“Sem estelionato eleitoral
POR MERVAL PEREIRA
Uma escolha técnica seria mais
adequada, devido aos problemas que temos na educação, maiores do que a questão
ideológica, que sem dúvida interfere na qualidade, mas apenas lateralmente. Não
pode ser surpresa para ninguém que Bolsonaro escolha um ministro que tenha uma
ideologia de direita tão marcada quanto a de Ricardo Velez.
É o que o Bolsonaro pensa e o que
defendeu na campanha presidencial. Assim como a indicação do chanceler do
Itamaraty, que ele escolheu dentro da carreira, mas não entre embaixadores
seniores, como era a expectativa. Escolheu um jovem embaixador, recentemente
promovido, que pensa como ele. As duas nomeações foram indicadas pelo filósofo
Olavo de Carvalho, que é o pensador desse grupo. A preocupação é que, sendo o
estado laico, a bancada evangélica tenha tido poder não apenas para vetar, mas
de indicar o novo ministro. Não é admissível que uma tendência religiosa
interfira nos ensinamentos das escolas brasileiras.
Não surpreende ninguém, Bolsonaro
foi eleito porque pensa assim, porque disse as coisas que disse durante a
campanha. Pode-se discordar dessa linha, muita gente votou no Bolsonaro por
causa disso, muita gente votou no Bolsonaro apesar disso, achando que a volta
do PT seria pior. Muita gente votou no Haddad para evitar o Bolsonaro e o que
ele pensa, mesmo sem ser petista.
Mas a grande maioria do
eleitorado que elegeu Bolsonaro, tenho a impressão, concorda com ele, e comunga
dessas idéias. Não há, portanto, estelionato eleitoral, é um fato anunciado. O
que vamos ver agora é como as decisões de governo vão se dar.
Se acontecer na educação o mesmo
aparelhamento colocado em prática nos governos petistas, com o sinal trocado,
levando o sistema educacional a uma direção ideológica de direita, em
detrimento dos aspectos técnicos que necessitam ser atacados para que a
educação brasileira deixe de ser tão ruim quanto é, o governo Bolsonaro será
criticado, assim como os governos petistas foram.
O novo ministro da educação
defende em uma postagem do facebook que existam comissões em salas de aulas em
universidades e escolas públicas para ver se as boas normas estão sendo
cumpridas, ou coisa semelhante. O PT tentou fazer comitês em tudo quanto foi
lugar, e nunca conseguiu porque a reação da opinião pública foi muito forte.
Tentou fazer comitês populares
para a distribuição do Bolsa Família, ou comitês nos órgãos de imprensa a
pretexto de um “controle social da mídia”, que continuou no seu programa de
governo na recente campanha presidencial. Essas iniciativas foram vetadas,
quando apresentadas ao Congresso, e a maioria nem foi apresentada, depois que
os balões de ensaio foram rejeitados pela opinião pública.
Nesse caso da educação no governo
Bolsonaro vai ser a mesma coisa. Fazer comissões dentro de salas de aula para
investigar posturas de professores e alunos é um absurdo, inaceitável, e
certamente a idéia será barrada não apenas pela opinião pública que, mesmo
minoritária se for o caso, tem capacidade de obstruir medidas abusivas, como
também por reação dos professores e alunos.
Assim como o chanceler Ernesto
Araujo terá que enfrentar questões práticas para levar adiante seus pensamentos
sobre política exterior, como a reação dos países árabes à transferência da
embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, ou os incômodos causados pelas
críticas à China, nosso maior parceiro no comércio internacional.
É mais importante melhorar a
performance dos alunos no teste internacional Pisa, onde nossa colocação em
matemática, português e ciências é vergonhosa em comparação com outros países
em estágio semelhante ao nosso, e às vezes inferior, do que instituir o
programa Escola sem Partido.
Essa disputa ideológica dentro
das universidades e escolas públicas tem que ser resolvida na discussão normal
de idéias, e caberá ao governo proporcionar um ambiente plural para tanto. O
que não acontece hoje, com a ideologia esquerdista que não abre espaços para
outros pensamentos.
As provas do Enem, por exemplo, serão
completamente diferentes das que são feitas nos últimos 13 anos, e o que será
analisada é a qualidade da prova, se há intenções políticas atrás de certas
perguntas. Os métodos adotados têm que levar em conta sempre a liberdade de
pensamento, a liberdade de expressão.
Até o ponto em que o governo não
interfira nos direitos individuais dos cidadãos, alunos e professores, de se
informar e pensar por conta própria. O
que conta, no fim das contas, é a melhoria da qualidade do ensino.”
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