“As desventuras da imprensa sem povo – 2
Por Fernão Lara Mesquita
Sendo prerrogativa exclusiva “do Estado” e não tendo de
passar por nenhum filtro de aprovação do eleitorado, a lei brasileira acaba
inevitavelmente sendo feita “pelo Estado e para o Estado”. Nada, rigorosamente
nada a ver com o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Essa é a regra de
ouro do “Sistema” que nos massacra e só pode continuar nos massacrando porque a
imprensa, sem nenhuma exceção, também a acata. Segundo a lei vigente, leis
defeituosas de legisladores defeituosos podem ser retrucadas com mais leis
defeituosas de legisladores defeituosos, jamais pela recusa do “paciente” de
aceitar o tratamento venenoso.
Discutir as coisas nos termos em que as põem os políticos de
qualquer dos “lados” da privilegiatura, inclusive o “do meio”, que é tudo
referindo às instituições em que se apoia o sistema de privilégios vigente, é
acumpliciar-se com a casta entrincheirada por trás da ordem partidária, da lei
eleitoral e do monopólio no tratamento da lei. O espírito reformista, sem o
qual não desatolaremos, só voltará ao primeiro plano se a imprensa calçar os
sapatos do Brasil plebeu, passar a olhar o debate nacional com os olhos dele e
ir procurar respostas fora da vasta “zeladoria do erro” do “Sistema”, como fez
todo mundo que passou a dar certo.
É de uma covardia absolutamente vexatória que nenhum órgão
de imprensa dentro ou fora da internet esteja em campanha permanente pelo
Privilégio Zero Já num país que a miséria mergulhou numa guerra, mas continua
pagando os maiores salários ao funcionalismo entre os 53 medidos pelo Banco
Mundial, e crescendo, por cima da estabilidade, das aposentadorias precoces e
da dispensa de apresentar resultados, que só sobrevivem aqui.
“Será que os próprios privilegiados admitem pensar num
‘estágio probatório’ antes de saltar para o salário que os porá no círculo dos
3% mais ricos de um país miserável?”. Aplica-se ou não tal ou qual artigo de
perfumaria segundo a Constituição que criou a privilegiatura? Vejamos, é um
“assunto polêmico”...
E a propaganda eleitoral que você é obrigado a pagar, ela
fere ou não o “princípio da igualdade de oportunidade”? E por acaso “eleger”
não é sinônimo de “desigualar”? Não deveria sobreviver só partido ou candidato
que o eleitor se dispusesse a financiar? Se fosse informado ao eleitor quanto
cada candidato recebeu de financiamento antes da eleição (nos EUA o prazo
máximo é de cinco dias após o recebimento da contribuição), quem pode avaliar
com maior isenção e rigor quem está ou não se vendendo, o colega do Estado que
se elegeu na mesma mumunha ou o eleitor? O Brasil foi enfiado nessa armadilha
patética e permanece nela porque a imprensa, tal como a privilegiatura, exclui
de saída a ideia de que o povo possa proteger-se mais eficientemente que o
Estado, e “topa” o debate infindável sobre o que o Estado deverá fazer para
evitar a infecção consequente de estar no lugar errado, com exceção de sair de
lá.
O brasileiro sabe ou não sabe votar? Quando você erra o
caminho, você segue em frente até se jogar no abismo ou volta atrás e tenta
outro? Por que é negado ao eleitor brasileiro aprender com o seu erro? Como
remediá-los legitimamente sem um sistema de eleição que permita saber
exatamente quem representa quem, por acaso o mesmo que mata naturalmente toda a
roubalheira de campanha e evita que político ladrão volte a se candidatar com a
máscara de outro colada à cara? Esse é o sistema em uso em todo o mundo que
funciona. Se você nunca foi apresentado a ele, está sendo traído pelo seu jornal.
E o que dizer da falta de eleições primárias que libertem o
eleitorado das escolhas de um cacique que só se tornou cacique porque se
comprovou mais corrupto que os seus índios? Como sair do brejo sem conduzir o
olhar do senso crítico da Nação sistematicamente PARA FORA dos mecanismos de
autorreprodução dos nossos aleijões inscritos na Constituição?
Urna eletrônica? Um artigo contra. Um artigo a favor. Quando
é impossível negar o dolo, o assunto torna-se “controvertido”. Jamais a receita
alemã: transparência é o valor mais alto a ser extraído de toda eleição. Não se
trata de saber se houve ou não houve fraude. O crime está em ver negado o único
meio incontroverso de acabar com a dúvida.
E a educação, como melhorá-la partindo da premissa de que é
proibido aferir o grau de educação do professor que, como não vê esse “direito”
contestado, já trata de proibir que se meça o do aluno, que remeteria ao seu? E
já que está proibido tocar na raiz da doença tão ululantemente óbvia do
professorado e do resto do serviço público, tome séculos de discussão sobre
currículos mais ou menos “progressistas” e sobre o sexo dos anjos.
Daí a quem nos diz que o remédio para todos os males dos que
somos roubados com a lei é chamar a polícia, quando um ladrão romântico ainda insistir
em roubar-nos também por fora da lei, não vai diferença nenhuma que faça mesmo
diferença. Como não odiar os jornalismos que sobem nesses pedestais?
Como é certo que todo erro será petrificado e que as portas
da reforma das leis só se abrirão uma ou duas vezes por século, se tanto; como
o povo não existe enquanto instância legislativa nem para sugerir, nem para
recusar, nem para alterar, seja para os políticos, seja para a imprensa; como
será impossível aprender com os erros e reagir com bom senso ao que der e vier;
como é mais fácil um raio cair duas vezes no mesmo lugar que revogar leis
imbecis, venenosas ou necrosantes há séculos identificadas como tal, as leis
brasileiras, mesmo nas raras vezes em que são bem-intencionadas, tendem a
tentar antecipar cada reação possível a fatos que ainda não ocorreram e,
portanto, a ir emparedando a vida, a liberdade individual e a liberdade
econômica na vã esperança de passar ao largo do que virá para impedi-las de
funcionar.
O Brasil tem de romper o seu compromisso com o erro. E a
única instância do “Sistema” que pode fazê-lo é a imprensa, seja a que está aí,
seja a que virá para ocupar esse espaço.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário