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quarta-feira, 28 de junho de 2017

O inverno da economia brasileira




“O outono do patriarca

Por Gustavo H. B. Franco - O Estado de S.Paulo

A divulgação da gravação de Joesley Batista com o presidente no dia 18 de maio teve o curioso efeito de parar o tempo econômico. O mesmo dia recomeça todas as manhãs, sempre nublado, muda apenas o título da operação da Polícia Federal. Estamos como Bill Murray, o meteorologista aprisionado na comemoração do dia da marmota em O Feitiço do Tempo.

O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos ainda não se pronunciou sobre esse estranho fenômeno, são poucos os precedentes, quase todos emanados do realismo fantástico latino-americano. Mas os relatos vão se acumulando entre nostálgicos empresários dividindo-se entre o lamento (“Estava tão perto ...”) e o ressentimento (“Nunca me iludi ...”). 

Para piorar as coisas, logo adiante, o fenômeno se torna mais agudo com a histórica decisão do TSE: foi como se tivesse começado o quinto ano da presidência José Sarney. O que pode ser mais inútil e ao mesmo tempo mais interminável?

É verdade que a sala de espera é bastante mais confortável desta vez. Em 1989, não tínhamos instituições independentes como as de hoje para tratar de assuntos fiscais, bancários e monetários, para não falar dos órgãos de controle da administração pública, do Ministério Público e do Judiciário. Por conta disso, em 1989, o derretimento da liderança política se transmutou em devastação econômica: o limiar técnico da hiperinflação, 50% mensais, foi transposto exatamente em dezembro de 1989, no segundo turno das primeiras diretas para presidente depois de mais de duas décadas.

Não há chance dessa desgraça se repetir, por maiores que sejam as semelhanças com aquele momento político, e elas são muitas. Hoje, temos instituições que zelam pela integridade do Fisco e da moeda, e fortes o suficiente inclusive para derrubar presidentes se atentam contra a responsabilidade fiscal. São outros tempos.

Nesse contexto, o governo Michel Temer começou direito, como um bem urdido casamento de conveniência reunindo um grupo político que nunca teve afinidades visíveis com políticas ortodoxas e reformas liberais, e alguns dos mais destacados expoentes dessas crenças nos postos mais importantes da área econômica.

Era uma união sem amor, e com o mínimo intercurso possível, mas fazia sentido e seguiu produzindo resultados por algum tempo. Parecia uma combinação pragmática de uma coalizão parlamentar interessada em sua sobrevivência política através do bom desempenho da economia com executivos habilitados para entregar esse produto, mas precisando ainda purgar os efeitos tóxicos da Nova Matriz.

As dificuldades se revelaram maiores do que se esperava, mas os mercados continuavam a acreditar na inexorabilidade da Razão, ao menos até o tempo cessar a sua fruição depois do evento das gravações. O outono de Michel Temer se estabeleceu com espantosa rapidez. Ameaças e traições o cercaram por todos os lados, mas ele criou para si uma fortificação que praticamente lhe assegura seu quinto ano de mandato, ainda que sob permanente tensão.

Nisso se parece com Macbeth, um dos mais intensos e instigantes entre os vilões shakespearianos, ainda que de forma meio acidental. Temer não pode ser acusado de matar o rei, embora fosse conivente e acessório, e se mostrasse assolado por pudores, não tanto por culpas. Mas depois de assumir o trono, cercado de tantas contrariedades, não tem alternativa senão avançar: “Ser rei não é nada, há que sê-lo sem perigo”. Mas para isso é necessário praticar outros atos terríveis, cada vez piores, e a partir daí se desdobra o que Barbara Heliodora descreveu como o “suicídio moral” do protagonista.

No Brasil, entretanto, o desfecho tende a ser outro. Macbeth resiste ao cerco, envelhece “e descobre no transcurso de seus anos incontáveis que a mentira é mais cômoda que a dúvida, mais útil que o amor, mais perdurável que a verdade”. Como o patriarca de García Marquez, pode chegar “à ficção de ignomínia de mandar sem poder, de ser exaltado sem glória e de ser obedecido sem autoridade”.

O tempo perdido é o que define, afinal, o país do futuro.”

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AGD Comenta:

O texto que leram é de um dos mais brilhantes economista brasileiros, e que foi um baluarte, no passado, em tirar nossa economia de um dos buracos que nossos políticos normalmente a metem. Mas, ninguém é perfeito, e, lembro eu, sua renitência em nos manter com uma moeda, o real, com paridade de 1 para 1 com o dólar americano, também nos causou sérios problemas.

Agora ele está numa posição melhor para analisar a cena, e o faz com muita erudição. E quem viveu a época que ele menciona, do final do governo Sarney, sabe quão conturbados foram aqueles dias.

Acordar cedinho para entrar na fila do leite em pó para aproveitar a existência deles no mercado e evitar seu aumento de preços era a rotina que muitos, como eu, viveram.

A economia brasileira, em termos de instituições que a protegem, evoluiu muito, porém, não podem resistir muito se os políticos não entenderem que não são melhores do que os outros e são passíveis de erros, que são imperdoáveis.

A manutenção da figura de Michel Temer na presidência, com o que se passa e que sabemos pela mídia, mesmo que ele seja inocente e angelical, como se mostrou no discurso de ontem para desqualificar a denúncia contra ele, está fazendo um grande mal ao Brasil. Mesmo não se sabendo o que será o pós-Temer, ele faria um grande serviço ao Brasil, se renunciasse o quanto antes.

O pós-Temer a Deus pertence, mas, o presente, com ele, pertence ao diabo. E isto se dá porque as instituições econômicas, mesmos mais sólidas como reconhece o economista Gustavo Franco, não são de ferro nem de aço e terminarão por deixar os agentes econômicos se contaminarem (o que já vem acontecendo) pelo pessimismo e más expectativas.

Se isto acontecer não haverá somente o “outono do patriarca” e sim, o inverno da economia brasileira.

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