“Pobreza real, pobreza mental
Por Monica De Bolle
O Nobel de Economia de 2019 foi concedido a três economistas
que conduziram ao longo dos anos pesquisas de alto rigor científico para medir
o impacto de diferentes políticas públicas na erradicação da pobreza. Como
definiu um dos laureados, a economista Esther Duflo, segunda mulher a vencer o
prêmio desde que foi criado pelo Banco Central da Suécia em 1968 e sua mais
jovem vencedora, a pesquisa dos três tem por objetivo estudar de perto a vida
das pessoas, não as recomendações teóricas de livros-texto. A partir da
observação próxima em comunidades na África e na Índia, os três testaram os
efeitos de diversas intervenções para melhorar as taxas de imunização infantis,
o combate à malária, os incentivos à educação, além de diversas outras medidas.
Em muitos casos, os estudos conduzidos seguindo metodologia
bastante utilizada pelas ciências médicas, conhecido como ensaio controlado
randomizado, as descobertas foram surpreendentes e simples: ao contrário do que
se pensa, não é necessário gastar muito dinheiro para aumentar as imunizações,
combater a malária, ou elevar a escolaridade. O ensaio controlado randomizado
consiste em selecionar aleatoriamente grupos que receberão a intervenção – no
caso, a política pública – e grupos que não o receberão. A partir dessa
seleção, aplica-se a política e analisam-se seus efeitos.
O estudo sobre a malária, por exemplo, consistiu em dar ao
grupo selecionado mosquiteiros. Havia a dúvida se deveriam ser fornecidos de
graça ou se as pessoas deveriam comprá-los. Afinal, se fossem dados de graça
havia a possibilidade de que as pessoas não dessem aos mosquiteiros o devido
valor, usando-os menos do que o desejável. Elaborou-se um sistema de vouchers:
alguns davam 100% de desconto na compra, outros davam 50%, outros 20%, e por aí
vai. Comparando os resultados tanto dos vouchers recebidos, quanto do grupo de
controle que nada recebeu, foi possível constatar um aumento considerável do
uso de mosquiteiros entre os que os obtiveram de graça, isto é, os com 100% de
desconto.
Ao contrário do que se acreditava, isso não prejudicou o
mercado de mosquiteiros, mas o beneficiou enormemente. Aqueles que agora tinham
mosquiteiros em uma cama, passaram a comprá-los para todas tendo percebido o
seu valor. Houve sensível redução nas taxas de infecção de malária e nas taxas
de contágio. Para quem não entendeu a razão da pesquisa, inúmeros estudos
mostram a relação entre malária e pobreza.
Os vencedores do Nobel, portanto, puseram em prática medidas
para melhorar a vida das pessoas e revolucionaram a maneira como hoje se pensa
e se adotam políticas sociais voltadas para o desenvolvimento econômico. Como
disse Esther Duflo em entrevista concedida após vencer o prêmio, não é que haja
falta de livros-texto e teorias sobre a redução da pobreza e o desenvolvimento
econômico. Livros e teses abundam. O problema é que na maioria das vezes eles
não trazem a pesquisa de campo, a inserção nas comunidades e na vida das
pessoas, para justificar suas recomendações. Portanto, podem levar a equívocos
e desperdícios.
A pesquisa científica de campo para reduzir a pobreza e os
seus vários sucessos deveria ser comemorada, sobretudo em países onde ainda há
muita pobreza, como é o caso do Brasil. Infelizmente, a reação nas redes
sociais de gente que se identifica com a direita extrema retrógrada do País foi
de condenar a premiação de diversas formas. Seja pela negação de que o Nobel de
economia exista – o prêmio existe, ainda que não tenha sido originalmente
estabelecido por Alfred Nobel – seja ao afirmar que a pobreza é um “estado
natural” e que as políticas públicas para combatê-las são inúteis. Por certo,
esse pensamento repercute não entre gente que sofra da pobreza real, material,
mas de quem sofre de profunda pobreza intelectual. Quem sabe seja possível
algum dia desenhar intervenções públicas para a pobreza mental. Quem sabe seja
possível resgatar algumas cabeças da ignomínia que ocupa os espaços públicos.
Quem sabe nada disso seja possível e o Brasil permaneça preso na sua
terraplanice atual.”
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