Por Marco Aurélio Nogueira
Na conhecida conferência A
política como vocação, proferida em 1919, o sociólogo alemão Max Weber sugeriu
que o verdadeiro homem político deveria possuir ao menos três qualidades
essenciais: precisaria combinar a paixão por uma causa, o sentimento de
responsabilidade e o senso de proporção. Poderia ter uma dessas qualidades em
maior dose, mas não poderia deixar de ter as três. Com elas, entre outras
coisas, haveria como controlar a vaidade, o desejo de permanecer sempre no
primeiro plano, e dar o devido peso à missão política propriamente dita.
A sugestão é útil para que se
discuta, por exemplo, a conduta de parlamentares e governantes, seu maior ou
menor sucesso, seu estilo de liderança, as razões que os fazem mais eficientes
na representação política e na gestão e lhes dão maior capacidade pedagógica de
interagir democraticamente com as massas.
Há governantes que se seguram tão
somente na paixão pela causa, conseguindo compensar a ausência (relativa) das
outras qualidades mediante a organização de uma boa equipe de auxiliares.
Enquanto o chefe faz política e enfatiza sua causa, os assessores cuidam da
administração e garantem alguma margem de responsabilidade e senso de proporção
no processo de tomada de decisões. Lula pode ser aqui tomado como exemplo
positivo. Dilma seria um exemplo negativo.
Em seus dois mandatos, o
ex-presidente não deixou um minuto sequer de fazer política e reverberar sua
causa. Conseguiu terminar seus governos nos braços do povo, sua equipe de
auxiliares se encarregou, com eficiência, de fazer a máquina administrativa
funcionar e estabilizar a base política, que forneceu ao governo a necessária
sustentação. As circunstâncias nacionais e internacionais foram-lhe favoráveis
e o beneficiaram com os ventos da Fortuna, mas é evidente que houve Virtù e bom
desempenho entre 2013 e 2010.
Com Dilma Rousseff ocorreu o contrário.
Apresentada ao mundo como “gestora rigorosa e técnica competente”, não mostrou
aptidão particular para a política, não conseguiu expressar causa alguma nem
exibiu a exaltada competência administrativa. Seu senso de proporção e
responsabilidade foi reduzido, o que impulsionou a crise. Em decorrência,
entrou em atrito com amigos, aliados e auxiliares, não estruturou uma equipe
leal e eficiente, teve de aceitar a contragosto a transferência da operação
política para outros personagens e não conseguiu organizar um Estado
administrativo vigoroso. As circunstâncias não a beneficiaram e passaram, em
decorrência, a exigir sempre mais talento político, que lhe era escasso. Dilma
plantou, assim, os ventos que iriam transformar-se na tempestade perfeita do impeachment.
A desgraça configurou-se quando ela, em 2014, bateu pé e fez questão de
concorrer à reeleição. Sua vitória nas urnas foi de Pirro e só serviu para
bloquear as chances que o PT teria de ajustar o curso do navio.
Faltaram a Dilma, portanto, as três
qualidades essenciais estabelecidas por Weber, com o que ela foi devorada pela
vaidade e pela dificuldade de interagir democrática e pedagogicamente com as
massas. Sua queda foi uma espécie de profecia que se autorrealizou.
Trazendo o argumento para os dias
correntes, encontramos Michel Temer como exemplo de político com dificuldades
para combinar as três qualidades. Falta-lhe antes de tudo a devoção a uma
causa, já que a ideia de fazer de seu governo um artífice da retomada do
crescimento econômico e do ajuste fiscal não aquece mentes e corações. Com o
tropeço nas pedras que surgiram pelo caminho (Joesley e Janot), Temer viu
evaporar o que tinha de força para aprovar reformas, sobretudo porque não soube
reunir os consensos sociais necessários para fazê-las e foi sendo desconstruído
pelo próprio Congresso, que esperava ver apoiá-lo. O presidente também não
demonstra possuir um apurado senso de proporção e responsabilidade, o que fez
com que vacilasse na composição de seu Ministério, para o qual convocou pessoas
que pouco o ajudam e têm opaca imagem pública, e se entregasse desmesuradamente
ao jogo político miúdo e fisiológico. Foi, assim, sendo devorado por predadores
de várias espécies, perdendo condições de fazer política abrangente, a ponto,
por exemplo, de influenciar sua própria sucessão. Tornou-se um governante
inercial, refém do Congresso e sustentado pelos relacionamentos que amealhou
durante a longa carreira parlamentar. Seus baixíssimos índices de aprovação e
popularidade fecham a moldura.
Mas a crítica a ele deve ser bem
calibrada. Temer é produto do quadro político atual, que está majoritariamente
ocupado por políticos imperfeitos. Alguns têm causas, outros se declaram
responsáveis, mas há poucos que se dediquem a unir uma qualidade à outra. Não
porque não as tenham, mas porque não se dispõem a confrontar as bandas podres
do sistema e recuperá-lo.
Bons políticos existem e
continuarão a existir sempre. O que falta é que eles se reúnam, se articulem,
se imponham nos espaços políticos institucionais e dialoguem abertamente com a
sociedade. Sem a paixão que promove a entrega a uma causa e sem um sentido
superior de responsabilidade (pública), os políticos são atraídos mais pelo
brilho do que pela realidade do poder; e terminam por usufruir o poder pelo
poder, sem cumprirem funções positivas. Precisam romper com isso.
Constatar que um país como o
Brasil esteja entregue nos últimos 15 anos às desventuras de políticos
“imperfeitos” – e imperfeitos porque “incompletos” – certamente levaria Max
Weber a tremer no silêncio sepulcral em que repousa.
Quanto a nós, pobres seres
viventes, a constatação provoca pasmo e uma perturbadora inquietação. O momento
é exigente, pede empenho e discernimento. Não precisamos de “chefes”, mas de
políticos dispostos ao sacrifício e vocacionados para colocar os dedos nas
engrenagens da História, assumindo compromissos claros com uma agenda
corajosa.”
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