“O outono do patriarca
Por Gustavo H. B. Franco - O Estado
de S.Paulo
A divulgação da gravação de
Joesley Batista com o presidente no dia 18 de maio teve o curioso efeito de
parar o tempo econômico. O mesmo dia recomeça todas as manhãs, sempre nublado,
muda apenas o título da operação da Polícia Federal. Estamos como Bill Murray,
o meteorologista aprisionado na comemoração do dia da marmota em O Feitiço do
Tempo.
O Comitê de Datação de Ciclos
Econômicos ainda não se pronunciou sobre esse estranho fenômeno, são poucos os
precedentes, quase todos emanados do realismo fantástico latino-americano. Mas
os relatos vão se acumulando entre nostálgicos empresários dividindo-se entre o
lamento (“Estava tão perto ...”) e o ressentimento (“Nunca me iludi ...”).
Para piorar as coisas, logo
adiante, o fenômeno se torna mais agudo com a histórica decisão do TSE: foi
como se tivesse começado o quinto ano da presidência José Sarney. O que pode
ser mais inútil e ao mesmo tempo mais interminável?
É verdade que a sala de espera é
bastante mais confortável desta vez. Em 1989, não tínhamos instituições
independentes como as de hoje para tratar de assuntos fiscais, bancários e
monetários, para não falar dos órgãos de controle da administração pública, do
Ministério Público e do Judiciário. Por conta disso, em 1989, o derretimento da
liderança política se transmutou em devastação econômica: o limiar técnico da
hiperinflação, 50% mensais, foi transposto exatamente em dezembro de 1989, no
segundo turno das primeiras diretas para presidente depois de mais de duas
décadas.
Não há chance dessa desgraça se
repetir, por maiores que sejam as semelhanças com aquele momento político, e
elas são muitas. Hoje, temos instituições que zelam pela integridade do Fisco e
da moeda, e fortes o suficiente inclusive para derrubar presidentes se atentam
contra a responsabilidade fiscal. São outros tempos.
Nesse contexto, o governo Michel
Temer começou direito, como um bem urdido casamento de conveniência reunindo um
grupo político que nunca teve afinidades visíveis com políticas ortodoxas e
reformas liberais, e alguns dos mais destacados expoentes dessas crenças nos
postos mais importantes da área econômica.
Era uma união sem amor, e com o
mínimo intercurso possível, mas fazia sentido e seguiu produzindo resultados
por algum tempo. Parecia uma combinação pragmática de uma coalizão parlamentar
interessada em sua sobrevivência política através do bom desempenho da economia
com executivos habilitados para entregar esse produto, mas precisando ainda
purgar os efeitos tóxicos da Nova Matriz.
As dificuldades se revelaram
maiores do que se esperava, mas os mercados continuavam a acreditar na
inexorabilidade da Razão, ao menos até o tempo cessar a sua fruição depois do
evento das gravações. O outono de Michel Temer se estabeleceu com espantosa
rapidez. Ameaças e traições o cercaram por todos os lados, mas ele criou para
si uma fortificação que praticamente lhe assegura seu quinto ano de mandato,
ainda que sob permanente tensão.
Nisso se parece com Macbeth, um
dos mais intensos e instigantes entre os vilões shakespearianos, ainda que de
forma meio acidental. Temer não pode ser acusado de matar o rei, embora fosse
conivente e acessório, e se mostrasse assolado por pudores, não tanto por
culpas. Mas depois de assumir o trono, cercado de tantas contrariedades, não
tem alternativa senão avançar: “Ser rei não é nada, há que sê-lo sem perigo”.
Mas para isso é necessário praticar outros atos terríveis, cada vez piores, e a
partir daí se desdobra o que Barbara Heliodora descreveu como o “suicídio
moral” do protagonista.
No Brasil, entretanto, o desfecho
tende a ser outro. Macbeth resiste ao cerco, envelhece “e descobre no
transcurso de seus anos incontáveis que a mentira é mais cômoda que a dúvida,
mais útil que o amor, mais perdurável que a verdade”. Como o patriarca de
García Marquez, pode chegar “à ficção de ignomínia de mandar sem poder, de ser
exaltado sem glória e de ser obedecido sem autoridade”.
O tempo perdido é o que define,
afinal, o país do futuro.”
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AGD Comenta:
O texto que leram é de um dos
mais brilhantes economista brasileiros, e que foi um baluarte, no passado, em
tirar nossa economia de um dos buracos que nossos políticos normalmente a
metem. Mas, ninguém é perfeito, e, lembro eu, sua renitência em nos manter com
uma moeda, o real, com paridade de 1 para 1 com o dólar americano, também nos
causou sérios problemas.
Agora ele está numa posição
melhor para analisar a cena, e o faz com muita erudição. E quem viveu a época
que ele menciona, do final do governo Sarney, sabe quão conturbados foram
aqueles dias.
Acordar cedinho para entrar na
fila do leite em pó para aproveitar a existência deles no mercado e evitar seu
aumento de preços era a rotina que muitos, como eu, viveram.
A economia brasileira, em termos
de instituições que a protegem, evoluiu muito, porém, não podem resistir muito
se os políticos não entenderem que não são melhores do que os outros e são
passíveis de erros, que são imperdoáveis.
A manutenção da figura de Michel
Temer na presidência, com o que se passa e que sabemos pela mídia, mesmo que
ele seja inocente e angelical, como se mostrou no discurso de ontem para desqualificar a denúncia contra ele, está fazendo um grande mal ao Brasil. Mesmo não
se sabendo o que será o pós-Temer, ele faria um grande serviço ao Brasil, se
renunciasse o quanto antes.
O pós-Temer a Deus pertence, mas,
o presente, com ele, pertence ao diabo. E isto se dá porque as instituições
econômicas, mesmos mais sólidas como reconhece o economista Gustavo Franco, não
são de ferro nem de aço e terminarão por deixar os agentes econômicos se
contaminarem (o que já vem acontecendo) pelo pessimismo e más expectativas.
Se isto acontecer não haverá
somente o “outono do patriarca” e sim, o inverno da economia brasileira.
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