POR MERVAL PEREIRA
“O que coloca em perigo a
sociedade não é a corrupção de alguns, é o relaxamento de todos”. A frase do
pensador político e historiador francês do século 19 Alexis de Tocqueville,
criador da definição de social democracia na análise das democracias ocidentais
modernas, nunca esteve tão em voga quanto hoje, e não apenas na América Latina,
que pela primeira vez nos últimos 22 anos colocou o problema da corrupção como
o mais importante, segundo a pesquisa do Latinobarômetro divulgada ontem.
ONG sediada no Chile, que faz
pesquisas regularmente sobre valores e opiniões na América Latina, o
Latinobarômetro, em pesquisa que já comentei aqui na coluna, já havia detectado
que a confiança na democracia está em declínio na região desde 1995. Comparados com outros consultados em
países da América Latina, os brasileiros são os segundos menos dispostos a
apoiar a democracia.
Há pesquisas que mostram que a
democracia era um valor muito mais respeitado entre as gerações mais velhas, ao
passo que na dos millenials, os que chegaram à fase adulta na virada do século
20 para o 21, apenas 30% nos Estados Unidos consideram que a democracia é um
valor absoluto.
O mesmo fenômeno é constatado na
Europa, em números mais moderados. Um estudo mostra que em 2016, o apoio dos
brasileiros à democracia caiu 22 pontos percentuais. Não apenas o apoio saiu de
54% em 2015 para 32%, como 55% dos brasileiros se disseram dispostos a aceitar
um governo não democrático desde que os problemas sejam resolvidos.
Agora, pela primeira vez a
pesquisa Latinobarômetro mostra que a corrupção é a principal preocupação do
Brasil, onde cerca de 31% dos cidadãos a consideram o principal problema
nacional. Envolvendo 18 países latino-americanos, a pesquisa mostra que o
Brasil não está sozinho. Há dez anos, a corrupção sequer aparecia com dados
significativos, e hoje está presente e com peso em quase dez países do
continente, segundo os coordenadores da pesquisa.
A conclusão é que a democracia
latino-americana está em crise, e uma das principais razões é o descrédito dos sistemas
políticos, dos partidos, das lideranças. O Latinobarômetro mostra que 70% dos
cidadãos da região criticaram seus governos por pensarem apenas em seus
interesses individuais e não no bem comum, sendo que no Brasil, esse percentual
alcançou 97%.
Não é por acaso, portanto, que a
questão da corrupção, a partir do caso brasileiro, tenha se espraiado pela
América Latina, já que o esquema montado pelo PT nos governos Lula e Dilma
exportou para diversos países chamados “bolivarianos” o mesmo sistema de compra
de apoio político com o apoio da empreiteira Odebrecht.
Esse sistema de corrupção que
agora está sendo desvelado, corroeu os frágeis sistemas democráticos em
diversos países da região e fez com que a descrença na democracia
representativa aumentasse nos últimos anos.
O surgimento do “capitalismo de Estado” fez
com que a relação direta entre democracia e capitalismo já não seja mais uma
variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado. Ela
está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não
democráticos, como a China, e também pela desigualdade econômica exacerbada em
países como o nosso.
Um novo estudo do World Wealth
and Income Database, dirigido pelo economista francês Thomas Piketty também já
citado anteriormente na coluna, mostra a “extrema e persistente desigualdade”
do Brasil, o que serve para desacreditar a eficácia do capitalismo em países em
desenvolvimento como o nosso.
Uma comparação entre Brasil,
Estados Unidos, China e África do Sul mostra pelo menos 8% de diferença na
parte nas mãos do 1% mais rico. No Brasil, a renda desses corresponde a 28%,
enquanto na China é de 14%. Crise econômica, desmoralização da classe política
pela prática sistemática da corrupção, e violência urbana são ingredientes que
se misturam para desacreditar a democracia representativa.
É nesse ambiente negativo que o
Brasil entra agora no ano eleitoral.”
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AGD comenta
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