“O Nobel do encanador
Por Pedro Fernando Nery
Ontem a franco-americana Esther Duflo se tornou a segunda
mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, fazendo história também por
conquistá-lo mais cedo que qualquer outro. Esther tem somente 46 anos, e
desbancou a marca anterior do gigante Kenneth Arrow (51). Seu trabalho é bem
introduzido por sua visão: a de que o economista tem de ser mais parecido com
um encanador.
“O economista como encanador” é literalmente o título de um
artigo e de uma palestra seus que resumem sua pesquisa e a de outro agraciado
com o Nobel ontem, o indiano Abhijit Banerjee (um terceiro vencedor foi o
americano Michael Kremer). O economista precisaria ter a atenção ao detalhe que
o encanador tem. Teria menos que se perguntar “o que fazer”, e mais “como
fazer”.
No lugar das grandes ideias e narrativas, avaliações e
dados. O encanador é apontado por Esther como aquele que de fato instala o que
é projetado pelo engenheiro, vê como está funcionando e ajusta para o uso. O
encanador é a vida real, o pragmatismo e o pé no chão.
Os trabalhos de Esther e Banerjee são predominantemente
avaliações de políticas públicas, de combate à pobreza. Há a cuidadosa análise
do que funciona e do que não funciona. É o encanador quem tem o olho para as
engrenagens e as juntas, e que vai solucionar os problemas difíceis de
antecipar, que só se apresentam quando a água é ligada.
Esther Duflo e Abhijit Banerjee fizeram algo raro para
economistas: fundaram um laboratório. É o J-LAB, um centro do Instituto de
Tecnologia do Massachusetts (MIT) dedicado ao combate à pobreza informado por
evidências científicas.
A ênfase dos premiados não esteve imune a críticas: muitos
consideram que a abordagem não consegue responder várias perguntas importantes,
outros acham que o foco apequena a economia, que deveria ser área de ideias
grandiosas.
Para estes, é de importância menor as perguntas que
pesquisadores como Esther, Banerjee e Kremer se propõem a responder. Como incentivar
os pais a vacinarem seus filhos? Qual a melhor forma de organizar alunos na
sala de aula a fim de maximizar o aprendizado? Mosquiteiros contra a malária
são mais usados quando comprados pelos pais ou dados de graça? Estes são alguns
exemplos da linha premiada no Nobel (“abordagem experimental para aliviar a
pobreza global”).
O Bolsa Família é talvez o melhor exemplo no Brasil de
política de encanador: de ótima relação custo-efetividade, cautelosamente
avaliado e aprimorado com atenção ao detalhe (no limite das restrições
políticas). Marcos Lisboa é um exemplo de quem tem como bandeira o economista
como encanador.
Um exemplo da resistência é a que o próprio Lisboa
enfrentava quando implantava o Bolsa Família. Pela ênfase na focalização, foi
chamado de “débil mental” por Maria da Conceição Tavares, professora titular da
Unicamp. Fica claro que a lógica do encanador rivaliza com a de um “plano
nacional de desenvolvimento” (também conhecido como plano infalível do
Cebolinha).
Na coluna da semana passada, tratamos do que seria a
evolução natural do Bolsa Família: o benefício universal infantil, baseado em
conjunto de dados sobre a cobertura do Bolsa e de outras políticas públicas,
estudos sobre seus efeitos, e em aspectos práticos como o estigma da atual política.
Isso é “como fazer”.
Esse é um exemplo da abordagem do encanador para política
pública, com atenção para o detalhe. Um exemplo contrário, com atenção para a
narrativa, típico do que temos chamado na coluna de lacroeconomia, é do Projeto
de Lei 5.491. O novíssimo projeto do PSOL foi assim resumido por um assistente
técnico do partido: “obriga o Estado a garantir desemprego involuntário ZERO”.
Pela descrição formal, “institui o Fundo de Garantia do Emprego para assegurar
o pleno emprego com estabilidade de preços e redução das desigualdades, bem
como o desenvolvimento econômico, social e ambiental”. Isso é “o que fazer”,
não “como fazer”.
No “como fazer”, o economista encanador vai achar vazamentos
em leis, jurisprudência, trâmites orçamentários, realidade política, psicologia
humana. E vai propor soluções.
Mas na política pública no Brasil ainda detestamos o “como
fazer”. Gritamos nenhum direito a menos quando confrontados com um Estado que
gasta R$ 1 trilhão por ano com Previdência em um país jovem. Achamos linda uma
legislação trabalhista que multidões de trabalhadores miseráveis não consegue
acessar. Preterimos na educação a fase da vida de maior neuroplasticidade, a
primeira infância, mas brilhamos os olhos quando gastamos bilhões em um
futurista acelerador de partículas entre Itu e Jaguariúna. Em vez de incentivar
uma prática orçamentária que obrigue a confrontação de privilégios, preferimos
gastar sem teto. Mais Esther, por favor.”
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