“Lobo e o cordeiro no STF
POR FERNANDO GABEIRA
A semana que passou foi complicada demais para caber num só
artigo. Começou com aquele discurso de Bolsonaro na ONU e, no final, nem se
falava mais nele.
Estava no Ceará cobrindo um encontro dos povos do mar. Nele,
discutia-se o conhecimento das populações litorâneas: cultivo de algas para
cosméticos e alimentação ou mesmo fazer um bonito lustre com escamas de um
peixe grande, chamado lá de camburubim. No final do encontro, as praias
nordestinas foram invadidas por um vazamento de óleo, morte de tartarugas e
tudo mais.
Bolsonaro voltou de viagem, e dela ficou apenas sua briga
com o cacique Raoni e a adolescente sueca Greta Thunberg, atacada pela família
presidencial.
O grande fato foi produzido pelo STF, que aplicou uma
derrota na Operação Lava-Jato e todas as outras que combatem a corrupção no
Brasil.
Alguns processos serão anulados por uma filigrana jurídica:
o condenado não apresentou suas declarações finais depois dos delatores.
A discussão desse tema poderia aperfeiçoar as coisas daqui
para a frente. Mas anular processos que desviaram milhões só por causa da ordem
final é apenas o sinal do momento.
A conjuntura mudou. A correlação de forças é outra. Os
vazamentos do Intercept enfraqueceram a Lava-Jato, da mesma forma que a eleição
de Bolsonaro, embora o discurso seja outro, e ele tenha integrado Moro ao seu
governo.
Não adianta discutir filigranas quando a correlação de
forças muda. A convergência de juízes com políticos e o próprio presidente
tornou-se forte. Criou uma situação de fábula. O lobo comeria o cordeiro,
independentemente do argumento. Como recompor, por onde recompor o sistema
defensivo da sociedade para se proteger do sindicato dos ladrões?
No meu entender, e já escrevi isso, o primeiro grande golpe
sofrido pela sistema anticorrupção partiu de Tofolli em conluio com Bolsonaro.
Ao neutralizar o Coaf, Tofolli quebrou o tripé da Lava-Jato,
que era composto de PF, Receita e Ministério Público. Não se pode mais informar
sobre operações financeiras suspeitas, sem autorização da Justiça.
No meu trabalho cotidiano, uso o tripé sempre que preciso de
mais estabilidade na imagem. O tripé da Lava-Jato tinha uma função mais
importante ainda: permitia ver coisas que escapam ao olho nu.
O que Tofolli fez com o apoio de Bolsonaro para livrar a
cara do filho senador, Flávio, tumultuou inúmeras investigações no país e
rompeu com alguns compromissos internacionais do Brasil no combate à lavagem de
dinheiro.
Como acentuei, o bombardeio à Lava-Jato não significa apenas
libertar os presos, mas reduzir as possibilidades de prender futuros envolvidos
em corrupção. O velho esquema que domina o Brasil ganhou nova cara, encarnou-se
em novos personagens, estruturou-se numa ampla frente e está pronto para
reiniciar a roubalheira. Só que as condições não são as mesmas do passado. O
nível de informações cresceu, a transparência se ampliou por força de lei.
Juízes, políticos e até jornalistas empenhados em derrotar o
aparato de investigação contam apenas com um certo cansaço da sociedade.
Ignoram as dimensões internacionais de sua escolha. No caso de lavagem de
dinheiro, vamos nos isolar.
Aliás, já estamos isolados por causa das opções de política
ambiental e pelo reposicionamento do Brasil no campo da extrema direita.
Quanto menos preparados, mais arrogantes são os governantes
brasileiros. Tenho criticado a decisão de Bolsonaro de tirar os radares das
estradas. Os especialistas também o fizeram. Meu ponto de vista é o de quem
vive nas estradas.
Soube na semana passada que o número de acidentes aumentou,
algo que não acontecia desde 2011. A quem apelar se a Justiça não se interessa,
e os políticos querem apenas ganhar votos reduzindo multas? Em situações
extremas, como foi a da África do Sul num determinado momento, intelectuais se
voltam para o exterior, pedindo socorro.
Desfrutamos de liberdade de expressão. A sociedade
brasileira não é uma coitadinha dominada por saqueadores. Ela encontrará o seu
caminho. O apoio internacional é apenas um complemento. De nada adianta, sem
que se faça a lição de casa.”
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