Davi e Miguel |
Por Zé Carlos
O dia em que escrevo é o Dia do Professor. Um dia, muito
tempo atrás, fui um deles. Hoje o sou nas lembranças. Por que então não escrevo
sobre os professores que hoje protestam tanto e muitas vezes com razão e umas
tantas sem ela? Simples. Quando me travisto de Vovô Zé, só tenho dois leitores,
meus netos, e ainda, no futuro.
O Davi, o mais velho, com seus quatro aninhos e pouco, já
está quase juntando as letras, coisas que eu só fiz aos seis anos e pouco.
Breve terei leitores para esta coluna. Mas, ainda ficarei esperando o Miguel.
Espero viver para ouvir deles, de suas próprias vozes, de forma educada e
carinhosa, para me agradar:
- Vovô Zé, gostei do
que você escreveu sobre nós!
Entretanto, dia de professor aposentado é todo dia para mim.
Hoje escrevo sobre o Dia da Criança, no qual fui ter com eles, em seu reduto,
lá no interior. Nem preciso mais dizer que a farra foi geral, porque foi, e
bastaria dizer só isto para eles concordarem comigo no futuro. E eu ainda tento
escrever um pouco mais.
Eles têm que saber, no futuro, que vivemos uma época em que
sabemos a hora que saímos mas não sabemos a hora em que iremos chegar. Desde o
trânsito do Recife, o sacrifício para sair da cidade, como seus engarrafamentos
monumentais, até o quase congestionamento da BR-432, que já poderia,
tecnicamente, ser triplicada. E não só até à entrada para a Arena Pernambuco,
mas até Caruaru, pelo menos. Ah, se houvesse um bom trem até lá! Quem sabe,
quando os meus bisnetos me lerem, já exista um, além do trem do forró?
Todavia, lá chegamos, já contando com mais um engarrafamento
para entrar em Caruaru, pelo caminho que faço sempre. Os avós geralmente usam o
mesmo caminho pelo mal funcionamento dos neurônios. Não sei se é pela
experiência ou pela idade mesmo e envelhecimento das sinapses neuronais que nos
tornamos mais conservadores. E com o Vovô Zé, e com os caminhos, não é
diferente.
E lá chegamos e privamos dos beijos e abraços para o qual
vivemos hoje, eu e a Vovó Marli. E sempre ouvimos a pergunta, agora feita pelos
dois:
- Trouxe presente?!
Mas, desta vez, diante da facilidade de comunicação, eles já
sabiam o que estávamos levando para eles, como prometido muito tempo atrás, e a
pergunta foi:
- Cadê minha raquete?!
Esta foi a promessa que fizemos a Davi, o mais propenso ao
atletismo entre os netos, embora o Miguel já comece a dar os seus chutes na “cafusa” (bola da copa), e agora queira
dar suas raquetadas, no tênis. E levamos duas raquetes para crianças com todas
as devidas proporções. E ainda, já sabendo quem seria o parceiro principal, que
seria eu, levei também raquetes maiores para o Dia da Criança ser também o Dia
dos Avós. E não sei por que não é. Eu me diverti mais do que eles, como sempre
acontece.
Fora as diversões propriamente ditas, o que me chamou
atenção desta vez foi competição que já se forma entre eles em qualquer momento
e por qualquer coisa. Com a raquete não foi diferente, e tivemos o cuidado de,
ao comprar de diferentes tamanhos, explicar de antemão o porquê o fizemos.
Tentamos explicar pela idade de cada um e porque as cores eram diferentes. E
parece que tivemos sucesso na empreitada porque o Davi e o Miguel concordaram
com as raquetes.
Mas, quando pensamos que tudo estava bem, o Miguel começa a
chorar e a dizer:
- Eu quero aquela!
Então foi aquela explicação generalizada por pais e avós
para explicar tudo outra vez. E não conseguíamos ter sucesso na empreitada.
Miguel chorava e gritava:
- Eu quero aquela!
Não poderíamos fazer o que ele pedia porque as raquetes eram
diferentes e de acordo com a idade. Até que descobrimos que o que ele queria
não era trocar as raquetes, mas, trocar uma bola de tênis pela que estava com
Davi, porque achava que elas eram diferentes. E não eram. Aí foi mais fácil
convencer ao Davi a fazer a troca. Ou seja, a competição se dar até por coisas
iguais e dadas em tempos diversos.
Para aqueles que acharam que Miguel, por ser o mais novo,
seria o mais competitivo, houve outro episódio que prova o contrário, e também
prova (talvez isto eles irão demorar mais para entender) que a competição está
entranhada dentro da gente para o bem e para o mal. E neste caso o que há é o
humor, de que eles rirão no futuro.
Algum tempo atrás o Miguel machucou o dedo e a unha ficou
dolorida, roxa e depois caiu. Com o tempo nasceu uma nova. A mãe dele pegou sua
mãozinha e disse:
- Eita, Miguel, tu
ganhastes uma unha nova!
E Davi que estava por perto, falou choromingando:
- E eu não vou ganhar
uma unha nova não, é?!
E assim caminha esta humanidade competitiva. E foi um bom
Dia da Criança. Não posso dizer o mesmo do Dia do Professor, pois já estou com
saudade deles outra vez, e pensando no próximo encontro.
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