“Mitos ou verdades
Por Ana Carla Abrão
A reforma administrativa do governo federal nem chegou ao
Congresso Nacional, mas a mobilização contrária já ganha corpo. Na última
semana, antes mesmo do governo trazer a público o teor da sua proposta, um
conjunto de entidades representativas dos servidores públicos federais divulgou
um extenso documento em que verdades absolutas são questionadas e seus
objetivos desvirtuados. Há que se reforçar, portanto, as motivações que
justificam uma reforma da máquina pública brasileira. E elas são,
fundamentalmente, a melhora da qualidade do serviço público, o aumento da
produtividade da economia brasileira e a necessária redução dos gastos
obrigatórios que vêm comprimindo a capacidade do Estado de investir e melhor
servir a população.
Embora legítimo na defesa dos interesses das entidades que
apoiaram a sua elaboração, o documento da Frente Parlamentar Mista pela Defesa
do Serviço Público precisa ser confrontado com dados e informações que jogam
por terra as teses que ele busca defender. Afinal, há fartas evidências na
direção contrária. Além disso, a necessidade de se reformar a máquina pública
não está vinculada ao seu desmonte, mas sim à sua melhora operacional, com impactos
positivos significativos também para o servidor público.
O Brasil gasta hoje o equivalente a 39% do PIB com o
financiamento da máquina pública. Esse número, calculado pelo Tesouro Nacional
com informações de 2016, é muito superior ao que países como México ou Chile
gastam e se aproxima dos níveis de gastos observados em países como Inglaterra
ou França. Pode-se argumentar (corretamente) que o Brasil, sendo um país em
desenvolvimento e com uma população tão carente, deve mesmo ter uma máquina
pública maior e mais cara. Verdade, desde que a contrapartida fossem serviços
públicos de qualidade e uma população bem atendida. Não é o caso. Estamos
dentre os países com pior avaliação na qualidade dos serviços públicos, segundo
pesquisa da OCDE. Portanto, relativamente ao que deveríamos estar oferecendo à
população brasileira, sim, o Estado no Brasil é muito grande e a máquina
pública está inchada, consumindo recursos em níveis e trajetórias que não se
refletem na qualidade do serviço público e no atendimento à população.
E a explicação principal está na alocação dos recursos
públicos. Gastamos, segundo dados do Banco Mundial publicados recentemente,
cerca de 10% do PIB com o pagamento de salários e benefícios a servidores da
ativa. Somando as despesas com os regimes próprios de Previdência, chega-se a
cerca de 15% do PIB. Como o número de servidores não parece alto em relação à
população empregada no setor privado, o gasto de pessoal no serviço público se
mostra elevado quando comparado a outros países.
Some-se a isso a desigualdade salarial no setor público
brasileiro, há disfunções que precisam ser corrigidas se quisermos melhorar os
serviços públicos na ponta, o atendimento ao cidadão. A Inglaterra, por
exemplo, gasta cerca de 6% do PIB com salários e benefícios dos seus servidores
e tem o melhor serviço público do mundo, segundo índice da Blavatnik School.
Além disso, as despesas de pessoal no serviço público brasileiro vêm consumindo
parcelas crescentes das receitas totais graças ao crescimento orgânico e
vegetativo dos gastos com salários no setor público. Tanto que, entre 2008 e
2018, o crescimento acumulado real do gasto com servidores ativos foi de 26%,
ainda segundo o Banco Mundial. Sim, as despesas de pessoal são muito altas e
estão descontroladas.
As outras quatro verdades divulgadas como mitos no documento
da Frente Parlamentar Mista tratam da ineficiência do Estado, do privilégio da
estabilidade, do fato de que chegamos ao colapso fiscal e finalmente da
importância das reformas estruturais para a retomada do crescimento. Todas
questões amplamente debatidas e amadurecidas e que merecerão mais algumas
linhas nesse espaço nas próximas semanas.
Mas vale aqui ressaltar a relevância do tema e comemorar a
entrada desse debate na pauta nacional. A construção de uma reforma estrutural
da máquina pública se dará a partir do Executivo, passará pelo necessário
debate legislativo e pela negociação com os servidores e seus representantes e
carecerá do entendimento do Judiciário. Mas para que os resultados convirjam
para o seu objetivo, qual seja o de melhorar o funcionamento do setor público
brasileiro e garantir que os serviços públicos básicos sejam instrumento de
justiça social, gerando igualdade de oportunidades para os mais pobres, ele
terá de contar com o envolvimento da sociedade. Daí a importância de deixar
claro desde já que verdades são verdades. Não são mitos.”
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