Por Carlos Sena (*)
Um dia Dom Hélder disse, diante
de uma mulher que proferia um palavrão: "o palavrão não depende de quem o
diz, mas de quem o escuta". Eu lembro disso, inclusive, porque o conheci
de perto e recebi dele uma mensagem por ocasião do lançamento de um livro meu
VERBO SER. Tenho até hoje essa mensagem
que ele escreveu de próprio punho e, também por isso, a memória não me traiu nesse
conceito de palavrão. Certo que falar o que pensamos nem sempre se reduz ou se
conduz via palavrão. Mas, há ocasiões em que não há espaço para ser pudico,
porque é o palavrão a sua melhor tradução, senão vejamos: diante de uma topada,
um PORRA fica bem melhor do que chamar por um santo qualquer...
Alguns queridos e estimados
amigos, bem como outros leitores, não simpatizam com alguns textos nos quais
uso e abuso do palavrão. Mas, jornalismo à parte, qualquer palavrão antes de
sê-lo dito ou escrito, está no cognitivo de quem lê ou ouve. Então, vem a
lógica da escuta em que um palavrão toma a dimensão que o receptor tiver dele.
Porque, a rigor, a vida na sua intimidade é igual para todos, o que muda é
apenas o "palco" em que as pessoas estão desempenhando seus papeis.
O palavrão tem outro viés pouco
explorado por quem só gosta de ler textos dentro da moral social estabelecida:
se quem proferir um palavrão for uma pessoa famosa, então o palavrão ganha o
contexto da excentricidade. Dizem que quem gostava do palavrão era o famoso
ASCENSO FERREIRA. Mas, quando ele abria o "verbo" logo os pudicos da
época sorriam sem parar. Achavam que ele era excêntrico e que aqueles palavrões
tinham que ser vistos no conjunto da sua fala (SIC).
Certo que nunca os palavrões vão
agradar todos os palácios. Mas, as palafitas que não se incomodam muito com o
moral das palavras, certamente são mais felizes sendo como são. Certo também
que cada lugar tem sua liturgia, mas é igualmente certo que algumas estruturas
litúrgicas arcaicas foram rompidas no tempo pela dura sorte, para o nosso bem
(da humanidade).
Outro viés do palavrão está na
cultura dos povos. Rapariga em Portugal significa moça, bem como lá BICHA
significa FILA e assim por diante. Depreende-se, por conseguinte, que, de fato
o PALAVRÃO depende mais de quem o escuta e de quem o lê do que de quem o
escreve ou o pronuncia... Mesmo assim, a gente pode compreender a função social
da palavras. Até porque elas são invenções sociais, por incrível que nos possam
parecer!
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 09/09/2013
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