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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O preço do populismo




POR MÍRIAM LEITÃO

A Venezuela desce a ladeira há tantos anos que ninguém se surpreendeu pelo fato de três agências de risco terem declarado que o país está em default, e o Brasil ter reclamado junto ao Clube de Paris por não estar recebendo do país vizinho. O populismo, seja de esquerda ou de direita, sempre termina em desastre, que aprisiona o país por anos, como ocorre na Venezuela.

O encontro com a verdade, que o populismo adia com discursos de ódio contra os supostos inimigos, algum dia chega. E na Venezuela tem estado presente há muitos anos, mas agora está num ponto de não retorno. Nesta quinta-feira, os credores reunidos na Isda, uma associação internacional de detentores de títulos, ainda conversarão com o governo, mas a tendência é a de se juntarem às agências Standard&Poors, Moody's e Fitch e também declararem que a Venezuela não paga dívidas. O acordo fechado ontem com a Rússia não ajuda muito. A dívida total do país é de US$ 150 bi, e a parte renegociada é de US$ 3,1 bi. Rosamnis Marcano, da consultoria venezuelana Econometrica, conta que a negociação pouco tem avançado. Os EUA determinaram que credores americanos não devem negociar sem a presença da Assembleia Nacional, controlada pela oposição e que, depois do plebiscito, perdeu poderes.

— É preciso mais que uma revisão da dívida. O normal nesses processos é o devedor apresentar um plano de ajuste que convença os credores sobre a capacidade de pagamento. Mas o governo não apresentou nada capaz de equilibrar as contas — diz.

Um dos pontos de desequilíbrio é o controle de câmbio. Empresas que têm boas relações com o governo conseguem o câmbio super artificial de 10 bolívares por um dólar; no paralelo, a cotação passa de 10.000. As reservas venezuelanas são mínimas, em torno de US$ 10 bi. No Brasil, são de US$ 380 bi.

Caso o default se torne oficial, os credores poderão requisitar as garantias. Isso atingiria em cheio a indústria petroleira, praticamente o único setor em que a Venezuela é competitiva. Os navios da estatal PDVSA em águas internacionais poderão ser tomados. A petroleira também é dona da Citgo, que detém refinarias nos EUA e teve metade das ações colocada em garantia aos empréstimos venezuelanos. A situação é dramática. O default atingiria em cheio a indústria que é responsável por mais de 90% das exportações do país.

A produção de petróleo, intensiva em investimento, já definha. Pelos dados da Opep, em outubro o país extraiu menos de 2 milhões de barris por dia. Há 28 anos a Venezuela não produzia tão pouco. A empresa de petróleo sempre foi ordenhada pelo chavismo e não tem conseguido investir em novos campos. Neste momento em que o petróleo sobe no mercado internacional, o país não é capaz de se aproveitar dos preços porque tem produzido cada vez menos. Até parte da produção futura já foi negociada em contratos de empréstimos, especialmente com os russos. Eles, inclusive, usam esses títulos para negociar com os EUA, driblando o embargo imposto desde o conflito na Ucrânia.

A maior atingida, claro, é a população. Com o petróleo trazendo cada vez menos dinheiro, a crise de abastecimento se agrava. A Venezuela produz pouco, importa até gasolina. A Econometrica divulga um índice de escassez da economia, que hoje está em 50%. A cada dois produtos, um está em falta. No caso dos produtos de higiene, como os desodorantes, a escassez é de 80%. A pior situação é nos medicamentos. Falta desde amoxicilina, para inflamações de garganta, a remédios para o tratamento da Aids, passando pela insulina. Rosamnis conta que na terça-feira havia uma fila de um quarteirão no caminho do seu trabalho. No mercado, havia chegado farinha de milho, também escassa, que os venezuelanos usam para fabricar a arepa, onipresente na dieta local.

Essa mesma farinha eu vi sendo negociada em comércio paralelo no canto de um corredor do Palácio Miraflores, em 2003, quando fui entrevistar Hugo Chávez. O desabastecimento é crônico. O caso da Venezuela tem inúmeras lições sobre o que se deve evitar em qualquer país. Políticas públicas, sejam quais forem, se não tiverem uma base de sustentação fiscal acabam desmontando a economia. O país vive há anos um quadro de recessão, inflação e crise cambial. Foi levado a isso pelo populismo chavista. O longo retrocesso da Venezuela mostra o que não fazer com a economia e a democracia.”

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AGD comenta


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