“Depois da onda
Por William Waack
Não havia muita dúvida que uma
campanha improvisada, intuitiva, com propostas genéricas em vários campos e
muito voluntariosa – a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro – produziria um
começo de governo idem. E o que parecia tão fácil de ser dito (a promessa de
delegar vastas áreas a ministros competentes e do ramo) seria tão difícil de
ser feito.
Não havia muita dúvida ainda que
personalidades, digamos, exuberantes na expansão de seus campos de atuação e
imbuídas de muito zelo no exercício de suas ampliadas atribuições (Paulo
Guedes, Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Eduardo Bolsonaro) provocariam um
constante vai e vem do que pode não pode, vale não vale, disse não foi dito.
Especialmente (não é o caso de Moro) quando planos de governo ainda parecem em
estágio inicial de elaboração.
Não havia muita dúvida também que
outro elemento muito vantajoso na hora de conquistar corações e mentes de
eleitores – a promessa de refutar o toma lá dá cá, escapando do varejo da
politicagem – retardaria a montagem do governo e as articulações com
parlamentares. É inegável que o conhecimento interno da máquina pública,
dominado por partidos estruturados, nunca é inútil.
Não havia, em momento algum,
dúvida que, na falta de profissionais designados para falar do assunto, o
falatório sobre política externa oriundo da campanha provocaria ruídos em meio
a poucas certezas difusas e – novamente – obrigaria o próprio Bolsonaro a
esboçar correções verbais. Reiterar que o Brasil quer uma política externa “sem
viés ideológico” é ainda pouco.
É perfeitamente normal a
diferença entre o que se diz em campanha e o que se vislumbra, exequível ou
não, quando começa a transição para a fase de governar – ainda mais para uma
equipe, como a do atual governo em formação, que vai ter de aprender “on the
job”. Mas o ponto é outro: estamos vendo apenas o início de um fenômeno típico
de grandes mudanças políticas trazidas por ondas como esse tsunami que elegeu
Bolsonaro.
Peço perdão ao leitor para
utilizar aqui uma comparação que não deve ser levada ao pé da letra, mas creio
ajudar a ilustrar meu argumento. Cobri como repórter duas ondas de enormes
mudanças políticas: a que depôs a monarquia no Irã e a que arrebentou o Muro de
Berlim. Claro que o ocorrido no Brasil não guarda proporções com esses fatos
históricos, e o ponto em comum me parece ser um em especial: a onda que derruba
o sistema é formada por vários e diversos componentes, encontra um símbolo e um
catalisador, arrasa o que pretendia derrubar, e o depois fica para depois.
Significa que os vários vetores
da onda que mudou a política brasileira agora vão convergir ou divergir e é
difícil neste momento prever resultados concretos. Na economia, por exemplo, a
proposta de “abertura comercial” e o ataque da “questão fiscal (Previdência)”
são coisas diferentes mesmo para os integrantes do chamado “núcleo duro” de
Bolsonaro, incluindo o que cada um enxerga como “necessário” e considera
“possível” dado o imenso desafio político.
Acabei me convencendo na
cobertura de situações críticas de mudança, e considero o que acontece no
Brasil como uma delas, que a evolução dos acontecimentos raramente é linear e
seus principais atores (no caso, Bolsonaro) navegam muito mais ao sabor dos
fatos e das circunstâncias que, em caso de ondas, são muito voláteis. Significa
que o País está diante de uma oportunidade considerável de se alterar para
melhor as condições gerais que até agora o mantêm preso na famosa armadilha do
rendimento médio (nosso PIB per capita aumentou, mas a distância para as
economias avançadas não está diminuindo).
Mas não é inevitável que isso
aconteça. É preciso trabalhar rápido.”
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