrou que a China é o nosso principal
parceiro comercial, com um superávit mais do que favorável ao Brasil, e os dois
países não competem entre eles, ao contrário, têm economias e interesses
complementares.
Está em pauta a extradição de
Cesare Battisti, que agrada a Itália e depende do STF, mas Bolsonaro já
desativou três outras bombas: não fala mais em retirar o Brasil da ONU, que
seria um escândalo; romper com o Acordo de Paris, no qual o Brasil defende não
só os interesses do mundo, mas os seus próprios, inclusive do agronegócio; e
unir Agricultura e Meio Ambiente, que foi um susto para a União Europeia, forte
importadora de carne e soja e ciosa da sustentabilidade do planeta.
Quanto à ameaça de Bolsonaro de
simplesmente romper relações com Cuba, ela não pareceu tão absurda assim para
experientes diplomatas brasileiros, que ridicularizam a “grande democracia
cubana” boicotando o Brasil em defesa do PT. Afinal, foi Havana quem retirou
sua embaixadora de Brasília após o impeachment de Dilma Rousseff e jamais
concedeu agrément para o embaixador Fred Meyer, um amigo de Cuba.
Fora isso, Bolsonaro está
causando tanto ruído, à toa, por três motivos: desconhecimento de política
externa, aliança com os evangélicos e um alinhamento, mais do que político,
quase psicológico, a Trump. Vale dizer que, afora pequenos hiatos, o Brasil
jamais teve alinhamento automático com nenhum parceiro, nem com a grande
potência.
“Brasil acima de tudo, Deus acima
de todos”, diz o bordão de Bolsonaro. Em política externa, é “o interesse do
Brasil acima de tudo e de todos”, inclusive das ideologias que, assim como vêm,
também vão.”
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