“O muro do salário mínimo
Por Pedro Fernando Nery
O Congresso aprovou o salário mínimo de R$ 1.040 para 2020,
reajustado pela inflação, encerrando a política de valorização do salário
mínimo (SM). Até 2019, o reajuste era pela inflação do ano anterior e o
crescimento do PIB de dois anos antes. Nos EUA, os candidatos democratas
prometem dobrar o salário mínimo nacional, que passaria a superar o mínimo da
maior parte das cidades. Lá como aqui o debate é centrado em uma preocupação:
aumentar o salário mínimo aumenta o desemprego?
Partindo da lei da demanda, a elevação de um preço (o do
trabalho) reduziria a demanda (a contratação de trabalhadores). A visão
democrata tem rejeitado a tese, embalada por experiências como a de Seattle e
outras cidades da Costa Oeste, que apesar dos maiores salários mínimos do país
mantiveram baixo desemprego. Nessa visão, o mercado de trabalho seria grande
demais para receber a mesma análise de outros (equilíbrio parcial), que
ignoraria o poderoso efeito positivo do SM no consumo e, assim, no emprego. O
aumento do SM não aumentaria o desemprego.
Pesquisadores têm alertado que estudos sobre experiências
como a de Seattle desconsideram que, apesar de impacto desimportante no
agregado da taxa de desemprego, grupos vulneráveis sofreriam impacto
desproporcional (Clemens, 2019; Meer, 2019). É o caso de trabalhadores de baixa
produtividade, de jovens inexperientes e daqueles das ocupações mais tendentes
à automação.
Os estudos otimistas desconsiderariam também a migração dos
trabalhadores afetados para fora desses centros urbanos, que não seria captada
na taxa de desemprego dos habitantes (Pérez, 2018). E alertam que a
substituição do trabalho por automação em decorrência leva tempo a ser
implementada, por exigir investimento em capital, não sendo bem captada nos
primeiros períodos após o aumento. No estudo de Lordan e Neumark (2018), os
efeitos seriam piores para mulheres, por predominarem em ocupações como as de
atendentes e recepcionistas. Na internet, páginas à direita ironizam a campanha
do aumento do SM como uma conspiração de robôs buscando ocupar funções de
humanos.
Em países emergentes, a literatura foca em um aspecto
adicional: a informalidade, que absorve trabalhadores entre o emprego formal e
o desemprego. Para o caso brasileiro, a literatura encontrava efeitos negativos
expressivos até o início dos anos 2000, que desapareceram no período de
desemprego baixo. Depois de aumentos que colocaram no Brasil a relação entre o
SM e o salário médio acima da OCDE, e depois de uma crise que deixou legado de
desemprego alto, qual seria o efeito de altas do SM?
Estudos feitos para o período de menor desemprego dão margem
para preocupação. O de Jales (2018) atribui ao SM entre 2001 e 2009 expressivo
crescimento do mercado informal, principalmente no Nordeste. O de Foguel,
Ulyssea e Courseil (2014) identificou efeitos altos e crescentes de expulsão de
trabalhadores para fora da força de trabalho entre 2009 e 2013. Aumentos do
salário mínimo sem contrapartida de produtividade teriam efeitos deletérios na
informalidade e inatividade mais fortes do que os efeitos positivos sobre a
desigualdade salarial. Já Saltiel e Urzúa (2018) observam efeitos negativos
significativos do aumento do mínimo entre 2003 e 2012 nas regiões menos
afetadas pelo boom de commodities, acendendo alerta sobre a repetição da
política depois do boom.
Com desemprego alto, especialmente em grupos vulneráveis
como jovens e mães solteiras, o salário mínimo pode ser um muro que exclui essa
população do mercado de trabalho formal, onde estão os melhores empregos, das
grandes empresas, e a proteção social. O objetivo de resguardar da pobreza os
que o recebem (os incluídos), prejudicaria os sem emprego ou os que venham a
ser demitidos (os excluídos). Em cada aumento do SM, o muro ficaria maior.
Com encargos, um mínimo de R$ 1.040 significa que o
trabalhador deve gerar ao menos R$ 2.100 em produtividade para a contratação
compensar à empresa. Para jovens egressos de um sistema educacional falido,
pode ser um muro alto demais. Nos EUA, Fone et al. (2019) associam aumento de
10% do SM a aumento de 2% dos crimes contra o patrimônio cometidos por jovens.
O Banco Mundial sugere mínimo menor para jovens e Paulo
Guedes ambiciona menos encargos para eles, como funciona em muitos países
desenvolvidos. O trabalho intermitente da reforma trabalhista também quebra o
muro, ao permitir trabalhadores de baixa produtividade acessarem o mercado
formal, mas ainda não pegou: pena à espera do STF.
A política de valorização do SM poderia dar lugar uma
política de valorização do Bolsa Família, concentrando recursos fiscais em
famílias mais pobres e sem os efeitos colaterais. Ou poderia ser mantida
condicionada a níveis de desemprego, com aumentos maiores somente quando ele
estiver baixo. Nossos muros já são altos demais.”
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