Por José Nêumanne
De hoje, aniversário do golpe
militar que “proclamou” a República, em diante, a camarilha dirigente dos
negócios públicos prosseguirá em seu ingente esforço para ter de volta a
impunidade que, na prática, tem gozado, mercê de foro e de outros privilégios
acumulados em 118 anos legislando prioritariamente em proveito próprio.
Com a chancela de uma
Constituição promulgada pelo Congresso abusado e abusivo, nossa privilegiada
casta dirigente se viu imprensada na parede pelo povo, que em 2013 foi às ruas
reclamar de seus maus-tratos à sociedade explorada, humilhada e espoliada. No
ano seguinte, graças à renovação dos quadros de agentes concursados da Polícia
Federal (PF) e de procuradores da República e juízes federais treinados para
combater crimes de colarinho-branco, como lavagem de dinheiro, teve início a
Operação Lava Jato,
A união de esforços de
corporações divididas internamente e rivais entre si – PF e Ministério Público
Federal – levou aos juízes de primeiro grau e, em consequência, às celas do
inferno prisional tupiniquim, até então exclusivas de pretos, pobres e
prostitutas, uma clientela, branca, poderosa econômica e politicamente e
abonada (em alguns casos, bilionária). Como nunca antes na História deste país,
no dizer do ex-presidente em cuja gestão a total perda de proporções e do
mínimo de sensatez produziu o maior escândalo de corrupção da História, ora nos
é dado ver os príncipes de grandes firmas corruptoras tomando banho de sol nos
pátios das prisões.
O foro privilegiado, que reserva
o julgamento de 22 mil (ou 55 mil?) otoridades (em mais um desses absurdos
colapsos de estatística a serviço de meliantes de luxo) à leniência do Supremo
Tribunal Federal (STF), mantém um placar absurdo de 118 condenados em primeira
instância pela Lava Jato contra zero (isso mesmo, zero) apenado no último e
mais distante tribunal do Judiciário. Em caso extremo e inédito, o presidente
da República só pode ser acusado por delitos cometidos no exercício do cargo.
Com pânico de perder com o
mandato os privilégios, a borra política nacional permitiu-se abrir mão de
anéis para manter os longos dedos das mãos que afanam. Mas nestes três anos e
oito meses de Lava Jato alguns fatos permitiram a seus maganões investir contra
essa progressiva redução da impunidade. A chapa vencedora em 2014, Dilma-Temer,
foi absolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por excesso de provas. E
quando o leniente STF sai um milímetro da curva que interessa aos
congressistas, estes logo o reduzem à posição de última defesa de suas
prerrogativas de delinquir sem ser perturbados. Até Aécio, derrotado na eleição
e guindado ao governo Temer, mantém-se “impávido colosso” no ninho.
Na negociação pelo impeachment da
desastrada Dilma, Jucá, o Caju do propinoduto da Odebrecht, definiu “estancar a
sangria” como meta de seu grupo, alcunhado pelo ex-procurador-geral Janot de
“quadrilhão do PMDB”, para o comparsa Sérgio Machado, cuja delação tem sido
contestada. Embora isso esteja sendo confirmado pelas Operações Cadeia Velha e
Papiro de Lama, no Rio e em Mato Grosso do Sul, desmascarando os dignitários
peemedebistas Picciani e Puccinelli.
Faltam provas, alegam. Mas sobram
fatos. Com alguns votos tucanos e todos do Centrão, que defendeu tenazmente
Eduardo Cunha, a maioria da Câmara mandou para o lixo investigações contra
Temer pedidas por Janot ao STF. O presidente até agora não citou um fato concreto
para se defender das acusações de corrupção passiva, obstrução de Justiça e
organização criminosa, meio ano após ter sido divulgada a gravação de sua
conversa com um delinquente que usou identidade falsa para adentrar o palácio.
E agora se sente à vontade para trocar na Procuradoria-Geral da República, em
causa própria, o desafeto Janot por Raquel Dodge, indicada pelo parceiro de
convescotes em palácio Gilmar Mendes, do STF.
Caso similar é o de Fernando
Segóvia, cujo currículo fala por si. No Maranhão, tornou-se comensal e afilhado
do clã Sarney. E não deve ter sido a atuação de adido na África do Sul que
inspirou Padilha a lutar por sua nomeação. Ao assumir, sem o aval do chefe
direto, o ministro Jardim, ele prometeu mudanças “paulatinas” na Lava Jato e
reconheceu que terá atuação política. Atuação política na chefia da polícia que
investiga os políticos? Hã, hã! O velho Esopo diria que se trata do caso da
raposa disposta a assumir a segurança do galinheiro. Mas a fábula é antiga!
Enquanto Segóvia, o “tranquilo”,
assume o paulatino como pauladas em subordinados e pagantes, o chefe do governo
tenta obter a própria superimpunidade por meios sibilinos. Seu advogado
Carnelós pediu toda a vênia possível a Fachin para convencê-lo a desistir de
encaminhar Cunha, Geddel, Henriquinho, Rodrigo da mochila e Joesley, entre
outros, para a primeira instância de Moro e Vallisney. E assim evitar que
surjam delitos desconhecidos em seus depoimentos ou delações dos quais o chefe
não tomaria conhecimento no gozo de sua indulgência plena com data marcada para
terminar: janeiro de 2019.
Na manchete do Estado anteontem,
Pauta-bomba no Congresso põe em risco ajuste fiscal, a reportagem de Fernando
Nakagawa e Adriana Fernandes, de Brasília, relata o perdão das dívidas dos ruralistas,
depois da dispensa de multas e pagamentos de parlamentares empresários, seus
sócios e compadres em outro Refis amigo. E, segundo o texto, a Lei Kandir será
alterada. Sem despesas, mas com graves danos ao combate à corrupção, vêm,
depois deste feriado, a lei do abuso de autoridade e a redução das punições da
Ficha Limpa, só para quem a tiver violado após sua vigência. Rogai por nós!
Na adaptação da obra-prima de
Proust, Em Busca do Tempo Perdido, a memória não tem o olor das madeleines, mas
dos miasmas de uma República apodrecida, convenientemente distante do Brasil
real, que não a suporta mais.”
----------------
AGD comenta:
Sem comentários
Nenhum comentário:
Postar um comentário